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Crítica do filme "Vício frenético"

(Publicado originalmente em Ter, 26 de Janeiro de 2010 11:26)

Por Reynaldo Domingos Ferreira

Pela história de um policial que se entrega vorazmente ao consumo de droga e se de corrompe após prestar ajuda a um prisioneiro, ameaçado ser tragado pelas águas na Nova Orleans, devastada pelo furacão Katrina, Werner Herzog traça, em Vício Frenético, um quadro pessimista, de cores fortes, sobre o sentido da solidariedade humana.

Mais que isso, o famoso cineasta de O Enigma de Kaspar Hause faz uma radiografia contundente da sociedade americana ao tirar ilações da situação em que se encontra a cidade, berço do jazz, sem ordem e sem lei, dominada por traficantes de drogas, que eliminam impiedosamente os imigrantes sem documentos, desejosos de abocanhar fatias de seu precioso mercado.

A película é um remake de outra, The Bad Lieutnant, dirigida por Abel Ferrara  (1992), em que se destacava a brilhante interpretação de Harvey Kitel no papel de Terence McDonaugh, agora confiado a Nicolas Cage, que tira proveito da linguagem corporal para expressar, na medida certa, a decadência física e moral da personagem.

McDonaugh, no roteiro agora reescrito por William Finkelstein, é um policial, empenhado em sua função. Ele não titubeia, apesar da advertência do companheiro Stevie Pruit ( Val Kilmer), em se lançar às águas que inundaram a cidade após o furacão,  infestadas de serpentes, para salvar um prisioneiro, esquecido pela equipe de resgate. Esse seu ato, se lhe custou danificar uma cueca importada e uma lesão na espinha, que o obrigaria a tomar medicamento controlado por toda a vida, também lhe valeu uma promoção, com o recebimento de medalha e das honras devidas.

A partir de então, o protagonista se vicia em heroína, que consegue, para ele, e para a amante, Frankie Donnenfeld (Eva Mendes), subtraindo-a do estoque apreendido pelos policiais. Além disso, contrai dívidas em apostas de jogos e, não tendo como pagá-las, envolve-se com meliantes e, sob efeito da droga, estupra namoradas de jovens traficantes à sua vista, além de tentar  subornar colegas para resolver problemas pendentes de trânsito de seus credores.

Detalhista, Herzog – mestre em criar situações inusitadas, mas trabalhando antes  apenas em argumentos próprios – vai expondo uma série de ilegalidades perpetradas por Mcdonaugh, as quais, entretanto, estranhamente, vão passando em branco pela corporação a que pertence que, ao contrário do que dela se espera, chega mesmo a lh e outorgar outra promoção.

Esse é o ponto falho do roteiro de Finkelstein, baseado no de Zoë Lund e Abel Ferrara que, para isso, força passividade inexplicável na caracterização do perfil dos colegas de McDonaugh, muitos do quais não têm o que fazer, enquanto ele comete as maiores barbaridades. O espectador, por sua vez, fica na expectativa de que McDonaugh seja, em algum momento, apanhado em flagrante e punido, como deve. Mas nada, entretanto, nesse sentido, acontece. Até parece que Nova Orleans é aqui, ou melhor, se incorporou, de repente, ao território brasileiro, onde Herzog rodou Fitzcarraldo.

Apesar disso, o cineasta alemão consegue extrair bons efeitos de algumas composições de planos e criar ambientação adequada para desenvolver a história, que ganha conotação de thriller graças ao comentário musical da inspiradíssima trilha sonora de Mark Isham, constituída de peças de jazz, executadas em solos de sax e de gaita. Mais que tudo, porém, o envolvente desempenho de Nicolas Cage, com já foi  dito, é o trunfo do filme, que tem ainda bons atores, embora com suas participações um tanto inexpressivas à causa do roteiro, como Val Kilmer, Eva Mendes e Jennifer Coolidge.
REYNALDO DOMINGOS FERREIRA

FICHA TÉCNICA
VÍCIO FRENÉTICO
BAD LIEUTENANT
EUA(2009)
Duração – 121 minutos
Direção – Werner Herzog
Roteiro – William Finkelstein, baseado no de Zoë Lund e Abel Ferrara
Produção – Stephen Belafonte, Nicolas Cage, Alan Polski
Fotografia – Peter Zeitlinger
Música Original – Mark Isham
Edição – Joe Bini
Elenco – Nicolas Cage (Terence McDonaugh), Val Kilmer (Stevie Pruit), Eva Mendes ( Frankie Donnenfeld), Fairuza Balk (Heidi), Jennifer Coolidge (Genevieve), Michael Shannon (Mundt), Denzel Whitaker (Daryl)

leitefo
leitefo
Francisco das Chagas Leite Filho, repórter e analista político, nasceu em Sobral – Ceará, em 1947. Lá fez seus primeiros estudos e começou no jornalismo, através do rádio, aos 14 anos.
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