(Publicado originalmente em Ter, 23 de Fevereiro de 2010 17:19)
Por FC Leite Filho
O que surpreende na decisão de criar a Celac, Comunidade dos Estados Latino-americanos e Caribenhos, sem a participação dos Estados Unidos, ontem (23/02/10), na Cúpula dos 33 Presidentes, em Cancún, para se contrapor à OEA, é que tenha partido do México. Seu presidente, Felipe Calderón, historicamente perfilado como um dos seguidores mais incondicionais de Washington, não só comandou as articulações para a Celac, como brandiu a bandeira de Simón Bolivar, herói esnobado pelos americanistas e neoliberais de todos os quadrantes, para justificar o papel do novo organismo, que pretende distanciar-se o quanto possível da interferência estadunidense.
A consequência dessa decisão, que também, por unanimamidade, condenou a Inglaterra, neste novo surto da crise das Malvinas, e o continuado bloqueio dos Estados Unidos contra Cuba, será mais esvaziamento da OEA, já desfalcada com a instalação da Unasul, em 2008. O que terá ocorrido com os mexicanos? A explicação poderia ser encontrada no contexto de absoluta marginalização diante do seu vizinho opulento. Com efeito, o México foi o país que mais sofreu com a crise mundial de 2008, exatamente por causa da dependência umbilical da economia daquele que se diz seu protetor: diminuição brutal na remessa de dinheiro dos imigrantes, desemprego, queda nas exportações de petróleo e nos ganhos com o turismo. Nunca foi tão atual a maldição constada pelo presidente Porfírio Diaz, que governou seu país de 1876 a 1911: “Pobre México. Tão tão longe de Deus e tão perto dos Estados Unidos “.
Voltando à Celac, qual a razão de os Estados Unidos “pertencerem” a um organismo composto de países que, justamente, se julgam por eles espoliados? Nenhuma. Não obstante, a OEA, Organização dos Estados Americanos, não só os acolhe como membros, como também tem sua sede, desde a fundação, em 30 de abril de 1948, em Washington, e é sustentada em grande parte pelo governo norteamericano. Este é o argumento original para a criação da Celac, que quer, na realidade, engajar o México na obra de integração continental, desfechada pelos governos progressistas da América do Sul, que se livraram da dependência americana, se constituindo na Unasul, em 2008. País latino situado na América do Norte, mas sufocado pela sombra dos anglosaxões que dominam a superpotência e seu aliado tradicional, o Canadá, de população igualmente de origem inglesa, o México foi compelido a assinar tratados, como o Nafta, entre outros, que se revelaram altamente danosos à sua economia e população.
Esta situação persistia intacta por 60 anos até que, em 23 de maio de 2008, em Brasília, os 12 países da América do Sul se desatrelaram da tutela da OEA para definir seus próprios rumos, sob a égide da Unasul, União das Nações da América do Sul. Já em 15 de setembro daquele mesmo ano de 2008, os chefes de Estado da Unasul se reuniam em Santiago do Chile, estancando um golpe de estado na Bolívia, que visava, além de derrocar o presidente constitucional Evo Morales, fracionar o país. Agora, com a reunião de 23 e 24 de fevereiro de 2010, em Cancun, no México, todos os 33 países latinos do subcontinente, englobando América Central, do Sul e do Norte e Caribe, decidem criar um outro organismo próprio e separado dos Estados Unidos e do Canadá.
Outro fator pode ter sido o golpe militar em Honduras, país situado na América Central, em junho de 2009, desencadeado nas barbas de uma base norteamericana, próxima à capital Tegucigalpa, que adensou as preocupações dos países da região quanto ao perigo da retomada das ditaduras. Estas ditaduras, que proliferaram de 1960 a 1980, foram, como se sabe, incentivadas e muitas vezes abertamente patrocinadas pelos Estados Unidos, como aconteceu com a deposição do presidente João Gouart, no Brasil, em 1964, e Salvador Alle.
Seja como for, o fato é que a Celac está sendo saudada como mais um esforço para consolidar o trabalho de integração latino-americana, retomado depois de muito tempo, possivelmente desde Bolívar, no início do século XIX. Este trabalho é desenvolvido pelos países que elegeram presidentes progressistas desde 1998 como Hugo Chávez, na Venezuela, Lula da Silva, no Brasil, Tabaré Vásquez, no Uruguai, o casal Kirchner (Néstor e Kirchner) na Argentina, Evo Morales, na Bolívia, Rafael Correa, no Equador, Fernando Lugo, no Paraguai e Daniel Ortega, na Nicarágua. No documento constitutivo do novo organismo multilateral, de 88 parágrafos, está escrito que a Celac vai se transformar “num espaço regional próprio que reúne todos os Estados latino-americanos” para “consolidar a identidade latino-americana e caribenha”.