quinta-feira, novembro 21, 2024
InícioAmérica LatinaBRICS se consolidam com cúpula na China

BRICS se consolidam com cúpula na China

Pelo Ex-Chanceler Celso Amorim ( de Carta Capital)
“Chega ao fim a época em que -duas ou três potências ocidentais, membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas, podiam reunir-se numa sala e sair de lá falando em nome da “comunidade internacional”.
Os líderes (no caso do Brasil, a líder) dos cinco países emergentes que, com a adesão da África do Sul, hoje compõem os BRICS reuniram-se em Sanya, na China, em 14 de abril último. A entrada da África do Sul é bem-vinda por trazer a África para esse grupo, cuja crescente importância no cenário internacional já não é mais contestada. Evidentemente, os pessimistas profissionais continuam a apontar diferenças de interesses entre os membros dos BRICS, traduzindo, em verdade, seu desconforto com a criação desse grande espaço de cooperação entre países até há pouco considerados subdesenvolvidos.

O mundo assiste à ascensão dos BRICS com um misto de esperança (de dividir encargos) e temor (de compartilhar decisões). Com o surgimento dos BRICS, chega ao fim a época em que -duas ou três potências ocidentais, membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas, podiam reunir-se numa sala e sair de lá falando em nome da “comunidade internacional”.

Tive oportunidade de participar dos primeiros movimentos que deram origem ao nascimento dos BRIC (então sem o “S”). Ou para usar uma terminologia que tomo emprestada da filosofia, da passagem dos BRIC de uma realidade “em si”, identificada pelo analista de mercado Jim O’Neill, para uma realidade “para si”. Foram necessários quatro ou cinco anos para que esses países assumissem sua identidade como grupo. O primeiro passo nesse sentido foi o convite do ministro do Exterior russo, Sergei Lavrov, para que os chanceleres dos quatro países se reunissem à margem da Assembleia Geral da ONU. Foi um encontro pouco estruturado. Interação mesmo, se é que houve, ficou restrita ao ministro russo e a mim.

No ano seguinte, tomei a iniciativa de convidar meus colegas para um almoço de trabalho na residência oficial da nossa representante permanente junto à ONU, Maria Luiza Viotti. Foi durante esse encontro que se tomou a decisão, inicialmente vista com certa reserva pela China, de convocar reunião a ser realizada em um dos países – e não como mero apêndice da pesada agenda dos ministros durante a Assembleia Geral. Assim, em maio de 2008, realizou-se a primeira reunião formal dos BRIC, na fria cidade russa de Ekaterinbrugo, no limite da Europa com a Ásia, com direito a declaração final e tudo o mais, ainda em nível de ministros. No ano seguinte, teve lugar, também na Rússia, a primeira cúpula de líderes. Antes disso, houve a tentativa, que acabou limitada a uma foto, de um encontro dos quatro, à margem da reunião do G-8 com alguns países em desenvolvimento, no Japão. Em 2010, ocorreu a Cúpula de Brasília, que quase não mereceu -atenção da mídia -brasileira, mas que motivou um documentário da tevê franco-alemã, a ARTE. E agora tivemos a Cúpula de Sanya, na China

E o que se nota ao longo desse processo? Primeiro, obviamente, a consolidação do grupo. Quando o Brasil propôs sediar a reunião do ano passado, a oferta foi aceita quase como um gesto de cortesia para com o presidente Lula, já que se tratava do final do seu mandato. Agora, sem que nada equivalente esteja ocorrendo, já se fixou a próxima cúpula para o ano que vem na Índia. Em suma, os líderes dos BRICS já não têm dúvidas sobre a importância de se reunir para discutir a cooperação entre eles e temas de interesse global, das finanças ao comércio, da energia à mudança do clima. Mais significativo, vencendo uma inibição que se fazia notar, sobretudo da parte da China, não hesitaram em tratar de questões relativas à paz e segurança internacionais. Em relação à Líbia, reafirmaram o desejo de encontrar uma solução “por meios pacíficos e pelo diálogo”. De forma mais geral, referindo-se ao Oriente Médio e à África, reafirmaram que o uso da força deve ser evitado. Como assinalou o comentarista do Financial Times, Gideon Rachman (embora eu discorde de sua análise das motivações), a intervenção anglo-franco-norte-americana na Líbia talvez seja o último hurrah! do que ele chama de intervencionismo liberal. Lembrando que Brasil, Índia, Rússia e China se abstiveram da resolução que autorizou “todas as medidas necessárias” para o estabelecimento da zona de exclusão aérea e a proteção da população civil, Rachman afirma que esses países, “as potências econômicas em ascensão”, são céticas sobre tal conceito. Aliás, se o Conselho voltar a reunir-se sobre o tema, é muito provável que a África do Sul, recém-ingressada nos BRICS e tendo de levar em conta posições mais recentes da União Africana, acompanhe seus novos companheiros de grupo. Isso deixaria a coalizão que apoiou o uso da força dependente de um único voto para qualquer nova ação que deseje tomar.

leitefo
leitefo
Francisco das Chagas Leite Filho, repórter e analista político, nasceu em Sobral – Ceará, em 1947. Lá fez seus primeiros estudos e começou no jornalismo, através do rádio, aos 14 anos.
RELATED ARTICLES

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here

Most Popular

Recent Comments

PAULO ROBERTO DOS ANJOS OLIVEIRA on Próximo factoide: a prisão do Lula
cleonice pompilio ferreira on Golpe de 64: quando Kennedy chamou os militares
José rainha stedile lula da Silva Chávez on Projeto ditatorial de Macri já é emparedado nas ruas
maria teresa gonzalez perez on Crise e impasse institucional
maria teresa gonzalez perez on La Plata: formando um novo tipo de jornalista
maria teresa gonzalez perez on Maduro prepara Venezuela para a guerra civil
maria teresa gonzalez perez on Momentos emocionantes da apuração do 2o. turno
Pia Torres on Crítica do filme Argo
n_a_oliveira@hotmail.com on O que disse Lula a Mino Carta, meus destaques
José Gilbert Arruda Martins on Privatizações, novo filme de Sílvio Tendler
Maria Amélia dos Santos on Governador denuncia golpe em eleição
Prada outlet uk online on Kennedy e seu assassinato há 50 anos
http://www.barakaventures.com/buy-cheap-nba-indiana-pacers-iphone-5s-5-case-online/ on Oliver Stone em dois documentários sobre Chávez
marcos andré seraphini barcellos on Videoentrevista: Calos Lupi fala do “Volta Lula”
carlos gonçalves trez on Crítica do filme O Artista
miriam bigio on E o Brasil descobre o Oman
Rosana Gualda Sanches on Dez anos sem Darcy Ribeiro
leitefo on O Blogueiro
Suzana Munhoz on O Blogueiro
hamid amini on As razões do Irã
leitefo on O Blogueiro
JOSÉ CARLOS WERNECK on O Blogueiro
emidio cavalcanti on Entrevista com Hermano Alves
Sergio Rubem Coutinho Corrêa on El Caudillo – Biografia de Leonel Brizola
Stephanie - Editora Saraiva on Lançamento: Existe vida sem poesia?
Mércia Fabiana Regis Dias on Entrevista: Deputada Luciana Genro
Nielsen Nunes de Carvalho on Entrevista: Deputada Luciana Genro
Rosivaldo Alves Pereira on El Caudillo – Biografia de Leonel Brizola
filadelfo borges de lima on El Caudillo – Biografia de Leonel Brizola