A Europa se apavora com o agravamento da crise na Grécia. Imaginem que The Economist, a revista inglesa, hoje mais norte-americana que inglesa – ela expressa a essência do neoliberalismo da Europa – , está pedindo a restruturação da dívida em 80%, para, logo em seguida, justificar, que, mesmo uma redução para 50% não seria caótica e os bancos poderiam aguentar. Ora isso é o calote, ainda que ordenado, como quer a Economist. Aliás, foi o que Getúlio Vargas fez com os credores, quando assumiu o governo, no bojo da revolução de 1930.
A argumentação consta da última edição da revista que saiu ontem, quinta-feira, 23/0/11, e antecipada em seu site htpp://economist.com. Nela, a revista revela o temor de que a Grécia possa apelar para a moratória, desconsiderar seus débitos, abandonar o euro, trazer de volta o dracma (da mesma forma que a Inglaterra deixou o padrão ouro em 1931, ou calote da Argentina, em 2001).
Na verdade, o calote da Argentina, em 2001, depois da queda cinco presidentes da república, pegou os banqueiros e todas as finanças internacionais de calça curta. Logo depois veio o default da Rússia, naquela época de efeito dominó, em que as crises iam contagiando não mais países, mas continentes. A Argentina, como se sabe, era o enfant gâté do FMI, fazia tudo de acordo com a sua cartilha, porque seus leões-de-chácara – Carlos Menem, Domingos Cavallo, Fernando De La Rua -estavam no governo para garantir. Privatizaram tudo, até as ruas, diziam na época.
Só que o país foi a um ponto, que não podia mais se firmar nas pernas. Chegou a seqestrar a poupança, a conta corrente e instaurou o corralito, um empréstimo forçado tomado aos cidadãos, para ser pago com dez anos de carência. Com o cofre raspado, o governo de Fernando de La Rua foi derrubado pela multidão que tomou as ruas, literalmente. Assumiu Rodriguez de Sá, o breve, que só passou cinco dias no cargo, mas o suficiente para declarar a moratória. Não se pagou mais nada na Argentina. O país entrou em parafuso.
Só em 2005, quando Néstor Kirchner assumiu a Casa Rosada, ele quis botar um fim à paradeira e à recessão que consumia a imponente nação platina. Não dava mais para sustentar aquela barra: a pobreza cresceu de 38,3% em 2001 para 44,3% em 2004 (57,5% em 2002 e 47,8% em 2003); a carteira de operações de crédito limitava-se, em relação ao PIB, a 10,26% em 2002, 7,49% em 2003 e 8,2% em 2004; o investimento estrangeiro foi negativo em US$ 0,29 bilhão em 2003 (US$ 2 bilhões em 2001 e US$ 1,4 bilhão em 2002.
Kirchner chamou os banqueiros e disse. Está bem, eu devo 102 bilhões de dólares, mas só pago 30 bilhões do que devo, e a gente zera tudo. Houve muita choradeira, ameaças de golpe, de assassinato, mas no fim, como é melhor perder os anéis que os dedos, houve um acordo pelo qual 80% dos banqueiros aderiram. O restante foi brigar nos foruns competentes. Mas a Argentina pôde respirar e Hugo Chávez ainda comprou 10 bilhões de títulos da dívida, o que permitiu o país a voltar a se desenvolver e ser esta potência que é hoje, com crescimento de 7% ano.
Mas voltando a Economiste e ao pavor europeu, a revista sustenta que a União Européia não pode continuar a insistir numa política equivocada, porque a população está protestando, os mercados nervosos, e a Grécia pode acabar fazendo como a Argentina.