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Conselhos e Advogados

(Publicado originalmente em Seg, 15 de Dezembro de 2008 15:48)

Paulo Timm (*)
A Juíza Maria Célia de Carvalho proferiu sentença inédita nesta semana, no Rio de Janeiro.: Garantiu a três advogados, que haviam sido reprovados no exame da OAB -para a obtenção do registro nessa instituição que habilita ao exercício profissional- o direito de advogarem. Não li a sentença e não sei se este exercício implica no direito ao registro compulsório na OAB ou não. Mas a sentença é inédita e merece comentários.
A reação da OAB-RJ, em nota de seu Presidente, à sentença mencionada, foi fulminante: “ OAB não permitirá que ignorantes advoguem”. Ora, não era de se esperar outra coisa por parte da corporação que se pretende ser a alma dos advogados brasileiros, embora o tom pudesse, por isso mesmo, ser mais cauteloso. Se o Poder Judiciário confirmar a sentença da Juiza Célia, a OAB terá de se curvar à decisão judicial. Poderia , simplesmente, ter condenado, em tom respeitoso, a sentença afirmando a determinação da OAB de recorrer em instância superior.
Mas o que está por trás desta questão?
Não é propriamente o exame da OAB , ou de outros Conselhos , como a dos médicos, que já anunciaram o desejo de tomar idêntico procedimeneto, que está em causa.. Aliás, o Conselho de Medicina de São Paulo já fez um exame deste tipo e nem a metade dos que o prestaram foram aprovados. Mas não foi um exame obrigatório. Foi voluntário, o que levanta a hipótese de que só os mais preparados profissionais tivessem se disposto ao “vexame”, comprovando o baixo nível de formação da categoria. O que se discute na sentença da emérita Juíza é a própria estrutura de organização do exercício profissional no Brasil: os Conselhos.
O que é um Conselho, seja ele dos advogados (OAB), engenheiros e arquitetos (CREA), economistas (CRE), de médicos(CRM) ou até mesmo corretores de imóveis (CFCI)? E qual a diferença entre um conselho “de classe”, e um “sindicato” ou associação?
Os Conselhos foram criados, todos eles , à semelhança da OAB, a qual , curiosamente enfatiza a palavra “Ordem”, em lugar da denominação “Conselho”, numa clara evocação medieval, embora o nome correto seja “Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil”. São todos eles mecanismos criados em decorrência da regulamentação destas profissões, ao longo do tempo, com o objetivo de assegurar o suposto exercício destas profissões. O profissional , graduado por instituição autorizada pelo Ministério da Educação, fica obrigado a fazer seu registro no respectivo Conselho afim de se habilitar ao exercício profissional. Numa manobra sutil , de caráter burocrático, é como se o que habilitasse o profissional ao exercício da profissão não fossem os longos anos em que passa numa Faculdade mas o mero registro do diploma neste Conselho.
O procedimento tornou-se habitual e os Conselhos que contemplam em seus quadros número considerável de profissionais compulsoriamente obrigados a ali se registrarem acabaram relevando seu papel social e se transformando, impropriamente, em órgaõs de classe. Isto porque , apesar de serem autarquias vinculadas ao Ministério do Trabalho, os Conselhos são auto-geridos pelas respectivas categorias e isso lhes dá uma força política considerável. Mas uma força espúria porque indevida, por duas razões:
Primeira: Como órgãos do Estado – que são – , os Conselhos deveriam ser geridos por um comitê tripartite composto por um representante do próprio Estado, um dos Profissionais e outro dos usuários dos serviços. Isto evitaria o corporativismo na avaliação dos Conselhos de Ética Profissional de cada categoria e o uso político destes instrumentos; segunda, a força política deve derivar da capacidade da cada segmento se organizar por conta própria e livre arbítrio de cada profissional e jamais por um registro obrigatório que o torna cativo de lideranças que costumam se eternizar nas direções destes Conselhos , aí constituindo-se como verdadeira elite corporativa.
E aí uma grande diferença entre Conselho e Sindicato. Os Conselhos são órgãos para-estatais , os sindicatos entidades de direito privado, verdadeiro cerne da sociedade civil moderna; os Conselhos têm seus quadros formados por profissionais obrigados ao registro nestes órgãos, portanto, não livremente organizados, os sindicatos instrumentos de auto-organização das respectivas categorias profissionais; os Conselhos são órgãos autoritários, os sindicatos, liberais. O pior de tudo é que os Conselhos , em lugar de defender a sociedade contra o exercício ilegal da profissão acaba se transformando num órgão de defesa do profissional que diz “representar”. Ora, Conselhos não representam nada, porque são órgãos arbitrários, se registro compulsório dos seus membros. Ultimamente, estes Conselhos começam a disseminar a perniciosa idéia de que devem zelar pela qualidade dos profissionais disseminando exames de qualificação para o exercício profissional , como faz a OAB há algum tempo.
Ledo equívoco. Quem deve zelar pela qualidade dos profissionais com profissão regulamentada, especialmente os de nível superior, é o Ministério da Educação. E se isto não está funcionando adequadamente é porque este Ministério tem sido ocupado por autoridades que descuidaram desta responsabilidade, muitos deles se transformando em magnatas de universidades privadas de qualidade duvidosa. Que se instaure, pois, uma Comissão Parlamentar de Inquérito , investigação do Ministério Público e da Polícia Federal para verificar a origem desta malversação. Mas jamais substituir o Ministério da Educação pelo Ministério do Trabalho, ao qual são vinculados os Conselhos, o Diploma pelo registro, a cátedra pelo carimbo, o professor pelo burocrata, sem prejuízo de que Associações , Institutos e outros entidades de promoção profissional contribuam neste processo com seus selos de competência, como fazem muito bem as da profissão médica.
Em boa hora, também, emerge este assunto, justamente quando algumas categorias profissionais , como jornalistas, pretendem, ingenuamente, criar seu próprio Conselho , num sentimento de carência frente a outras profissões regulamentadas, sem se dar conta que não só é melhor não tê-lo – como não os têm sociólogos, antropólogos e filósofos-, como se trata de discutir a própria existência destes órgãos que só contribuem para enrijecer a fiscalização do exercício profissional e empalidecer os verdadeiros órgãos de classe que são os sindicatos. Ao Estado, enfim, o que é do Estado, e à Sociedade o que é da Sociedade…
Parabéns, pois, Doutora Célia Carvalho. Ainda há uma esperança de acabar não só com os exames da Ordem ou de outros Conselho, mas também com estas próprias excrescências corporativas que só contribuem para mistificar a questão do exercício profissional no País impedindo o aprofundamento da democracia entre nós, que só ocorrerá com a crescente participação da sociedade nos espaços outrora ocupados exclusivamente por órgãos estatais ou para-estatais.

(*) Paulo Timm, 63 – Economista do IPEA e Professor da Unb. Ex-Presidente do Conselho de Economia do Distrito Federal. Ex Membro do Conselho Federal de Economia..- paulotimm@hotamail.com Este endereço de e-mail está protegido contra spambots. Você deve habilitar o JavaScript para visualizá-lo. , www.alexania.tv .

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Francisco das Chagas Leite Filho, repórter e analista político, nasceu em Sobral – Ceará, em 1947. Lá fez seus primeiros estudos e começou no jornalismo, através do rádio, aos 14 anos.
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