(Publicado originalmente em Seg, 15 de Dezembro de 2008 15:55)
Por Francis Maia (*)
Cheguei em Havana na segunda quinzena de janeiro, justamente um dia depois da eleição que confirmou Fidel Castro à frente do país. Imediatamente estranhei o cenário incomum de um período pós-eleitoral, sem propaganda e sem disputa. Os espaços públicos pertencem ao ideário da Revolução e é assim que os cubanos são orientados no seu cotidiano. Tanto o Granma, jornal oficial, quanto a televisão estatal traziam em destaque os resultados da eleição, especialmente o alto índice de participação dos cubanos.
Viciada em informação, uma vez que o jornalista vive da conexão de fatos e episódios, fiquei um pouco sem rumo nos primeiros dias, sem saber o que acontecia na ilha ou fora dela. Mas estava numa viagem de estudos e procurei me orientar como os cubanos, obedecendo os ritos da disciplina local e confiando cegamente na ordem pública.
O Instituto Cubano de Amizade entre os Povos (ICAP) foi o anfitrião do grupo de 300 latino-americanos que durante duas semanas ficaram alojados no acampamento Júlio José Mella (primeiro presidente do Partido Comunista Cubano, em 1929), localizado em Caimito, zona rural da província de Havana. Lá, realizamos trabalho voluntário na lavoura, entramos em contato com a população e conhecemos as principais cidades da ilha.
A população cubana está envelhecida e seu crescimento vegetativo é negativo. Mas aqueles que vivenciaram a violência da ditadura de Fulgêncio Batista não temem em afirmar que pegarão em armas para defender a Revolução. Eles dizem carinhosamente que Fidel trabalhou muito e sem descanso por todos e que é justo que agora ele possa descansar. Ouvi isso de muitas pessoas, tanto velhas quanto jovens. “Estamos preparados para o que vai acontecer”, disse um senhor dos seus 70 anos, vigia do local onde estávamos acampados. Nem alegre nem triste, apenas consciente do qu ê a realidade política pode gerar sem a presença do grande líder da revolução de 1959. Mais tarde, um funcionário do Partido Comunista Cubano confirmou essas informações: este é o momento mais difícil da Revolução, os cubanos terão que defender sua ideologia com Fidel ou sem Fidel, existem problemas graves em Cuba como prostituição, drogas, pequenos delitos, corrupção. Daqui para a frente, tudo vai depender dos próprios cubanos.
Tive a impressão, em determinado momento, que Fidel nem existia mais, tal o pragmatismo com que a sua ausência estava sendo tratada. Me pareceu que se tratava de uma ausência estrategicamente arquitetada. É o que está se confirmando agora, com a renúncia do Comandante. Creio que chefe ele sempre vai ser de todos os cubanos.
(*) Francis Maia é jornalista política no Rio Grande do Sul
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Quinze dias na Ilha
Os 300 brigadistas sulamericanos que durante 15 dias permaneceram no acampamento José Julio Mella, em Caimito, distante 30 km da capital, Havana, tiveram a oportunidade de conhecer o cotidiano do povo cubano dentro dos princípios da Revolucão que há 49 anos transformou a maior ilha caribenha no primeiro exemplo socialista do continente americano. Para o grupo de uruguaios, argentinos, chilenos, brasileiros, uma boliviana, duas suiças e cinco crianças, os contrastes de Cuba formam um mosaico histórico, político, social e cultural que se reflete no povo cubano. Amáveis e delicados, os cubanos expressam com orgulho a sua identidade, moldada na histórica luta guerrilheira comandada por Fidel Castro desde a Sierra Maestra, em 1959, consolidada na vitória da Baia dos Porcos, dois anos depois, que consagrou o caráter socialista da revolucão, tudo isso fortemente concretado pelo mais expressivo de todos os revolucionários cubanos, José Marti, o herói nacional que morreu lutando pela Cuba que Fidel, Che, Cienfuegos e os campesinos conseguiram reconquistar.
O período de férias e o verão na América do Sul, origem da XV Brigada, constrangeu um pouco o grupo que, ao chegar no Acampamento José Julio Mella, entrou em contato com a verdadeira face da vida cubana. Mella, primeiro presidente do Partido Comunista Cubano, em 1929, dá nome ao local onde anualmente centenas de brigadistas de todo o mundo aportam para entrar em contato com a Revolucão Cubana. Acostumados com as mensagens consumistas do capitalismo, os brigadistas foram surpreendidos – logo ao sair do aeroporto José Martí, em Havana – pelos imensos cartazes ao longo das rodovias exortando a Revolução Cubana, seus heróis e seus objetivos. Fidel Castro aparece com a imagem dos tempos de guerrilheiro, portando imensos óculos de aro negro, mantendo um diálogo permanente com os cubanos a respeito dos objetivos da luta vitoriosa, os valores, as idéias, o significado da Revolução. O ideário está esparramado em todas as áreas livres da ilha. No acampamento, logo na entrada, além do busto em homenagem a Mella, mensagens socialistas saúdam os visitantes e mostram com efeito vibrante o sentido da viagem ao mundo socialista. Não se trata de turismo, mas de profundo mergulho no sonho concretizado por Fidel e Che Guevara, maior referência histórica e emocional da maioria dos que se enfileiraram para participar desta Brigada.
Estranho para alguns, difícil de entender para outros, incompreensível para muitos, o local e uma espécie de quartel guerrilheiro, onde os hábitos e costumes dos revolucionários são repetidos diariamente, resguardadas as diferenças e o tempo que separa todos do grande éxito com as armas comandadas pelos “barbudos cubanos” no final da década de 50. Administrado pelo ICAP e orientado por um grupo de servidores especialmente preparados para atender os brigadistas, o acampamento segue regras rígidas para o cumprimento da programação, mas oferece uma rotina noturna tipicamente cubana, alegre e musical. As lindas noites de lua cheia da primeira semana da Brigada formaram o cenário perfeito para dançar rumba, beber rum e conhecer os companheiros latino-americanos. Esta época do ano é inverno em Cuba, mas chove pouco e o sol predominou nas duas semanas de atividades.
Os alojamentos, separados em dez prédios, abrigam oito pessoas em quatro beliches, pequenos armários e uma porta sem chave compõem o cenário do acampamento. O banheiro é coletivo em cada um dos prédios, a água é fria e disponível algumas horas durante o dia. O refeitório oferece café da manhã, almoço e jantar, numa dieta básica e muito simples, que garante alimentação também para os vegetarianos. Leite, iogurte, ovo, pão com manteiga, ricota ou presunto desmanchado, acompanhado de goiaba, laranja ou toronja, uma fruta cítrica mais forte que a laranja. No almoço e jantar, invariavelmente, congri, que vem a ser arroz e feijão cozidos juntos, carne de porco, mandioca e saladas de alface e tomate, resultado da horta plantada no local. Raramente se come carne bovina. Cuba dispõe apenas de vaca para a produção leiteira. Somente são abatidas as vacas velhas para consumo de turistas. Em Cuba, homicídio dá cadeia de pelo menos 15 anos, mas matar uma vaca leva o criminoso para mais de 20 anos atrás das grades. Na saída do refeitório, um solitário jacaré cercado de pequenas tartarugas dentro de uma minúscula piscina encerra com exotismo as refeições dos brigadistas.
Trabalho voluntário
A intensa programação da brigada alterna diariamente, durante a primeira semana, trabalho voluntário nas imediações do acampamento. Essencialmente voltada para a agricultura de subsistência, a ilha enfrenta forte limitações em função do bloqueio americano, que impede a maioria dos países de exportar produtos para os cubanos. Desde a década de 90, com o fim da União Soviética, se aprofundou a crise econômica cubana. Assim, produtos básicos da alimentação faltam na mesa dos cubanos, como leite em pó, leite condensado, farinha de trigo, queijos diversos, além de outras variedades alimentares que costumeiramente são disponíveis em outros países. Mas isso não intimida os cubanos, que exibem físico invejável e aspecto saudável. Exemplo mundial de medicina, a saúde é assunto de estado e os cuidados se refletem na aparência dos cubanos, que exibem constituição física exuberante nas 16 províncias que formam a ilha. Crianças e adultos saudáveis, sem o perfil do período pré-revolucionário, quando Cuba registrava índices elevados de mortalidade infantil e desnutrição, e também distante dos excessos do capitalismo, que quando não mata de desnutrição leva crianças e adultos para a obesidade. Em Guayabal, onde está situado o acampamento, os brigadistas cumpriram turnos de três horas diárias juntando pedras no meio da plantação, retirando ervas daninhas junto a plantação de feijão ou limpando a poda do laranjal, principal produto de exportação de Cuba. Para todos os lados, nesta província, se esparramam as plantações de laranja, que no inverno já foi realizada a colheita e agora preparam as laranjeiras para a próxima colheita. No intervalo do trabalho, laranja e goiaba para todos, único bem disponível que serve como lanche. Açúcar, café, fumo e cítricos formam a principal produção agrícola da ilha.
Os locais do trabalho voluntário são coordenados por dois responsáveis de cooperativas daquela plantação. São eles que indicam o trabalho a ser feito, corrigem as imperfeições e explicam detalhadamente a atividade. Nos intervalos, o responsável pelas equipes, sempre divididas por países, dá explicações históricas e políticas sobre o processo revolucionário cubano. Os 97 brasileiros foram acompanhados pelo professor de filosofia Leopoldo Valle, típico homem da Revolução, sério e profundo nas análises sobre o processo socialista cubano e inflexível na exposição das diferenças com o capitalismo.
Ao final de cinco dias de trabalho, o resultado foi divulgado pelo chefe de produção das cooperativas. O trabalho de 275 pessoas (nem todos os brigadistas cumpriram o trabalho voluntário) gerou em torno de 800 pesos cubanos. Além do auto-consumo, o cultivo agrícola vai para hospitais e para o estado. Em Caimito, tipicamente rural, existem diversas áreas de produção leiteira, agrupadas em grandes potreiros, todos pintados de branco, destaque apenas para o colorido das letras que refletem o espirito revolucionário. Os brigadistas, todas as manhãs, foram acordados pelo canto de um galo, o despertador dos campesinos. A gravação assustou a maioria dos jovens, muito urbanos e pouco relacionados com a vida rural.
Deslocamento precário mas garantido
O deslocamento é feito em ônibus que já pertenceram a italianos, franceses e chineses. São doações dos sindicatos de outros países, única forma encontrada por Fidel Castro, através da solidariedade, para garantir o transporte em Cuba. O sistema é precário, envelhecido e lento. Além da extrema dificuldade com o combustível, a frota cubana de transporte expõe de forma agressiva o resultado do bloqueio americano. Incansáveis, os cubanos não se curvam e fazem das limitações um reforço solidário. Carona em Cuba e comum, todos os carros páram ao longo da estrada para oferecer um espaço àquele que está na estrada e mesmo nas ruas e avenidas de Havana, a maior cidade do país, onde se concentram 2 milhões e 300 mil pessoas. Com baixíssimo nível de violência e criminalidade, o recurso é bem vindo diante da dificuldade para transportar tanta gente. Isso faz com que o tempo, em Cuba, tenha um ritmo diferente e muito lento. Desfilam coloridos e velhos cadilacs de todos os modelos e épocas, caminhões que remetem a II Guerra Mundial, motocicletas com espaço para carona, carros quebrados no meio da estrada ficam ali, abertos, esperando reparo. O transporte de passageiros na periferia de Havana é feito pelo chamado transbus, espécie de dois vagões presos por um cabo, que dá acesso para entrada pela parte traseira e leva todos sentados e em geral não dispõe de vidros. Na cidade, os camelos , mais modernos, são iguais aos que circulam em Porto Alegre e outras cidades brasileiras. As bicicletas se multiplicam por todos os lados, também velhas e muito usadas, mas úteis para qualquer tipo de deslocamento. É comum uma família cubana, pai, mãe e filho, todos na mesma bicicleta, sorridentes em direção ao seu destino.
No interior do país, o cavalo ainda é a melhor maneira de transporte. Desfilam pelas ruas pequenas carroças, com bancos dos dois lados e cobertas em cima, fazendo as vezes de um ônibus. Antigas carroças e pequenas charretes circulam com desenvoltura no trânsito das cidades cubanas, congestionado pelas bicicletas, cavalos e ônibus de turismo, tudo em ordem e segurança.
Havana é um mundo à parte. Lá, os táxis se apresentam desde o inusitado cocotaxi, que é conduzido por um motociclista e dispõe de dois lugares atrás, em formato de coco, pintado de verde e amarelo, permitindo a agradável sensação do vento caribenho batendo no rosto. É o delírio dos turistas. Carros comuns, administrados pelo estado, fazem o transporte de passageiros, assim como bicicletas com dois lugares, cavalos puxando pequenas charretes, antigos modelos de carruagens puxadas por cavalo, tudo é possível para suprir a deficiência imposta pelos americanos, que dá um tom romântico e exótico para a paisagem cubana, em qualquer parte do país. São os automóveis e o sistema de transporte que deixam Cuba três ou quatro décadas atrás no tempo. Em compensação, os cubanos estão à frente do mundo na postura digna, honrada e altiva que oferecem aos curiosos e incrédulos turistas que, atualmente, garantem a maior fonte de renda para o país.
Etica martiana
Para garantir a compreensão dos brigadistas, o trabalho voluntário foi alternado com palestras e discussões políticas sobre a realidade cubana. Come ç ou pelo herói nacional, José Martì, presenca constante do calendário histórico, político e educacional cubano. A conferência sobre a ética martiana ofereceu a oportunidade de entender a relação dos cubanos com este homem, que desde o final do século XIX lutou pela independência de Cuba. Nasceu ha 155 anos e disso os cubanos não esquecem. Dia 28 de janeiro, data natalícia, todas as ruas de Cuba são invadidas pelas tochas acessas, à noite, para lembrar que Marti lutou para iluminar o caminho de todos com suas idéias libertárias. Em Havana, meio milhão de pessoas quebraram a noite com as suas tochas, cantando hinos e lembrando as delicadas poesias do herói nacional. Um caminhão passa, ao final, jogando água para apagar as tochas. E, depois, no melhor estilo cubano, tudo termina em salsa e muita rumba pelas praças.
José Martí foi acima de tudo um educador. Vinte e sete volumes compõem a sua obra completa. Escreveu o Ouro Negro, para definir o valor e as qualidades intrínsecas do ser humano. Tinha o amor como sua maior inspiração e a Pátria, segundo ele, definia todo o sentido do ser humano. Justiça, dignidade, igualdade e soberania era o que perseguia o cubano que foi cônsul em Nova Iorque, durante um longo período de ex í lio em solo americano. Abriu mão dos cargos que ocupava e retornou para Cuba disposto a lutar e morrer pela Pátria, que desde a ocupação espanhola até a revolução de 1959 nunca deixou de ser explorada pelos estrangeiros. Marti escreveu um livro para crianças, A Idade de Ouro, que resume o sentido da educação que todos os cubanos recebem atualmente, modelo adotado pela revolução. Fidel, consolidado o triunfo da revolução, imediatamente determinou uma campanha de alfabetização em toda a ilha. Dos sete milhões de cubanos à época, pelo menos dois milhões eram analfabetos. Marti pregava a unidade latino-americana, “do Rio Bravo até a Patagonia, uma só América”, queria. Vem de Marti a inspiração para a formação do Partido Revolucionário Cubano, célula primeira da revolução vitoriosa. “As forças estão nas idéias e não nas pessoas” disse ele, forjando um dos fortes eixos revolucionários entre os cubanos. Os ensinamentos de Jose Marti estão disponíveis para os cubanos em dois dos quatro canais de televisão do estado. Um dos programas, Cercania, é direcionado para crianças, oferecendo todo o ideário martiano e sua ética, destacando a importância do trabalho na formação das pessoas. Dos diversos recursos utilizados, o desenho animado é um deles, gerando simples imagens sobre a relação de cordialidade e respeito entre as pessoas. Algo inimaginável no Brasil, onde as crianças têm nos cartoons americanos a sua maior fonte de inspiração diária à frente da televisão.
Uma das primeiras iniciativas da Revolução, a alfabetização foi disseminada em toda a ilha buscando derrubar o analfabetismo que mantinha o povo preso ao modelo colonialista e escravagista. Escola é prioridade máxima em Cuba, onde as crianças entram às 7h30 e ficam até ás 17h, com alimentação, higiene e noções de trabalho coletivo. Todos usam o mesmo modelo de uniforme em toda a ilha, o que reduz gastos familiares em casos de deslocamento. O mesmo acontece com as casas, que são feitas com material doado pelo estado e, em caso de mudança, o novo local é solicitado ao Ministério do Bem Estar Social e, quando disponível, o imóvel é encaminhado ao solicitante. Assim, nenhum criança sem escola e nenhum cubano sem casa.
Cinco heróis vivos
Cuba reverencia cada um dos seus heróis, vivos ou mortos. Em todos os lugares estão expostos os que caíram em combate pela Pátria. E cada um dos cubanos conhece profundamente os seus heróis, explica os seus feitos e as datas e locais dos acontecimentos. Atualmente, monopoliza a atenção dos cubanos a prisão em solo americano de cinco patriotas, que lá estavam para advertir autoridades daquele país a respeito de possíveis ataques terroristas contra a ilha. Surpreendidos pelo forte esquema que protege os anti-castristas em Miami, eles foram presos e há dez anos são subjugados em julgamentos questionáveis e pouco confiáveis, seus familiares são impedidos de visitá-los e estão separados em pontos distantes dos EUA, já condenados a penas de prisão perpétua e mais de 20 anos de cadeia. O governo cubano trava uma luta incansável pela libertação de Fernando, Antonio, Rene, Jamón e Gerardo. A partir de outubro de 1976, quando um avião cubano foi atingido por uma bomba e nele morreram 76 pessoas, diversos atos terroristas se sucederam em toda a ilha, atingindo especialmente os hotéis. Nos anos 90, com a queda do muro de Berlim e o fim da União Soviética, principal apoio estrangeiro de Fidel, a ilha passou a investir no turismo. Atos terroristas se tornaram uma constante, liderados pela máfia cubana radicada em Miami. Os explosivos chegaram a entrar em Cuba dentro de televisores, ação capitaneada pelas lanchas rápidas, pilotadas por mercenários que transportaram perigosos ingredientes explosivos, como o C4. os cães cubanos, no aeroporto, foram rigorosamente treinados para identificar esses explosivos. No Aeroporto José Marti, em Habana, chama a atenção a presença dos cães farejadores subindo pela bagagem, acompanhados de policiais. Num primeiro momento, parece a ação das polícias internacionais em busca de traficantes de drogas. Mas o que os cubanos procuram são explosivos. A embaixada suíça em Havana abriga o escritório que trata dos interesses americanos no ilha. O controle aéreo cubano faz varredura constante para identificar os Irmãos do Resgate, grupo de aviadores americanos que violam o espaço aéreo, ocupando a frequência aérea para provocar acidentes. O resgate de balseiros que tentavam sair da ilha também serviu para que os americanos avançassem 4 ou 5 milhas em águas cubanas, com a intenção de provocar o pânico. Em 1995, essas ações foram intensificadas. Em janeiro de 1995, foram realizados vôos baixos e lentos sobre Havana, aos sábados. Eram aviões de incursão ao norte da cidade. Cartas de navegação encontradas registram que os aviões americanos deveriam manter comunicação com Havana 10 minutos antes de entrar no espaço aéreo. Esse clima de terrorismo levou os cinco cubanos aos Estados Unidos, onde foram acusados de contra-espionagem e terrorismo. Embora sem provas, foram condenados pelos tribunais americanos, violando a lei que impede a realização de um julgamento sem garantias de imparcialidade. O primeiro julgamento foi em Miami, onde se concentra a comunidade cubana anti-castrista. Mobilização intensa no interior dos EUA e o pagamento de US$ 50 mil garantiu a publicação, ha quatro anos, no New York Times, de artigo a respeito da situação legal dos cubanos nas prisões americanas e pedindo sua imediata libertação. Manifestações foram realizadas na frente da Casa Branca, em Washington. Para os brigadistas, além da projeção de um filme que conta em detalhes a situação dos cubanos, familiares de cada um dos cinco estiveram no auditório do acampamento, conversando e expondo o drama que vivem ha dez anos. Mesmo separados e impossibilitados de receber seus familiares, em solo americano eles preservam os ensinamentos de José Martì e dão lições de dignidade e soberania. Escrevem cartas para os companheiros de prisão, três deles, que estiveram em brigadas na África, organizam os africanos, enquanto outros pintam quadros para aliviar o isolamento. Cinco advogados americanos lutam nos tribunais daquele pas para libertaá-los. Aos brigadistas latino-americanos, foi pedido que divulguem em seus países a situação dos cinco cubanos, quebrando o silencio imposto pela imprensa e buscando apoio de organismos internacionais. Eles ensinaram que é preciso quebrar o discurso norte-americano, que combate o terrorismo mas dá sustentação aos atos ilegais que ameaçam os cubanos.
Novelas brasileiras
Os prédios onde estão os alojamentos possuem um aparelho de televisão, sempre ligado. É possível acompanhar o noticiário e a programação cultural, educacional e esportiva. O noticiário é concentrado em Cuba, Venezuela, Bolívia e alguns países do Caribe, América Central e África. Comentaristas especializados abordam os temas, além de promover discussões com especialistas. Programas de caráter histórico predominam na programação. Mas o noticiário é restrito, não oferecendo o volume de informações a que os brasileiros estão acostumados. Da mesma forma o Granma e a Juventude Rebelde, órgãos oficiais do governo e do partido, têm pequenos espaços e trazem informações concentradas em temas políticos, com abordagens temáticas. Fidel Castro mantém seus artigos nas publicações, tendo destaque durante a brigada texto do Comandante sobre o presidente Lula. O Granma circula com apenas oito páginas e não é diário. As rádios cubanas têm mais informações, mas a programação é predominantemente musical. As novelas brasileiras fascinam os cubanos. Mulheres apaixonadas é a novela em exibição, mas em tempo limitado, são três vezes por semana, nas primeiras horas da manha. Todos acompanham e comentam as novelas brasileiras e são encantados com os artistas nacionais.
Guerrilheiro Heróico
Todos querem ser Che Guevara, mas não é fácil e os jovens brasileiros pouco sabem a respeito da disciplina e do mundo guevariano. São guiados pelo mito, apaixonados pelo heroísmo do argentino que se aventurou pela América Latina e foi parar no México, onde conheceu Fidel Castro e entrou definitivamente na história cubana. A dura disciplina guerrilheira era a mais intensa das leis para o revolucionário, que além de comandar com Camilo Cienfuegos a Coluna 4 e 8 da Sierra Maestra em direção a Santa Clara, no centro da ilha, abrindo caminho para o triunfo final de Fidel, adotou com retidão os preceitos guerrilheiros que exigiam uma conduta irreparável e uma disciplina rígida e incansável. Durante os 15 dias da Brigada, o ICAP montou um esquete fixo para acordar o pessoal. Primeiro o galo, demarcando a área rural, depois as músicas cubanas (Guantanamera à frente) e, por último, uma gravação da leitura da carta que Che Guevara deixou para Fidel Castro, quando saiu de Cuba para lutar pelo internacionalismo da revolução. A gravação é da leitura da carta por Fidel na praça da Revolução, em 1965, quando revelou aos cubanos que o Che não estava mais no país. O tom grave da voz de Fidel na carta histórica do Che, último adeus ao povo que o acolheu como um filho e herói, revela a intensidade da entrega do Guerilheiro Heróico à causa revolucionária. Antes de lavar o rosto, os brigadistas tinham primeiro que enxugar as lágrimas. Mais tarde, em Santa Clara, aos pés da gigantesca estátua de Che Guevara erguida para abrigá-lo depois que a Bolívia devolveu os restos mortais do revolucionário, os brigadistas puderam se ajoelhar e oferecer flores ao maior de todo os mitos jovens do mundo.
Jovens saudáveis
A visita ao museu na Praia Girón, na Baía dos Porcos, no centro sul de Cuba, distante 180 km de Havana, leva os brigadistas ao momento de consolidação socialista da revolução cubana, quando a resistência derrotou os 1.500 anticastristas patrocinados pelos americanos que desembarcaram na madrugada do dia 17 de abril de 1961 na Ciénaga de Zapata, uma árida região marcada pela miséria e analfabetismo. Em 72 horas, o Exército Rebelde imprimiu a primeira grande derrota ao imperialismo norte-americano na América Latina. Os 26 jovens combatentes mortos são lembrados com fotografia, identificação e objetos pessoais encontrados com eles. São os heróis de Girón. Para lembrar a data, o dia 16 de abril em Cuba é o Dia do Socialismo. Distante uns 40 km dali, Pálpite é uma pequena localidade onde vivem os filhos de antigos moradores da pobre região. Hoje, eles formam grupos artísticos e exibem com orgulho um dos mais nobres resultados da revolução cubana, a educação.
Através de um instituto cultural especialmente montado para essa região e direcionado para os jovens, eles recebem formação em pintura, canto, dança, escultura, fonte de expressão da arte e cultura cubanos. Para recepcionar os irmãos latino-americanos, os jovens de Pálpite invadiram a tarde domingueira com suas vozes divinas, impondo o profissionalismo de sua formação clássica e evidenciando com segurança o conhecimento adquirido para apresentar um espetáculo digno dos melhores palcos do mundo. Ali, no sol caribenho, cantaram e dançaram as poesias de José Martí, o orgulho da independência cubana, a força do nacionalismo, a certeza do braço firme de Fidel, transmutando em menos de uma hora todo o sentimento de amor e irmandade com os latino-americanos. Os saudáveis jovens cubanos, lindos e sorridentes, ecoam com sua voz perfeita nos corações dos brigadistas brasileiros.
A Brigada se encerrou dia 4, no Aeroporto José Martí, em Havana. Leopoldo Valle nos despediu de Cuba com sua postura séria e inflexível, nos deixando retornar diferentes e inferiores, com a certeza de que as limitações impostas pelo capitalismo reforçaram o socialismo cubano, que oferece dignidade e soberania às crianças e jovens, que vivem num mundo melhor e mais humano.
Jornalista Francis Maia
Reg. Prof. 5.130
Dia 08/02/2008