(Publicado originalmente em Seg, 18 de Maio de 2009 11:30)
Por Reynaldo Domingos Ferreira
O cineasta Ron Howard mostra sua inegável competência ao lidar, mais uma vez, com o universo religioso-fantástico do escritor americano Dan Brown, em Anjos e Demônios, um thriller de muita ação, fadado a faturar, ao que se acredita, mesmo nestes tempos de crise, tanto ou mais do que os 700 milhões de dólares apurados pelo anterior Código da Vinci.
Mas o ator Ewan McGregor, que interpreta, com muita convicção, o papel do carmelengo – o segundo do Papa, de acordo com a hierarquia da Igreja Católica –, Patrick McKenna, em declarações prestadas à imprensa européia, solto de língua e sem religião, desanca com a literatura de Brown, afirmando que não lê seus livros e que despreza qualquer obra de grande aceitação popular.
E o ator, que já reviveu, no cinema, a figura de James Joyce, parece coberto de razão porque a trama criada por Brown – atenuada pelo roteiro de David Koepp (Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal) e Akiva Goldsman -, de tão primária ou inverossímil que é, em alguns momentos, pretendendo ser séria, se torna, ao contrário, pândega como uma farsa, mesmo não sendo tratada como tal.
Um exemplo disso se dá ao início, quando a produção usa o CERN – um dos centros de pesquisas mais adiantados do mundo, localizado em Genebra – para cenário de experiências absurdas de uma cientista italiana, Vittoria Vetra (Ayelet Zurer), que trabalha com um tubo de antimateria, substância letal, descartada pela natureza desde o princípio do universo.
Pois o tubo de ensaio de Vetra é, de uma hora para outra, roubado não se sabe por quem, o que põe em polvorosa a comunidade “científica”, uma vez que a tal antimateria constitui em ameaça séria de destruição em massa, especificamente contra o Vaticano!… E, pior, no momento em que o Colégio de Cardeais, reunido na Capela Sistina, inicia o processo de escolha de um novo Papa. É evidente que existe a suspeita de que o Papa, que acaba de ser enterrado, poderia ter sido envenenado. Pois, Brown não deixa por menos.
Mas tudo isso não pode ser apurado porque a Igreja Católica, um campo obscuro, segundo Brown, não autoriza que se faça a autópsia do corpo do sumo sacerdote. O que o carmelengo, tornado chefe de estado do Vaticano, faz, com muita determinação, envolto por tricas e futricas dos cardeais e pelo atordoante burburinho na Praça de São Pedro, tomada por fiéis, é destruir o anel papal (também conhecido como Anel do Pescador), com o selo oficial.
Enquanto tudo isso acontece em Roma, chega à Universidade de Harvard, em Cambridge, Massachussetts, EUA, um emissário do Vaticano, inspetor Ernesto Olivetti (Pierfrancesco Favini), a fim contratar os serviços do professor Robert Langdom (Tom Hanks), personagem calcado em Indiana Jones, porém, bem menos desenvolto e convincente do que o seu modelo.
Langdom é conhecido como emérito estudioso de símbolos. E, por isso, ao que se supõe, poderá desvendar o mistério do roubo do tubo de antimateria – uma espécie de bomba-relógio -, pois, pelo que também se suspeita, tudo o que está ocorrendo no âmbito da Igreja é, nada mais, nada menos, que a vingança de uma organização secreta, Illuminati, com séculos de existência.
Essa organização, ao que se sabe, fora constituída, em 1776, por renomados cientistas e artistas, como Galileu e Bernini, os quais, na ocasião, entraram em sério conflito com a Igreja por se tornar, na opinião deles, uma força impeditiva ao avanço da ciência. Langdom, que conhece muito da história dos Illuminati, sabe ainda que, ao voltar ao Vaticano para tentar evitar a tragédia, encontrará resistência da parte do Comandante Richter (Stellan Skarsgard), da operosa Guarda Suíça, que defende o Vaticano, com unhas e dentes, desde a ocasião em que foi descoberto o Brasil.
Só que Langdom não sabe ainda é que, na sua peregrinação em busca de exóticos símbolos por alguns dos principais pontos turísticos de Roma, como o Panteão, o Castelo de Sant´Angelo e a Piazza Navona, terá de enfrentar, até mesmo nos subterrâneos de alguns monumentos, a figura cabalística do sr. Gray (Nikolaj Lie Kaas), o indivíduo de mão à arma, representante da organização criminosa.
O que há de interessante nessa nova aventura de Langdom é a linguagem criada por Howard para narrá-la, que difere, em ritmo e em composição de planos, tanto da desenvolvida para a primeira película da série, como da excelente de Frost/Nixon, que mereceu cinco indicações ao Oscar.
Além disso, Howard consegue extrair melhor resultado do elenco internacional que, dessa feita, soube reunir: o americano Tom Hanks, o escocês Evan McGregor, o italiano Pierfrancesco Favini, a israelense Ayelet Zurer, o dinamarquês Nikolj Lie Kaas, o sueco Stellan Skarsgard e o prussiano Armin Mueller-Stahl (Cardeal Strauss). O comentário musical de Hans Zimmer, com solo de violino de Joshua Bell, iniciado por um Canto Gregoriano, de introito composto por Morten Lauridsen, também colabora na criação de certo clima de suspense para a despropositada trama urdida por Brown.
REYNALDO DOMINGOS FERREIRA
FICHA TÉCNICA
ANJOS E DEMÔNIOS
ANGELS & DEMONS
EUA/2009
Duração – 140 minutos
Direção – Ron Howard
Roteiro – David Koepp e Akiva Goldsman, com base no livro Anjos e Demônios, de Dan Brown
Produção – Brian Grazer e John Calley
Fotografia – Salvatore Totino
Música – Hans Zimmer
Edição – Dan Hanley e Mike Hill
Elenco – Tom Hanks (Robert Langdom), Ewan McGregor (carmelengo Patrick McKenna), Pierfrancesco Favini (inspetor Ernesto Olivetti), Stellan Skarsgard ( Comandante Richter), Ayelet Zurer (Vittoria Vetra), Armin Mueller-Stahl (Cardeal Strauss), Nikolaj Lie Kaas (sr. Gray).