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Crítica do filme "Julie & Julia"

(Publicado originalmente em Sáb, 28 de Novembro de 2009 18:12)

O interesse de duas mulheres em divulgar, entre os americanos de classe média, em épocas diferentes, o gosto pela culinária francesa, a mais rica e variada do mundo, oferece tema à comédia romântica Julie & Julia, de Nora Ephron, que, a despeito de ter magníficas interpretações, principalmente as de Meryl Streep e de Amy Adams, não chega a ser, por diversas razões, uma película de pleno agrado e convencimento.

 O roteiro, também de Ephron, foi elaborado com base em dois livros de memórias, editados praticamente numa mesma ocasião: o de Julia Child e o de Julie Powell. A primeira, Julia (Meryl Streep), era uma professora interiorana, de Massachusetts, casada com um diplomata, Paul Child (Stanley Tucci), designado, na década de cinquenta, para servir como adido cultural junto à embaixada dos EUA em Paris. 

A segunda, Julie (Amy Adams), é uma frustrada funcionária pública, casada com Eric Powell (Chris Messina), editor de uma revista, que, nos dias atuais, vivendo num cubículo (quarto, sala e cozinha), em cima de uma pizzaria, no Queens (NY), resolve divulgar, num blog, suas experiências com as receitas culinárias, dadas por Child em seu livro Mastering the Art of French Cooking, de grande tiragem.

 Para mesclar as duas histórias, cujo espaçamento deve ser de mais de quarenta anos, Ephron conduz a narrativa pela maneira mais convencional possível, sem evitar o uso de clichês e  algumas indesejáveis quedas no ritmo. Inicia-a com a chegada a Paris do casal Child que, após se instalar num amplo apartamento, sai à procura de um restaurante, onde é servido aos dois, com o devido requinte, um linguado frito na manteiga.

 Julia, que é apaixonada pela cultura francesa, vai ao delírio, no dia seguinte, ao visitar uma feira da cidade. E decide que, para não ficar sem fazer nada, enquanto o marido trabalha na embaixada, ela deverá frequentar a famosa escola de culinária Le Cordon Bleu. Embora a diretora, Madame Brassart (Joan Juliette Bruck), advirta-a de que ela não tem o dom para ser um chef de cozinha, cujo curso de especialização é caro e ministrado só para homens, Julia não se intimida e enfrenta os colegas de igual para igual, mesmo nas tarefas mais difíceis.

 Nos tempos atuais, mais precisamente após o atentado ao World Trade Center, Julie, em seu acanhado apartamento, incentivada pelo marido, mas criticada, ao telefone, pela mãe, tenta conter, no caldeirão de água fervente, duas lagostas vivas para fazê-las, como é preciso, ao termidor. E, depois, experimenta preparar o boeuf bourguignon que, mais tarde, será servido a uma roda de amigos, com o acompanhamento do inapropriado, no caso, segundo os gourmets, vinho Bordeaux.

 O roteiro de Ephron peca, a meu ver, em não fazer a comparação, que me parece óbvia, entre os efeitos da política repressiva do senador McCarthy, que os Child enfrentaram na embaixada de Paris, e as restrições aos direitos civis impostas, nos dias atuais, aos cidadãos, como os Powell, pelo governo Bush à conta do terrorismo. Fica meio capenga nisso. E também nada revela sobre as atividades profissionais de Eric, que passa o tempo, como um boboca, a incensar a mulher, embrenhada nas dispendiosas aventuras culinárias até que, um dia, se cansa e vai embora. Mas depois, chamado por ela, sem uma justificativa, ele retorna, cordeirinho, cordeirinho, como anteriormente.

Além disso, a reconstituição de época em Paris, mesmo pontilhada por canções evocativas da boa trilha sonora de Alexandre Desplat, apresenta diversas falhas tanto pelo tom da fotografia de Stephen Goldblatt na cena, por exemplo, que acontece à frente da livraria Shakespeare & Co.,  como pelos ângulos em  que são focalizados alguns dos pontos turísticos da capital francesa, que assumiram, ao que me parece, característica um tanto quanto diversa ao longo do tempo em que transcorre a ação.

 A interpretação de Meryl Streep, porém, faz com que todos os senões do filme sejam relegados. A sutileza com que a atriz recria a personagem – uma caipira sulista, esnobe, de voz estridente, insuportável, que sabe que, com o dinheiro, tudo se compra – é simplesmente notável. Streep domina a cena e demonstra seu prestígio ao ter, ao seu lado, dois atores que, com ela,  recentemente atuaram: Stanley Tucci, o estilista gay de O Diabo Veste Prada, e Amy  Adams, a meiga irmã James, de Dúvida, que lhe deu o Oscar de Melhor de Atriz Coadjuvante. Os dois, como sempre, estão perfeitos. E se Chris Messina não se destaca tanto é por causa da personagem que lhe deram. Porque talento e preparo técnico é evidente que ele tem.
REYNALDO DOMINGOS FERREIRA
FICHA TÉCNICA

JULIE & JULIA
EUA/2009
Duração – 123 minutos
Direção – Nora Ephron
Roteiro – Nora Ephron
Produção – John Bernard, Dianne Dreyer, Nora Ephron e Amy Robinson
Fotografia – Stephen Goldblatt
Trilha Sonora – Alexandre Desplat
Edição – Richard Marks
Elenco – Meryl Streep (Julia Child), Amy Adams (Julie Powell), Stanley Tucci ( Paul Child), Chris Messina (Eric Powell), Joan Juliet Buck (Madame Bressart)

leitefo
leitefo
Francisco das Chagas Leite Filho, repórter e analista político, nasceu em Sobral – Ceará, em 1947. Lá fez seus primeiros estudos e começou no jornalismo, através do rádio, aos 14 anos.
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