FC Leite Filho
Autor de Quem tem medo de Hugo Chávez
Quem viu a capa desta semana da revista Veja pôde pressentir o nível de achincalhe e desestabilização que estão preparando para o governo Dilma na sucessão de 2014 : “Inflação. Dilma pisou no tomate”. Além de uma atitude desrespeitosa para com a chefa de Estado, a manchete constitui uma distorção grosseira dos fatos, ao aludir à hipótese de um descontrole inflacionário, tomando como base a alta sazonal e isolada de um único produto. A revista Época, que segue na mesma toada da desmoralização, foi igualmente manipuladora, ao estampar: “A ameaça da INFLAÇÅO – Por que o governo pisou no tomate”.
O mesmo esquema desinformativo foi usado na Venezuela para virar o resultado eleitoral deste domingo, quando tentou, não apenas com manchetes mas com ações de sabotagem, como a explosão de redes elétricas provocando apagões em regiões vitais do país, e a retenção de criminosa de mercadorias para provocar o desabastecimento. Mas os chavistas liderados pelo ex-chanceler Nicolás Maduro, o homem escolhido pelo falecido presidente Hugo Chávez para sucedê-lo no comando do país, conseguiram vencer a eleição com maioria absoluta, ainda que com uma margem pequena de apenas 1,59% (50,07% contra 49,66) ou 234 mil votos, nu total de 18 milhões de eleitores e venceram em 16 dos 24 Estados.
O Brasil reconhece como legítima eleição de Maduro
Evidentemente que a diferença reduzida se prestou a mais exploracões negativas e apocalípticas como as do tipo “reina a incerteza” , “Venezuela à beira do caos”, “fim de ciclo político”, ou “o país está dividido”, como se a diferença de George Bush de menos de um por cento sobre Al Gore, nos Estados Unidos, em 2000, tivesse impedido não só de governar pelos quatro anos para que fora eleito, como também conseguisse outra reeleição, em 2004. Nenhuma destas vozes desestabilizadoras, entretando, conseguiu pôr em dúvida o processo eleitoral venezuelano, considerado dos mais modernos e honestos.
Por esta razão, o eleito foi logo reconhecido e saudado pela comunidade internacional, a começar da Unasul (União das Nações Sul-Americanas), e dos presidentes da China, Xi Jinping, da Rússia, Vladimir Putin, da Argentina, Cristina Kirchner, Evo Morales, da Bolívia, Rafael Correa, do Equador, Raul Castro, de Cuba e Juan Manuel Santos, da Colômbia. A presidenta Cristina Kirchner foi a primeira a cumprimentar o novo presidente Nicolás Maduro. Pelo seu Twitter, ela afirmou minutos após a divulgação oficial dos resultados pelo Conselho Nacional Eleitoral:
“Parabéns a todo o povo da Venezuela pela exemplar jornada cívica. Parabéns a seu novo presidente, Nicolás Maduro. Memória e gratidão pra sempre ao amigo e companheiro Hugo Chávez. Em seu nome e no do povo venezuelano, concórdia, respeito à democracia, e paz, pela exemplar jornada cívica”. Cristina ainda tinha mandado o vice-presidente do país, Amado Boudou, que estava ao lado do presidente eleito, no ato de proclamação da vitória. Por sua vez, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, expressou confiança de que, sob a liderança de Maduro, a Venezuela vai reforçar suas relações de parceria estratégica com a Rússia.
O candidato derrotado Henrique Capriles usou seu natural jus sperniandi e pediu a recontagem dos votos, com a qual já concordou Maduro e o Conselho Eleitoral, o qual, na Venezuela, constitui o Poder Eleitoral, tão independente quanto os tradicionais Executivo, Legislativo e Judiciário. Capriles, no entanto, extrapolou ao exigir retificações no modelo econômico e social, incluindo a expulsão dos médicos e professores cubanos, que tornaram possível um dos mais eficazes sistemas educativos e de saúde.
De qualquer maneira, o aparente influxo do apoio popular aos chavistas (calcula-se em um milhão a emigração de votos para Capriles) não significa propriamente uma novidade na política venezuelana. Recorde-se que, mesmo sob Chávez, o modelo bolivariano experimentou revezes consideráveis na derrota do primeiro referendum para a reeleição, em 2007, por apenas 30 mil votos;s nas eleições seguidas para a Assembleia Legislativa, o Parlamento, quando perdeu a maioria de 2/3 para reformar a constituição, e o governo dos Estados mais ricos e fronteiriços. Logo depois, os chavista se recuperaram e ganharam a eleição presidencial, em 2013, com Hugo Chávez doente e praticamente desenganado, com 54%, contra o mesmo Capriles, que obteve 44%, numa outra vitória apertada, porque no pleito anterior, Chávez tinha alcançado 62%. Na eleição para governador, três meses depois da presidencial, os chavistas recuperaram os Estados importantes e ganharam em 21 das 24 unidades da federação
Quanto aos riscos de caos e descontrole trompeteado pela mídia e a oposição golpista, é preciso relevar o fato de que Maduro e o Comando Político da Revolução, que também inclui o presidente da Assembleia, Diosdado Cabello, o chanceler Elías Jaua, e Rafael Ramírez, ministro do petróleo, já vinham administrando o país, na prática, há quase dois anos, quando Chávez foi acometido pelo câncer e passava a maior parte do tempo em tratamento em Cuba. Foram eles que conduziram sozinhos, por exemplo, a última eleição para governador e, no plano econômico, promoveram a desvalorização do bolívar, a moeda nacional, em 42%. O grande desafio será conter as tentativas de desestabilização, que tendem a ser cada vez mais atrevidas e desesperadas nestes seis anos de mandato, a contar a partir de 10 de janeiro último e cuja juramentação será sexta-feira, dai 19, perante o Parlamento.