quinta-feira, novembro 21, 2024
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Crítica do filme Belair



Sem longas, cansativas e laudatórias entrevistas, como costuma acontecer nos documentários brasileiros, Belair, de Noa Bressane e Bruno Safadi, resgata, de maneira seca e objetiva, por meio de competente montagem de Rodrigo Lima, trechos de filmes experimentais, produzidos ao início da década de setenta, porém nunca divulgados, pelos cineastas Rogério Sganzerla e Júlio Bressane.

Trata-se, na verdade, de documento importante, a ser preservado, como se recomenda, para a história do nosso cinema. Entre outras qualidades, o filme induz a reflexão não só sobre questões da estética da linguagem cinematográfica, que então se procurava apurar entre nós, como da própria realidade brasileira, que, pelo menos no que diz respeito à criação artística, nos últimos quarenta anos, ao que parece, não mudou muito.

O trabalho conjunto dos dois cineastas – dos mais prestigiados na época – surgiu de uma conversa realizada às 3 horas da madrugada, no apartamento de Bressane, segundo ele relata, no Hotel Nacional, na Capital da República. Eles lá se hospedavam como participantes, em 1969, do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, criado então recentemente sob a égide – isso o documentário não menciona – do jornal O Estado de S. Paulo, um dos mentores também do regime militar, que se instalara, em 1964, no país, após a queda do governo de João Goulart.

O transgressor Sganzerla – também ex-crítico do jornal paulista – concorria aos prêmios do Festival com A Mulher de Todos, e Bressane, com O Anjo Nasceu. O primeiro, que percebeu logo identidade de linguagem nos dois filmes, propôs ao segundo a criação da Belair Filmes– o nome do carro Chevrolet Belair, símbolo da prosperidade americana e sonho de consumo de todo jovem da classe média brasileira da época -, produtora de películas de baixo custo, experimentais (igualmente chamados de marginais), uma empresa, que, logo iniciou suas atividades, mas nunca chegaria a ser legalmente criada.

E não chegou pelo fato de que teve curta duração, isto é, funcionou apenas no período de quatro meses, entre fevereiro e maio de 1970. Os sete filmes – A Família do Barulho; Carnaval na Lama; Barão Olavo: o Horrível; Copacabana, Mon Amour; Cuidado, Madame; Sem Essa Aranha e A Miss e o Dinossauro – que os cineastas nela realizaram, sob financiamento de Severiano Ribeiro Júnior, foram interditados e considerados subversivos pelo regime militar. Foi o general Silvio Frota, Comandante do I Exército, que fez chegar a alguém próximo de Bressane a advertência de que ele. Sganzerla e Helena Ignez, também sócia da empresa, estavam no índex dos órgãos de segurança.

De comum acordo com Severiano Ribeiro Júnior, os dois cineastas – e Helena Ignez, companheira de trinta anos de Sganzerla – partiram, em exílio, para Paris, onde finalizaram Copacabana Mon Amour e Sem Essa Aranha, pondo fim também ao trabalho conjunto que realizaram sob a chancela da Belair Filmes. Pelos trechos reconstituídos das películas – não restou quase nada de Carnaval na Lama e de Copacabana Mon Amour – observa-se, em termos de linguagem, que, ao contrário de boa parte dos cineastas do Cinema Novo, que se deixaram influenciar pelos teóricos do Cahiers Du Cinema (Godard, principalmente), os da Belair Filmes investiram no surrealismo, na trilha de Buñuel, e nos americanos Fuller, Welles e Hitchcock.

Sganzerla, já falecido, frisava, porém que uma linguagem autêntica para o nosso cinema deveria surgir, a seu ver, da transfiguração – é essa a palavra que usa – da música popular brasileira. Em vista disso, há muitas sequências musicais, com composições de Noel Rosa, de Adoniran Barbosa, de Moreira da Silva, de Cartola, e de Luiz Gonzaga, que participa da que é, sem dúvida, a mais vivaz. Ele deixa um casebre escuro, sombrio e vai, tocando a sanfona e cantando, em direção a um terreiro claro, alegre, onde pessoas – principalmente crianças – comem um churrasco. Em torno delas, Helena Ignez passeia até se posicionar ao lado de Gonzaga, em quem coloca, na cabeça, o chapéu de cangaceiro e, no pescoço, uma echarpe. Como intérpretes, além de Helena Ignez, aparecem: Grande Otelo – numa impagável declaração de amor a Greta Garbo -, Zé Bonitinho, Jorge Mautner, Júlio Bressane, José Mojica Marins, Maria Gladys e outros, muitos outros.
REYNALDO DOMINGOS FERREIRA
ROTEIRO, Brasília, Revista
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FICHA TÉCNICA
BELAIR
Brasil / 2009
Duração – 80 minutos
Direção – Noa Bressane e Bruno Safadi
Roteiro – Bruno Safadi, Noa Bressane e Rodrigo Lima
Produção – Bruno Safadi e Noa Bressane
Fotografia – Lula Carvalho e David Pacheco
Música – Belair Filmes
Edição – Rodrigo Lima
Elenco – Helena Ignez, Maria Gladys, Júlio Bressane, Grande Otelo, Zé Bonitinho, Jorge Mautner, José Mojica Marins e outros.

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Francisco das Chagas Leite Filho, repórter e analista político, nasceu em Sobral – Ceará, em 1947. Lá fez seus primeiros estudos e começou no jornalismo, através do rádio, aos 14 anos.
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