Por Altamiro Borges, do
Instituto de Mídia Alternativa Barão de Itararé
Em artigo publicado neste domingo (26), a ombudsman da Folha, Paula Cesarino Costa, até fez um baita esforço para relativizar a crise vivida pelo jornal que a emprega. Mas, com base nos próprios dados apresentados no texto, fica evidente que a situação é dramática. Ao tratar dos correspondentes do diário no exterior, ela relata que “a rede murchou. Sucumbiu ante os altos custos em moeda forte e a evolução tecnológica que trouxe acesso instantâneo à notícia em qualquer lugar do mundo”.
Quase não há mais jornalistas em outros países. O mesmo quadro de cortes e até de falências é vivido pelo restante da imprensa tradicional – e não apenas da mídia impressa. A agonia do setor é crescente.
No seu relato, a ombudsman registra que, no passado, a Folha teve um forte time no exterior. “Paris, Londres, Roma, Berlim, Moscou, Nova York, Washington, Miami, Chicago, Jerusalém, Pequim, Buenos Aires e Tóquio. A exaustiva lista de cidades espalhadas por todo o mundo representava, em 1991, a rede de correspondentes internacionais da Folha… O jornal não possui hoje nenhum jornalista contratado baseado no continente europeu. Dispõe de apenas quatro correspondentes, sendo dois deles bolsistas: nos EUA (Washington e Nova York) e América Latina (Buenos Aires e Caracas). Usa extensa lista de colaboradores em várias cidades, com diferentes tipos de vínculo com o jornal”.
Ela destaca que “a crise não é só brasileira, nem só da Folha. Grandes jornais americanos reduziram à metade seus escritórios de trabalho no exterior”. E lamenta o triste cenário: “O olhar próprio em terra estrangeira dá força e originalidade ao relato jornalístico. Nada substitui a presença do profissional nos grandes (e pequenos) acontecimentos”. Ela dá como exemplo da perda de qualidade a “timidez jornalística” na cobertura do plebiscito no Reino Unido, que pode implodir a União Europeia. No final, Paula Cesarino até se esforça para convencer o leitor que, apesar da decadência, a Folha não perdeu a sua qualidade.
“A redação em São Paulo tem hoje vários ex-correspondentes. Isso enriquece o debate jornalístico, permite a realização de reportagens à distância, dá fôlego para textos de apoio”.
Agonia no mundo e no Brasil
O artigo da ombudsman da Folha é mais uma prova da agonia da mídia tradicional – principalmente dos meios impressos. Vale exemplificar com alguns casos mais recentes, Em maio passado, o jornal britânico “The New Day” anunciou o fim de sua edição diária. O motivo foi a queda nas vendas em bancas, o que tornou a publicação financeiramente insustentável.
“Embora tenha recebido críticas positivas e construído uma forte rede de seguidores no Facebook, a circulação do jornal ficou abaixo das nossas expectativas”, informou o Grupo Trinity Mirror. A mesma empresa vem sofrendo quedas de circulação em seus jornais regionais e no “Daily Mirror”, o tabloide que é seu principal título.
Dias antes, no final de abril, o “New York Times”, um dos símbolos da imprensa ocidental, anunciou o fechamento da sua sucursal e gráfica em Paris, com a dispensa de 70 profissionais. Segundo Sidney Ember, em texto postado no próprio diário, a decisão faz parte “da proposta para mudar o projeto do jornal internacional publicado pelo grupo em papel, e simplificar o processo de edição e produção, de acordo com memorando interno enviado ao pessoal do ‘International New York Times’.
A empresa concentrará as operações de edição e pré-produção gráfica em Nova York e Hong Kong”. E o autor conclui: “Como a maioria das publicações em papel, o ‘NYT’ continua a enfrentar dificuldades para compensar a perda de circulação e de faturamento publicitário de sua edição em papel”.
Já no Brasil, o caso mais recente da agonia na mídia impressa é bastante emblemático. Ocorreu com o “Jornal do Commercio”, o mais antigo diário do país – editado há 188 anos. Em 29 de abril, circulou a sua última edição. O motivo alegado pelo grupo Diários Associados foi o da brusca queda da receita em publicidade. Com o fim da edição em papel e da sua versão digital, 30 jornalistas foram demitidos. O restante da equipe foi “reaproveitada” na Rádio Tupi, que ainda pertence aos Diários Associados. Segundo o presidente do “Jornal do Commercio”, Mauricio Dinepi, o fim do jornal era inevitável: “Os anunciantes estão deixando com muita rapidez a mídia impressa e cada dia fica mais difícil”.
Crise terminal da Band?
Mas na era da internet e das novas formas de comunicação, como já teorizou o renomado intelectual Ignacio Ramonet no livro “A explosão do jornalismo – Das mídias de massa à massa de mídias”, não é apenas a mídia impressa que agoniza. Os impactos também são sentidos nas emissoras de rádio e televisão. No início de maio, uma auditoria concluiu que as operações da Grupo Bandeirantes – que controla a Band e outros canais de TV e rádio – correm sério risco de continuidade. Vale conferir a reportagem de Lígia Mesquita, do blog Outro Canal, sobre a decadência do império da famiglia Saad:
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Relatório da auditoria Ernst & Young em cima do balanço financeiro de 2015 do Grupo Bandeirantes diz que “há dúvida significativa quanto à capacidade de continuidade operacional da companhia”. O balanço foi publicado no jornal “Metro”. Segundo a auditoria, o Grupo Bandeirantes tem prejuízos acumulados consolidados na ordem de R$ 440 milhões (era de R$ 363 milhões em 2014, segundo valores da época). Um alto executivo da Band nega qualquer risco de continuidade da operação. O canal anunciou nesta semana que não exibirá o Campeonato Brasileiro por questões financeiras. Na quinta-feira (5 de maio), o Yahoo publicou que a Turner (grupo americano) estaria negociando a compra de 30% da Band. Procuradas, Turner e Band dizem não comentar especulações.
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No mesmo rumo, o jornalista Ricardo Feltrin postou no jornal “A Tarde”, de Salvador, uma longa matéria, intitulada “Band enfrenta pior crise e pode cair para quinto lugar no Ibope”. No texto, destrincha a decadência do grupo presidido por Johnny Saad. Segundo afirma, “a Band vive hoje seu pior momento desde que foi fundada nos anos 60 por João Jorge Saad (1919-1999). Endividada, quase sem nenhum programa relevante, a emissora agora sofreu um novo e duríssimo golpe: perdeu definitivamente a parceria com a Globo para co-transmissão do futebol brasileiro”.
“Nos últimos anos a Band, seja na média de audiência em território nacional, seja aqui em Salvador, sempre esteve na quarta posição, atrás de Globo, Record e SBT. A média de Ibope da Band das 7h à 0h hoje está em pouco mais de 2 pontos. Em parte, esse quarto lugar até agora vinha sendo mantido justamente graças ao futebol e, até pouco tempo atrás, ao programa Pânico. De repente, de uma só vez, tudo parece ter desabado: dívidas elevadíssimas em dólar começaram a vencer; os anunciantes começaram a escassear; os programas que antes eram arrimo de audiência, como o Pânico, entraram em crise de criatividade; e agora mais essa pancada: perdeu também o futebol”.
“Cerca de dois anos atrás, a Band até tentou reduzir seu estoque de dívida: vendeu antenas, transferiu ou arrendou concessões de rádio, e, principalmente, vendeu muito mais horários de sua grade para igrejas e outros produtores independentes. O problema é que, com essa estratégia, a emissora criou uma arapuca para si própria”. Com a venda do horário nobre para a igreja “Internacional da Graça”, a audiência despencou para quase zero e os anunciantes sumiram. “Mas isso ainda nem é o pior: o pior mesmo é que a emissora da família Saad vai ter de tomar alguma medida profunda e (muito) dolorosa para sair da crise financeira em que se meteu, e que soma quase meio bilhão de reais em dívidas”. O boata que circula é que a Band está bem próxima da falência!
Internet e crise de credibilidade
Como aponta o livro já citado de Romanet, vários são os fatores que explicam a brutal crise da mídia tradicional. Ignacio Ramonet, porém, destaca dois: o crescimento da internet, que reduz a tiragem e a audiência dos veículos e, como efeito, espanta os anunciantes; e a acelerada perda de credibilidade dos jornais, revistas e emissoras de rádio e televisão, cada vez mais partidarizados e manipuladores. A queda da receita em publicidade é uma tendência mundial. O governo brasileiro só percebeu tardiamente esta mudança de paradigma, aplicando de forma mais eficiente os seus recursos em publicidade oficial.
Um levantamento de Fernando Rodrigues, da Folha, revela que, em 2015, houve queda acentuada dos gastos publicitários em todos os meios, com exceção da internet. A redução dos recursos em televisão foi de 25%, nos jornais de 42,2%, nas rádios de 22,7% e nas revistas de 44,2%. Já a publicidade na internet cresceu 11,6%. “Com isso, a participação do meio digital nos investimentos totais alcançou 12,54% – o que representa um percentual muito inferior à média internacional. Nos Estados Unidos, por exemplo, o meio digital abocanha 31,6% dos investimentos totais e já se aproxima da televisão… No Brasil, a grande distorção ainda é a televisão, que recebe 65% dos investimentos, enquanto, nos EUA, a participação é de 37,9%. Meios impressos, lá como aqui, vêm perdendo participação no bolo total, em razão da migração dos leitores para plataformas digitais – sobretudo, os smartphones”.
Já a questão da perda de crebilidade foi confirmada por uma pesquisa recente realizada pelo instituto Ideia Inteligência. Ela não atinge apenas os meios impressos, como jornais e revistas. Afeta também duramente os telejornais. Segundo o levantamento, que ouviu 800 empresários, apenas 7,9% dizem confiar sempre no noticiário das emissoras de televisão. Outros 39,6% afirmam crer “muitas vezes”. A pesquisa restrita ao chamado “mundo corporativo” serve para orientar os anunciantes privados, o que reforça a tendência de queda na receita publicitária. Como se observa, a crise é grave!
Em tempo: É preciso enfatizar que nem todos perdem neste cenário de decadência da mídia privada. Os jornalistas são demitidos, arrochados e precarizados. A qualidade dos produtos – jornalísticos, culturais e de entretenimento – deteriora-se ainda mais. Mas os patrões seguem acumulando fortunas. Tanto que os três filhos de Roberto Marinho seguem no ranking da Forbes como os maiores ricaços do Brasil. Alguns serviçais destes impérios também não têm do que reclamar. Reportagem recente de Keila, do site R7, dá alguns exemplos das enormes distorções existentes na mídia comercial.
Ela cita Fausto Silva, da TV Globo, que recebe R$ 5 milhões por mês e “é o apresentador mais rico da televisão brasileira”; Galvão Bueno, “que recebe mensalmente algo perto dessa quantia na Globo”; Ana Maria Braga e Luciano Huck, “que com as participações em merchandisings recebem algo em torno de R$ 1 milhão mensais”; e Jô Soares e Angélica, “que têm salário na casa dos R$ 500 mil”. A maioria destes privilegiados aderiu as marchas golpistas contra a presidenta Dilma e adora posar de “indignados” com a situação do Brasil. Haja cinismo!