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Crítica do filme 360

Já se previa que seria difícil para Fernando Meirelles cumprir, com êxito, a atribuição que lhe deram produtores ingleses, liderados pela BBC, de, sob o título de “360”, fazer outra adaptação cinematográfica da peça “La Ronde”, do escritor austríaco Arthur Schinistzer. Nela também se inspirou, em 1950, o cineasta vienense Max Ophüls para realizar um de seus mais importantes filmes no segundo período em que viveu na França, com o qual, apesar do tempo decorrido, é inevitável fazer agora ligeira comparação
Ophüls, realizador de uma das mais belas películas da história do cinema americano, “Carta De Uma Desconhecida” (1948), teve carreira cinematográfica atribulada, pois constantemente se via obrigado, por motivos políticos, a se mudar de pais, tendo vivido na Alemanha, na França, na Itália, na Holanda, nos Estados Unidos e, de novo, na França. Para impor, em “La Ronde”, o seu conceito de estética e de moral – se sobressaem também no filme, em termos de linguagem, seus ousados travellings -, ele alterou quase por completo o sentido da obra de Schnitzer, um estudo frio e cínico dos costumes sociais.
A película de Ophüls é uma sucessão de quadros, envolvendo diversas personagens, e refletindo aquilo que, em música, se diz variação sobre o mesmo tema. Ou seja, o desejo é o tema principal. É ele que dá sentido à vida. É o que aciona o mundo. O amor conjugal, por se tornar demais rotineiro, repetitivo, significa a morte do desejo. È, na verdade, a própria morte em vida. Quem emite esse pensamento – causador de grande polêmica, entre os críticos moralistas da época, todos já esquecidos – é o narrador, um escritor, que, com os seus comentários, evita que o argumento tenha o tom grotesco de esquetes. Essa personagem teve como intérprete Gérard Philippe, que, assim como todo o elenco, integrado pelos mais expressivos nomes da cena francesa na época, teve soberba e inesquecível atuação.
O filme de Fernando Meirelles, feito à base de um roteiro de Peter Morgan – muito bom em “Frost / Nixon” e, em “A Rainha”, mas não tanto em “Além da Vida” – não apresenta proposta de ordem social alguma. Tem, sim, proposta de ordem comercial, na medida em que promove, de forma clara, o turismo em Londres, na Inglaterra, em Bratislávia, na Eslováquia, em Memphis e em Phoenix, nos Estados Unidos e, de sobejo, no Brasil, pois uma brasileira, Laura (Maria Flor), em viagem, de volta, de Londres para o Rio de Janeiro, passando por Phoenix e Miami, afirma que o seu país tem as praias mais bonitas do mundo. E acrescenta que, logo depois de chegar a casa, vai pegar uma praia e, depois, fumar “baseado”.
Laura faz parte de uma ciranda de relacionamentos sexuais fortuitos e passageiros, que se inicia, por uma prostituta eslovaca, Marka (Lucia Siposová), agenciada para servir um empresário inglês, Michael Daly (Jude Daw), que se encontra em Bratislávia, a fim de concretizar a compra de produtos, que serão, em seguida, exportados à Grã Bretanha. Em Londres, na ausência do marido, a mulher do empresário, Rose (Rachel Weisz ), vai à procura do amante, um brasileiro, Rui (Juliano Cazarré), que acaba de desfazer o seu caso com Laura, a qual regressou ao Brasil. Ela, no voo, conhece um velhote (Anthony Hopkins) que, meio caído para o seu lado, lhe conta suas desventuras, uma vez que sua filha desapareceu. Ele vai a Phoenix para ver se identifica como sendo dela um corpo desconhecido, que está no necrotério. Entusiasmado diante da informação de que, por causa do mau tempo – uma tempestade de neve – terão de pernoitar em Memphis, o velhote convida Laura para jantar. Mas, enquanto ele vai ao banheiro, ela, deixando-lhe um bilhete, atrai para o seu apartamento, no hotel disponibilizado aos passageiros pela empresa aérea, um indivíduo, Tyler (Ben Foster), de corpo tatuado, ex-presidiário, condenado por agressão sexual.
Tudo se torna óbvio demais, repetitivo, sem graça e sem estilo, a lembrar talvez a sustentação de Ophüls sobre o amor conjugal. A exposição do realizador de “Cidade Deus” perde o ritmo e se torna morosa, arrastada e aborrecida. À exceção da composição fotográfica de Adriano Goldman, nada mais funciona bem no filme, pois a trilha sonora, de autor não mencionado, não se ajusta à natureza do argumento. Os atores, por sua vez – quase todos famosos -, erram ao que transparece por não terem noção precisa do que estão fazendo em cena. Falta a alguns deles, sem dúvida, o aprofundamento emocional na alma das personagens. Tudo faz crer que não houve da parte da direção recursos suficientes para fazer os intérpretes mais identificados com os seus respectivos papéis. Muitos se mostram, por isso, absolutamente indiferentes ao que representam.
REYNALDO DOMINGOS FERREIRA
ROTEIRO, Brasília, Revista
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FICHA TECNICA
360
EUA, França, Inglaterra, Austria e Eslováquia / 2011
Duração – 110 minutos
Direção – Fernando Meirelles
Roteiro – Peter Morgan, inspirado na peça “La Ronde”, de Arthur Schnitzer
Produtores – Chris Flanley, Danny Krausz, David Linde, Emanuel Michael
Fotografia – Adriano Goldman
Edição – Daniel Rezende
Elenco – Lucia Siposová (Marka), Gabriela Marciokova (Anna), Jude Daw (Michael Daly), Rachel Weisz (Rose), Moritz Bleibtreu (Vendedor 1), Peter Morgan (Vendedor 2), Wladmir Vdovichenkov (Sergei), Anthony Hopkins (Velho), Juliano Cazarré (Rui), Maria Flor (Laura), Ben Foster (Tyler).

leitefo
leitefo
Francisco das Chagas Leite Filho, repórter e analista político, nasceu em Sobral – Ceará, em 1947. Lá fez seus primeiros estudos e começou no jornalismo, através do rádio, aos 14 anos.
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