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Crítica do filme Corações Sujos

Estreado no Japão, de onde é a maioria do elenco, integrado por nomes famosos na cena internacional, “Corações Sujos”, de Vicente Amorim, é um thriller magistral brasileiro, de muita ação e suspense. O filme reconstitui, em estética exemplar, a trágica contenda entre colonos japoneses, cultivadores de algodão, no interior do Brasil, envolvendo a aceitação ou não da verdade histórica de que o Japão se rendeu aos países Aliados ao final da II Guerra Mundial. Na essência, a película trata do duro embate, como nos tempos gregos, entre a mentira e a verdade.
Com base em roteiro de David França Mendes, inspirado no livro homônimo de Fernando Morais, a obra de Vicente Amorim (“Um Homem Bom”) expõe as lembranças de Miyuki (Takako Tokwa), casada, na ocasião, com o fotógrafo Takahashi (Tsuyoshi Ihava), um dos iniciadores da organização terrorista Shindo Renmei, responsável pelos sangrentos acontecimentos ocorri dos na região de Tupã, Bastos e Lins, no Estado de São Paulo.
A linguagem de Amorim é, portanto, de ordem subjetiva. A imagem, gerada pela câmara de Rodrigo Monte, é quase sempre desfocada, nas tomadas externas, a indicar talvez os apagados tempos em que transcorreram os episódios. Tudo começa pela truculência de um policial brasileiro, sargento Garcia (André Frateschi), que invade a colônia, onde se verificava a insurgência de japoneses ante o noticiário, divulgado pela imprensa, de que o Japão se rendera aos inimigos: – Japão não se rende. Nunca se rendeu – afirma o coronel Watanabe (Eiji Okuda), líder do movimento.
Em sinal de protesto contra a ação policial, Watanabe manda hastear a bandeira do Japão, no que é prontamente impedido por Garcia, que a faz descerrar e, de posse dela, limpa as suas botas, aos berros: – Isto aqui é Brasil!…É Brasil. À noitinha, os colonos, armados e liderados por Watanabe, se dirigem à delegacia do lugarejo próximo (Bastos) à procura de Garcia. Querem matá-lo. Atônito, o subdelegado (Eduardo Moscovis) os reúne, em seu escritório, para ouvi-los. Por meio de um intérprete, Sasaki (Shun Sugala), único que fala o português, ele tenta convencê-los de que realmente o Japão perdera a guerra…
Mas é inútil. Watanabe e todos os demais presentes afirmam: – O Japão ganhou a guerra!…Diante da insistência deles que, enfurecidos, desejam matar o sargento Garcia, o subdelegado não tem alternativa senão mandar trancafiá-los na cadeia. Logo, porém, no dia seguinte, os colonos conseguem habeas-corpus e, sob o protesto da autoridade policial, deixam o cárcere. Tem início então a matança, no meio dos próprios colonos, de todos os julgados traidores (“corações sujos”). São eles os que, por algum modo, colaboraram com as forças policiais ou manifestaram, por gestos ou por palavras, dúvidas sobre a “vitória” do Japão na guerra.
Watanabe se dirige à casa de Takahashi a fim de fazê-lo consciente dos preceitos de vida de um samurai. Entrega-lhe a espada, ordenando-lhe que mate o primeiro traidor…É Sasaki, que contra sua vontade, servira de intérprete dos colonos junto ao subdelegado. Amigo e vizinho de Takahashi, Sasaki lhe cedera filha, a pequena Akemi (Celine Fukimoto), para ajudá-lo na comunicação com os seus clientes no estúdio fotográfico, já que ele nada sabe de português.
Há na narrativa de Amorim, além da reprodução realista do terrível conflito eclodido entre os colonos japoneses, a evidência também da tensão que existe, em termos de estética cinematográfica, entre a sensação e a percepção. A música, composta para filme – embora o nome do compositor não tenha ganhado, na ficha técnica, o merecido destaque – é o elemento mais ilustrativo desse tipo de tensão na medida em que os momentos mais dramáticos são adequadamente pontuados por exasperante duelo de acordes de violino. Tem, da mesma forma, essa função o som, no caso, representado pelo ruído das galinhas, que antecipa, para o espectador, a decisão a ser tomada por Miyuki – que as alimenta diariamente – em relação ao marido terrorista.
A ambientação, segundo o projeto do diretor de arte, Daniel Flaksman, fixa a ação dramática no tempo, bem de acordo com o realismo visado pela direção. De fato, entre outros elementos plásticos, a ruazinha que permeia os casebres dos colonos – característica da cena brasileira dos anos de 1940 – compõe, sob a combinação de luz e sombra da fotografia de Rodrigo Monte, o quadro exato para o tecido de intenções humanas em jogo.
São as interpretações, porém, dos atores principais – Takako Tokwa, personificando Miyuki , Touyoshi Ihava, no papel de Takahashi, e Eiji Okuda, como coronel Watanabe – que conferem ao trabalho de Amorim, como acredito, a melhor colocação em qualquer apreciação crítica. A primeira é uma das mais populares artistas do Japão, que está esplêndida em sua atuação. O segundo, de origem coreana, se tornou conhecido desde sua excepcional representação do barão Takeishi Nishi, em “Cartas de Iwo Jima” (2006), de Clint Eastwood. Como Takahashi, ele , sem dúvida, repete o feito. O grande mérito do terceiro, ator e diretor, bastante conceituado no Japão, é o de evitar que o coronel Watanabe se torne figura caricata, coisa fácil de acontecer com esse tipo de personagem. Os demais, tanto os japoneses como os brasileiros demonstram haver passado por muita e competente preparação técnica. André Frateschi, como sargento Garcia, é o melhor brasileiro em cena.
REYNALDO DOMINGOS FERREIRA
ROTEIRO,Brasilia, revista
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FICHA TÉCNICA
CORAÇÕES SUJOS
Brasil / 2011
Duração – 90 minutos
Direção – Vicente Amorim
Roteiro – David França Mendes, inspirado no livro “Corações Sujos”, de Fernando Morais
Produção – Gil Ribeiro, João Daniel Tikhomiroff, Michel Tikhomiroff
Fotografia – Rodrigo Monte
Edição – Diana Vasconcellos
Elenco – Tak(ako Tokwa (Miyushi), Touyoshi Ihava (Takahashi), Eiji Okuda (Watanabe), Sun Shugala (Sasaki), Celine Fukimoto (Akemi), Eduardo Moscovis (subdelegado), André Frateschi (Sargento Garcia).

leitefo
leitefo
Francisco das Chagas Leite Filho, repórter e analista político, nasceu em Sobral – Ceará, em 1947. Lá fez seus primeiros estudos e começou no jornalismo, através do rádio, aos 14 anos.
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