quinta-feira, novembro 21, 2024
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Entenda as democracias que assediaram Evo Morales

Por FC Leite Filho

Autor de Quem Tem Medo de Hugo Chávez?

Um grande chanceler brasileiro dizia há mais de 50 anos: “Pior do que o colonialismo é a mente colonizada”. Passado todo esse tempo, ainda prevalece a noção de que tudo é perfeito na Europa e nos Estados Unidos, inclusive a lisura dos regime políticos,  a ponto de serem reputados como mães da democracia. O incidente de terça-feira, 2/07/13, com o avião do presidente Evo Morales da Bolívia, sugere quão equivocado é este conceito, insistentemente martelado em nossas mentes, desde que nascemos.

Depoimento de Evo na Unasul

Vejamos primeiro o que sucedeu com Evo. O avião do presidente, vindo de uma reunião em Moscou com o presidente Vladimir Putin e outros 14 chefes de Estado produtores de gás, com o plano de vôo previamente autorizado,  se aproximava da França. Ali recebeu a comunicação do veto  para sobrevoar o território francês no caminho das Ilhas Canárias, território Espanhol, onde faria escala para reabastecimento, na rota para La Paz. Soube-se que a ordem, depois seguida à risca pela Espanha, Itália e Portugal, havia partido da CIA, a central de espionagem dos Estados Unidos, que, como ficou demonstrado, manda e desmanda naquelas – podemos chamar? – republiquetas europeias. Mas estes países não têm soberania, é o caso de perguntar.

Veja também: Golpe no Egito e assédio a Evo Morales

A alegação, muito suspeita, por sinal, é de que o avião de Evo poderia estar carregando camuflado o ex-agente Edward Snowden, que revelou um megaesquema de espionagem dos Estados Unidos e da Inglaterra sobre as  ligações telefônicas internacionais e as redes sociais da internet. Snowden está refugiado no Aeroporto Cheremetyevo, de Moscou. Sua presença no avião de Evo Morales seria facilmente detectada pelos poderosos sistemas de radar e vigilância dos órgãos de segurança americanos.

Dessa maneira, a conclusão é de que a intenção real do assédio a Evo, como denunciou a maioria dos chefes de Estado latino-americanos, era de “dar uma lição” ao primeiro indígena a tornar-se presidente da República, que havia tido o topete de, na Rússia, considerar um pedido de asilo de Edward Snowden. Snowden, como é evidente, virou uma paranoia para o serviço secreto dos Estados Unidos, pois o ex-agente teria ainda muitos segredos a revelar do jogo sujo da tal superpotência.

Perigo de vida – O fato é que o presidente correu risco de vida, juntamente com toda sua equipe e tripulação do avião. Diante da proibição de sobrevoar a França, o piloto indaga: “O que fazer?”. Recebeu como resposta: “Volta pra Moscou”.  Já quase sem combustível, o piloto é obrigado a tomar uma decisão rápida para evitar a queda do avião: força a aterrissagem  no Aeroporto de Viena, o mais próximo. As autoridades austríacas vêem-se compelidas a autorizar o pouso, mas ao desembarcar, novo assédio: “O embaixador da Espanha na Áustria queria que eu o convidasse para um cafezinho para que revistasse o avião. É claro que eu não posso fazer isso. Todos temos nosso orgulho, nossa dignidade”, afirmou Morales, que permaneceu retido com o avião e a delegação boliviana durante quase 14 horas.

Pela lei internacional, o avião do presidente tem imunidade diplomática e por isso é inviolável, como se fosse a sede de uma embaixada. Mas as maezonas das democracias – Espanha, Itália, França e Portugal – não levaram nada disso em consideração. De seu Twitter, a presidenta da Argentina, Cristina Kirchner, alertava: “Definitivamente, estão todos loucos. Chefe de Estado e seu avião têm imunidade total. Não pode ser este grau de impunidade”, escreveu. Evo Morales ia mais a fundo: “É um pretexto para amedrontar, para intimidar, um pretexto para tentar calar a nossa luta contra as políticas econômicas de saque (…), de dominação e de intervenção”.

Este, porém, é só um episódio ilustrativo do espírito autocrático dessas democracias europeias. Há muitos outros que deixam às claras as derrapagens para o mandonismo. O cineasta espanhol Pedro Almodóvar, comentava outro dia, em entrevista à revista Veja (Edição 2.328): “Há uma imagem terrível dessa situação: numa sala para jornalistas, nosso primeiro ministro (Mariano Rajoy) aparece em uma tela de plasma, recita seu monólogo e não aborda nenhuma questão real nem permite que alguém faça pergunta. É como viver governado por um fantasma”, exemplificou.

Se se recordar como o Banco Central Europeu, ordenou os parlamentos italiano e grego, sem eleição direta, a substituir seus governantes por tecnocratas do próprio banco, se terá uma dimensão ainda mais real do autoritarismo europeu. Todos nós recordamos como  os tecnocratas Mário Monte foi designado premier da Itália, e Antonis Samara, da Grécia, foram empurrados goela abaixo por maiorias eventuais, sem qualquer consideração com os deputados pretendentes ao cargo e, o que é pior, sem consulta popular. E que tal falar da democracia desse Banco Central, que junto com o FMI e a Comissão Europeia, formando a sinistra troika, estabelecem seus arrochos fiscais sobre toda a Europa, produzindo índices obscenos de desemprego e desativação da economia. Quem quiser se enganar que se engane.

leitefo
leitefo
Francisco das Chagas Leite Filho, repórter e analista político, nasceu em Sobral – Ceará, em 1947. Lá fez seus primeiros estudos e começou no jornalismo, através do rádio, aos 14 anos.
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