As razões do desalento
Por Mino Carta (Carta Capital)
Desta vez falo de cinema, a chamada Sétima Arte, da qual nunca fui crítico na acepção profissional, embora como repórter, nos meus anos verdes, tenha sido enviado a festivais europeus. Cinéfilo ardoroso eu fui até duas décadas atrás, hoje vou raramente ao cinema e me agrada rever no vídeo velhos filmes para revisitar o passado. Há duas semanas assisti da minha poltrona preferida uma obra-prima de Pietro Germi,Seduzida e Abandonada.
Falarei de dois filmes em cartaz, Caçadores de Obras-Primas(estas são de artes plásticas) e A Grande Beleza. Registro, de saída, o confronto entre duas maneiras de fazer cinema, mas não é minha questão principal. São outras as diferenças que mais me interessam. O primeiro é um filme do passado, o outro do presente. E lá vou a partir daí.
O passado de Caçadores de Obras-Primas não está somente no enredo. De fato, é mais um filme de guerra americano da década de 40, embora filmado hoje em dia. Fala de heróis em uma época, a atual, ausente de heróis. E os heróis ali contados são óbvios, na sua previsibilidade e no seu pieguismo. A história é bonita, antiga, porém, e contada à moda antiga. Permito-me dois ses. Se a intenção de George Clooney, diretor e protagonista, era produzir um filme de propaganda de 60 e mais anos atrás, ele se saiu à perfeição. Se os irmãos Coen se dispusessem a figurar na plateia, creio que sorririam com indulgência na hipótese mais favorável a Clooney.
A Grande Beleza, de Paolo Sorrentino, anda pela vertente oposta, refere-se aos sonhos desfeitos e às ilusões perdidas. Ecoa Oito e Meio, e, sobretudo, A Doce Vida de Fellini, mas não é simplesmente um filme sobre a Itália, e sim encara o mundo e a decadência de uma civilização. Entre Fellini e Sorrentino ocorreram eventos fatais, como costuma acontecer quando os fatos envolvem a humanidade em peso. Desde a queda do Muro de Berlim, a precipitar a crise ideológica, até o vertiginoso avanço tecnológico, a separar cada vez mais um indivíduo do outro.
Trata-se da progressiva imbecilização global ao sabor da massificação, que aplastra o homem e obnubila sua consciência. Da afirmação da virtualidade contra a realidade nua e crua. Do triunfo do neoliberalismo para enriquecer pouquíssimos e empobrecer o resto até a miséria absoluta de tantos. Da sujeição às modas contingentes ao talante de quem as dita e da inexorável demolição dos valores éticos e estéticos. Da vitória do materialismo, sustentado pela força do dinheiro e do poder pelo poder.
Sorrentino denuncia a cretinização com mão impiedosa. Se o assunto é a dita arte contemporânea, usa as mãos de uma Pollock ainda criança: para a plateia em delírio que se crê burguesa, sobre telas imensas a menina espalma cores ao acaso. Há, contudo, chamados mais contundentes, para trazer à ribalta antigos frequentadores de crenças consideradas vermelhas, condenados agora à constrangedora exposição do modismo oportunista de outrora. O cardeal haveria de ter sido excelente chef, o marketing contempla até a versão alucinante de Madre Teresa de Calcutá.
Quem teve a esperança de atingir a grande beleza refugia-se, nesta derrocada geral, em algo mais que um salutar ceticismo: no próprio cinismo. Quem pertence à categoria de quantos nos anos 40 se aborreceriam com filmes de guerra americanos, perdeu-se pelo caminho juntamente com as expectativas frustradas. E a alma boa, ainda capaz de despertar o amor, quem sabe derradeira praia do homem no ocaso da tragédia previamente escrita, é a strip-teaser, já alcançada pela doença irreparável.
Neste mundo em declínio, até o amor, entendido como o sentiram os poetas da grande beleza, fica como memória embaçada, ligada a uma juventude irrepetível. De minha parte, esclareço que, se o ceticismo é recomendável, o cinismo é compreensível. Tenho certeza de que o cínico de Sorrentino sabia por que não gostava dos filmes de guerra americanos da década de 40. E ainda sabe, assim como sabe que, conforme os gregos, ética e estética têm o mesmo significado.