Eu ia escrever hoje sobre a eleição no Chile e Michele Bachelet, que não alçançou a maioria absoluta para ganhar a eleição, no primeiro turno. Para a direita, é fácil ganhar de primeira, mas, para a esquerda, é um martírio. Lembram-se que FHC ganhou de primeira nas duas eleições no Brasil(2002 e 2006)? Bom, mas deixo o Chile para amanhã (é preciso estar atento para a realidade daquele país vizinho e irmão, que querem transplantar para cá, com todo aquele modelo de ensino privado, saúde privada e salários malditos que fazem daquela nação a mais segregadora da terra).
A forma que escolheu Cristina Kirchner, da Argentina, para voltar ao poder, nesta segunda-feira, 18/11, depois de quase seis semanas de convalescência, me fez mudar de ideia. É que ela vai, seguramente entrar na história, da política e do marketing. Antes, atentemos para o cenário: O Clarín, o La Nación e todos aqueles seus analistas ungidos pelo Olimpo estavam prevendo uma reaparição épica, espetaculosa, deslumbrante. E isso depois de aqueles jornalões “informarem” que a presidenta ia trabalhar à meia máquina, porque seu estado de saúde era delicado – o Clarín chegou a utilizar uma “informação” do colunista venezuelano Nélson Bocaranda, conhecido coveiro de Hugo Chávez, de que a presidenta “tinha sofrido um AVC” e estava “com um lado do rosto paralisado”. Jorge Lanata, a voz tonitruante de todo aquele grupo comunicacional, também afirmou, servindo-se de uma de suas “fontes”, que quem ia reassumir não era Cristina, mas um pedaço dela”. Finalmente, o doublé de coliunista do Canal 13, o maior canal do país, também de propriedade do Clarín, e do La Nación, o segundo jornal mais importante, Nélson Castro, que sempre utiliza seu diploma de médico-neurologista para passar “receitas” à presidenta, “prescreveu” num de seus “editoriais” do 13, que a presidenta contratasse um psicólogo para “enfrentar o desafio do estresse” e “cuidar da saúde de seu governo”. A presidenta, pelo visto, estaria tantã.
Diante de todo este catastrofismo, Cristina Kirchner não deu a mínima para as cassandras. Sua reentrée foi a mais despojada possível. Descontraída e já abandonando a metade do luto que guarda há três anos pelo marido antecessor Néstor Kirchner, ostentando uma camisa branca, em vez do negro total, como o vinha fazendo, ela fez tudo diferente do que se previa.Primeiro, fez uma curtíssima saudação (“Olá, como estão?”), pelo Twitter, na qual pôs um link para um vídeo no seu site pessoal, o cfkargentina.com.ar. É bom recordar que é do Twitter, rede social em que ela é seguida por mais de três milhões de internautas (só é superada por Hugo Chávez) que a presidenta argentina costuma lançar suas diatribes.
A grande surpresa, porém, estava no conteúdo do vídeo, em que ela usou e abusou todo o seu lado moleque para, numa produção da filha Florência, de 23 anos, fazer galhofa e, claro, sem deixar de agradecer os votos de restabelecimento. Entre uma e outra palhaçada, Cristina mostrou, com suas ironias finas, que continua a Cristina de sempre, intimorata, confrontativa e desafiante. Chegou ao requinte de citar algumas vezes Hugo Chávez e de Simón Bolívar, que a direitona argentina deplora e abomina. Mas era uma forma de dizer que insiste em defender a integração latino-americana e seu modelo de desenvolvimento com inclusão social, bem diferente daquele neoliberal, que entrou em colpaso em 2001, lançando o país na maior prostração de sua história, mas que o Clarín e o La Nación querem por toda força ressuscitar.
No final da noite, o Governo anunciava uma profunda reformulação no ministério, na qual substituiu seu chefe de gabinete, lá com as funções de um verdadeiro primeiro ministro, antes ocupado por Juan Manuel Abal Medina, e agora sucedido pelo governador da província de Chaco, Jorge Capitanich, a presidenta do Banco Central, Mercedes Marcó del Pont, pelo atual presidente do Banco de La Nación, Juan Carlos Fábregas. Por sua vez, Fábregas será substituído por Juan Ignacio Forlón, diretor de Nación Seguros. Na Agricultura, até ontem ocupado por Norberto Yauhar, responderá Carlos Casamiquela, e, na Economia, o vice-ministro Axel Kicilof, jovem de 41 anos, doutor em economia emilitante de La Câmpora, agrupação dirigida por Máximo Kirchner, irmão de Florência e membro da equipe presidencial dos mais demonizados pela mídia, substituindo a Hernán Lorenzino. Guillermo Moreno, ministro do Comércio, outro nome hostilizado pelo poder econômico, foi mantido e aparentemente saiu ainda mais prestigiaado. Elisa Carrió, deputada porta-voz das grandes corporações, disparou: “É o caminho da Venezuela”. (Atualização: impressão equivocada, porque, no outro dia, Moreno pediu demissão, e deverá ser substituído por Augusto Costa, outro militante de La Câmpora)
Na volta à Casa Rosada, em 20/11/2013, o apelo à juventude e a saudação a Camila Vallejo, do Chile
Veja as mudanças neste apanhado de La Nación
(Na foto principal, Cristina Kirchner pousa com o cachorrinho da raça nacional venezuelana Mucuchíes. Foi um presente de Hugo Chávez, só agora entregue à presidenta pelo irmão Adam Chávez)