FC Leite Filho
Me pergunto o que trataram Fidel Castro e Pepe Mujica, à parte a revelada preocupação com o vírus Zika, no recente encontro, em Havana. Os dois vetustos líderes, antigos guerrilheiros- Fidel a caminho de fechar os 90 anos de idade, em 13 de agosto, e Pepe, que já completou 80 – são ambos dotados de extraordinários acervos para a análise. Minha inquietação se justifica pelas arremetidas ao projeto popular de integração latino-americana, abalado pelas duas últimas eleições na Argentina e Venezuela, e a campanha insidiosa de desestabilização de Dilma Rousseff, no Brasil.
Certamente, nem um nem outro acredita que vivamos o fim de um ciclo, porque, homens de pé no chão e de respeitável discernimento, ainda que de estilos e óticas diferentes, acreditam na consistência das conquistas que cultivaram desde a juventude, mas que só puderam viabilizar-se-se, fora de Cuba, com o advento de Hugo Chávez, em 1999. Nada foi dito a respeito, mas é óbvio que Fidel, assim como Pepe, focaram sua troca de ideias na irrupção direitista na Argentina, que passando por cima da lei, do Congresso e do próprio presidente Maurício Macri, faz uma política de terra arrasada, esmagando o processo de inclusão social, como a proteção aos salários e pensões dos aposentados, a democratização do ensino e da saúde, e de defesa da economia, pacientemente construído nos 12 anos de governo de Néstor e Cristina Kirchner.
Macri, um líder fabricado nos mais sofisticados laboratórios de propaganda, não se peja em se esmerar no seu papel de mero joguete, o que ficou demonstrado desde a formação de seu ministério, antes da posse em 10 de dezembro. Ali, já se deixou dominar por ministros e superministros, na grande maioria CEOS de transnacionais como JP Morgan, Shell, IBM, Telecom Itália e chefes das chamadas patronais agrárias. Parece que recebe tudo pronto lá de cima e não dá a mínima para inteirar-se do que ocorre em seu redor. Pelo contrário, em um mês no cargo, já tirou férias de 10 dias e um “repouso médico” não especificado.
Na Venezuela, onde a liderança do presidente Nicolás Maduro e a orgânica militância construída pelo chavismo têm conseguido até aqui conter a nova maioria da direita no Parlamento, preparada que estava para assaltar os bens nacionais com o retorno da privataria e do domínio das multinacionais. Maduro já demonstrou não ter medo do que chama de “guerra econômica e midiática partir de Miami, Bogotá e Madri”, pois vem governando com relativa estabilidade, apesar da alta inflação e da escassez de produtos básicos, estes possíveis frutos do boicote econômico.
No Brasil, a presidenta Dilma Rousseff tem sobrevivido, desde que começou seu segundo governo, há um ano, à descarga de uma suja campanha de denúncias deflagrada a cada minuto pela mídia hegemônica. Tal campanha, que agora se concentra em desmoralizar o ex-presidente Lula da Silva, outro líder popular latino-americano, teria o mesmo objetivo de aplicar o capitalismo selvagem em terras brasileiras, talvez nos mesmo moldes dos tutores de Macri na Argentina.
Esses, seguramente, terão sido temas e objeto de consideração desses dois líderes, oficialmente aposentados, mas que seguem politicamente ativos e influentes. Por certo vão interferir, com seus conselhos ou assessoria no curso dos acontecimentos, assim, como a ex-presidenta Cristina Kirchner, que se prepara para voltar à cena política, neste mês de fevereiro, quando retorna a Buenos Aires, de um recolhimento espiritual em El Calafate, na Patagônia. Cristina foi também convidada, como Pepe Mujica, para se juntar a Lula e Dilma, no Encontro Nacional de Blogueiros, previsto para maio, em belo Horizonte. Fidel, que não mais pode viajar, continuará mexendo seus pauzinhos desde seu retiro numa praia de Havana.