- Transcrito do Jornal GGN
- Do Miami Herald
O ex-ministro da Suprema Corte brasileira escondeu o preço que pagou por um condomínio em Miami
Por Nicholas Nehamas e André Shalders
Traduzido por Luiz de Queiroz do Jornal GGN
– Registros de propriedade sugerem que Joaquim Barbosa não pagou nada por um apartamento no condomínio Icon Brickell
– O popular jurista brasileiro deixou de pagar um imposto exigido na venda
– Detalhes da transação foram revelados nos “Papéis do Panamá”, um vazamento maciço de arquivos secretos de companhias offshore
Corporações offshore têm um objetivo principal: criar anonimato. Documentos vazados recentemente revelam que algumas dessas companhias, envoltas em sigilo, fornecem cobertura para ditadores, políticos e sonegadores de impostos. Sohail Al-Jamea e Ali Rizvi -McClatchy
Quando os veículos de mídia brasileiros descobriram que o presidente do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa havia comprado um apartamento no Brickell, em 2012, eles perguntaram ao respeitado jurista quanto ele tinha pagado pelo imóvel.
Barbosa se recusou a responder.
O problema? Na Flórida, informações sobre vendas de imóveis são públicas.
Mas não para Barbosa.
Os registros de propriedade do condado de Miami-Dade pareciam sugerir que o senhor de 61 anos não pagou absolutamente nada por seu apartamento de um quarto no condomínio Icon Brickell, um dos prédios mais conhecidos do bairro da moda de Miami.
Os registros de propriedades do condado de Miami-Dade sugerem que Joaquim Barbosa, ex-presidente da Suprema Corte brasileira, não pagou nada por um apartamento no condomínio Icon Brickell. Robin Hill / Grupo relacionado
Impostos incidentes precisam ser pagos em operações de compra e venda de imóveis. Em Miami-Dade, o preço dos impostos é de 60 centavos para cada US$ 100 pagos pela propriedade. Os preços de venda não são listados nas escrituras, mas podem ser calculados a partir dos impostos.
Na escritura da unidade de Barbosa não consta nenhum imposto. (Mesmo quando alguém doa a propriedade para um membro da família, o pagamento de um imposto nominal é obrigatório).
Mas acontece que Barbosa não conseguiu o apartamento de graça. O vendedor da unidade enviou ao Miami Herald um contrato mostrando que o juiz pagou US$ 335 mil em dinheiro. O imposto devido nessa transação equivaleria a cerca de US$ 2 mil.
Os três advogados do setor imobiliário ouvidos pelo Miami Herald não conseguiram ver uma razão por que Barbosa não devesse pagar o imposto.
“Essa é uma escritura muito pouco usual”, disse Joe Hernandez, da empresa Weiss Serota, do sul da Flórida.
Não está claro por que a Receita Estadual não sinalizou a falta de pagamento e estabeleceu uma multa. Um porta-voz disse que o departamento não podia fazer comentários sobre casos individuais.
Detalhes da compra de Barbosa vieram à tona depois de um vazamento maciço de documentos internos da firma de direito panamenha Mossack Fonseca. O vazamento foi apelidado de “Papéis do Panamá”.
A Mossack Fonseca monta empresas offshore para as pessoas mais ricas do mundo. Quatro dos seus funcionários foram acusados de participar de um escândalo de corrupção envolvendo fraudes na estatal de petróleo brasileira. Os promotores alegam que a firma montou empresas offshore para ajudar políticos a lavar dinheiro de propina. A Mossack Fonseca nega qualquer infração e diz que o escritório no Brasil é uma franquia independente.
Barbosa nunca foi acusado de corrupção. Primeiro juiz negro a ocupar a Suprema Corte depois de sua nomeação em 2003, ele chegou a ser mencionado como um possível candidato à presidência quando se aposentou dois anos atrás.
Durante seu mandato no STF, ele conquistou o respeito da população geral por presidir um caso que condenou mais de 20 pessoas por corrupção, incluindo políticos importantes da legenda governante: o Partido dos Trabalhadores.
O ponto de vista das offshores
Os arquivos da Mossack Fonseca mostram que Barbosa montou uma empresa offshore chamada Assas JB1 para comprar imóveis na Flórida em meados de 2012, de acordo com a troca de e-mails entre sua advogada em Miami, Diane Nobile, e empregados da firma. A companhia foi registrada nas Ilhas Virgens Britânicas, um paraíso fiscal no Caribe que não identifica clientes corporativos em registros públicos.
Diana Nobile era a advogada de Barbosa no negócio. Ela não retornou as ligações ou emails do Miami Herald
Dias depois, Barbosa comprou a unidade no Icon Brickell usando uma companhia registrada na Flórida chamada Assas JB. Apesar de o preço pago ter sido mantido em segredo, Barbosa não escondeu seu papel na transação. Ele é listado nos registros públicos da Flórida como presidente da Assas JB.
Estrangeiros que possuem propriedades nos Estados Unidos por meio de empresas offshore pagam impostos estaduais significativamente mais baixos do que se fossem donos diretos dos imóveis.
Em uma declaração enviada por email, Barbosa negou qualquer infração. Ele disse que a companhia que realizou a transação deveria ter pagado os impostos. A companhia em questão, Casalina Title, de Fort Lauderdale, não respondeu os convites da reportagem para comentar o caso.
E Barbosa disse que não escondeu o preço de revenda da unidade, que estava registrado no Multiple Listing Service, um banco de dados privado para corretores imobiliários.
“Qualquer corretor com acesso ao sistema MLS pode verificar o valor que foi pago pelo minha propriedade em 2012 e seu atual valor de mercado”, ele escreveu.
Uma pessoa no escritório de advocacia de Barbosa em Miami, Diane Nobile, desligou três vezes o telefone quando o Miami Herald ligou para perguntar sobre a venda.
No começo do ano, o site imobiliário Zillou listou o apartamento de 73m² como disponível para aluguel por US$ 2.700 por mês.
André Shalders é repórter no site brasileiro de notícias UOL
Joaquim Barbosa “ganhou” o apartamento de Miami
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