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Crítica do filme Os homens que não amavam as mulheres

Por Reynaldo Domingos Ferreira

A questão da identidade dos protagonistas é o que mais instiga e ganha realce na excelente adaptação para o cinema, feita pelo dinamarquês Niels Arden Oplev, de Os Homens Que Não Amavam As Mulheres, primeiro volume da trilogia Millennium, do jornalista sueco Stieg Larsson, que morreu de ataque cardíaco, em 2004, aos cinquenta anos, logo após entregar os originais de sua obra ao editor.
De fato, o roteiro, de Rasmus Heisterberg e Nikolaj Arcel, ao mesmo tempo em que sintetiza bem a trama – de influência em parte absorvida, ao que se supõe, do Blow Up, de Cortázar / Antonioni -, trata o jornalista Mikael Blomkvist (Michael Nykvist) e a hacker Lisbeth Salander (Noomi Rapace) como se fossem, na ficção, o alter ego projetado de Larsson. Por sinal, é essa a exata compreensão que se tem também pela leitura do best seller, um caudaloso romance de suspense.

Larsson foi um sério jornalista de esquerda – ave raríssima hoje em dia aqui e acolá -, respeitado por haver investigado temas sensíveis, que envolviam alguns elementos perigosos da extrema direita sueca. A personagem que ele criou, para se perpetuar, é Blomkvist, que peca mais no livro – ou pouco convence – do que no filme, por ser extremamente certinho, positivo, sem qualquer mácula de ordem profissional a não ser a condenação a três meses de cadeia por difamação contra o industrial Hans-Erik Wennerström.

Lisbeth Salander, por sua vez, é o oposto de Blomkvist, mesmo no aspecto visual, já que se mostra como uma jovem pálida, de magreza anoréxica, com cabelos quase raspados, piercings no nariz e nas sobrancelhas e tatuagens no pescoço e ao redor do bíceps do braço esquerdo. Para obter a informação de que precisa, ela, de origem pouco esclarecida, não tem qualquer escrúpulo, pois, na sua condição de bissexual, não titubeia em seduzir seja quem for. O único compromisso que tem é, como não poderia deixar de ser, com a preservação de suas fontes.
Salander reuniria, portanto, as qualidades e os defeitos específicos para, no mundo atual, de tantas e complexas teias e tramoias, lutar pela busca da informação verdadeira, segundo o entendimento de Blomkvist, que não é outro senão o de Larsson. Poder-se-ia dizer, a propósito, que ela, com sua máscara, personifica o lado feminino dos dois, os quais assumem sua identidade para alçar voo, assim como uma personagem da história, que, para fugir à violência doméstica, falsifica o passaporte de uma prima, morta em Londres, a fim de se isolar na Austrália.
Diante dessa evidência de que o modo de se exercer o jornalismo é o segundo tema importante da película – o primeiro é a violência contra as mulheres, que tem índices assustadores num país evoluído como a Suécia -, é corretíssima a linguagem sóbria que Oplev imprimiu à sua narrativa. Por uma eficiente composição de planos e justaposição de imagens, ele desenha cenas violentas, mas evita repetir a prolixidade da obra de Larsson, repleta também de indesejáveis enxertos de merchandise, como é bom que se observe. Assim, sem qualquer rebusco formal, Oplev envolve, gradativamente, o espectador na trama da maneira mais satisfatória possível.

Além disso, ele se esmera em criar oportunidades para que os atores explorem ao máximo seus respectivos papéis. E quem mais brilha é Noomi Rapace, que recria Lisbeth Salander tal como sua imagem se fixa na mente de quem lê a obra literária. É difícil imaginar que, numa segunda versão, a qual já se prepara nos EUA, outra atriz faça melhor o papel que ela. Rapace não só compõe com requinte técnico a personagem, como lhe insufla um poder de persuasão próprio que transcende os limites da película. O ator Michael Nykvist, como Mikael Blomkvist, segue à risca as orientações de Oplev, que apagou na personagem a pinta de inveterado conquistador de mulheres, como é no livro. Ao contrário, Nykvist dá a Blomkvist até certo ar de timidez. Nada há, pois, de envolvimento dele com outras senão com Salander. Os demais intérpretes apresentam também composições de muito bom nível.

REYNALDO DOMINGOS FERREIRA

ROTEIRO, Brasília, Revista

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FICHA TÉCNICA

OS HOMENS QUE NÃO AMAVAM AS MULHERES

MÄN SOM HATAR KVINNOR

Suécia, Alemanha, Dinamarca /2009

Duração – 153 minutos

Direção – Niels Arden Oplev

Roteiro – Rasmus Heisterberg e Nikolaj Arcel com base no livro Os Homens Que Não Amavam As Mulheres, Vol. I, da trilogia Millenium, de Stieg Larsson

Produção – Soren Staermosen

Fotografia – Jens Fischer, Eric Kress

Música – Jacob Groth

Elenco – Michael Nykvist (Mikael Blomkvist), Noomi Rapace (Lisbeth Salander), Peter Haber (Martin Vanger), Lena Endre (Erika Berger), Sven-Bertil Taube (Henrik Vanger), Marika Lagercrantz (Cecília Vanger), Bjorn Granath (Gustaf Morell), Peter Andersson (Nils Bjurman), Ewa Fröling (Harriet Vanger).

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Francisco das Chagas Leite Filho, repórter e analista político, nasceu em Sobral – Ceará, em 1947. Lá fez seus primeiros estudos e começou no jornalismo, através do rádio, aos 14 anos.
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