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O Brasil e a Península Coreana

(Publicado originalmente em Seg, 15 de Dezembro de 2008 15:38)
 
A diplomacia brasileira já anunciou uma de suas metas prioritárias em 2008: ‘ocupar’ a Ásia! O nosso capitalismo não tem jeito, mesmo, está sempre bem atrasado em seus projetos, é uma questão histórica, não tem iniciativa própria, é um vexame atrás do outro, apesar de a política externa atual – tímida e vacilante – tentar, aqui e ali, por questões de sobrevivência, alguns vôos rasantes, embora sempre temendo ser abatida pelos predadores internacionais. O Chanceler Celso Amorim declarou, certa vez, que somos uma nação de colonizados (também)mentais, por saber que as relações internacionais no mundo de hoje exigem também enfrentamentos e autodefesa, até porque a chamada ‘soberania nacional’ não vale mais nada, no conceito cada vez mais agressivo do capitalismo, onde a diplomacia não passa de uma mera palavra.
 
Ora, se o governo brasileiro pretende, re-al-men-te, atingir seus objetivos na Ásia, mesmo de forma tão tardia (repita-se), é necessário ir além da troca e venda, prestando-se a devida atenção, por exemplo, no futuro da Península Coreana. Já está na hora de passarmos a apoiar de público, inclusive, nos fóruns internacionais, o que alguns setores vêm pensando nos bastidores, ou seja: a unificação das Coréias já deveria estar contando com um amplo apoio das nações em desenvolvimento, de fora daquele continente. Não fazemos parte, claro, desse já desmoralizado Grupo dos Seis (integrado pelas duas Coréias, China, Estados Unidos, Japão e – hoje – Rússia), mas está na hora de assumirmos um papel político-estratégico ativo, também junto a outros países em desenvolvimento, no sentido de as partes coreanas poderem avançar em seus propósitos unitários, justíssimos; até porque os nossos ‘interesses asiáticos’, atuais e futuros, passam por ali, queiram ou não outros governos e estrategistas que insistem em manter os dois lados desunidos e inimigos da Península única.
 
É desagradável constatarmos como essas nações, irmãs em tudo, continuam separadas (lá se vão 54 anos!), por interesses não seus, mas de terceiros, que não lhes permitem decidir, por vontade própria, como poderão trilhar os caminhos próprios da reunificação. Seus povos são vítimas de uma época de guerra-fria, entre o comunismo e o anticomunismo, mas que, depois da morte da União Soviética, permanecem estupidamente violentadas por um armistício anticoreano caduco, manipulado de fora da região. Os norte-americanos insistem em tentar colocar de joelhos não só os coreanos-do-norte, esmagando também Seul, exigindo-lhe, entre outras situações vexaminosas, a sua participação vergonhosa na ocupação estrangeira do Iraque – pagando, inclusive, todas as despesas. (Acaba de estourar um dos ‘resultados práticos negativos’ disso, a que a imprensa dita livre do Brasil mal se referiu: Washington se enfureceu, há pouco, com o aliado, por ele repassar dinheiro à Al-Qaeda, a fim de que esta entidade – criada, aliás, no Ocidente, para combater o comunismo – em vez de matar outros reféns coreanos, entregasse de volta os outros ainda vivos; e ainda aceitando se retirar da terra iraquiana até o final do ano.)
 
A nossa imprensa – uma tradução mal feita dos outros, em temas externos – deu muito pouco destaque ao encontro da semana passada, entre os dirigentes das duas Coréias; e, ao fazê-lo, repetiu, no geral, as idiotices de sempre, banalizadas pelos outros. Não aprofundou de forma soberana coisa alguma em relação ao futuro de ambas, e, mais, não trouxe qualquer análise de cunho nacional, autônomo, a respeito do que será o futuro da Ásia (em particular), com a reunificação coreana. É curioso como certa gente que se dizia a favor da unidade alemã não queira o mesmo para esse povo – ao contrário. Nada de demonstrar solidariedade a essas populações e seu futuro, cujas gerações se mostram cada vez mais ansiosas em guiarem o próprio destino, independentemente do conceito de Democracia que cada um dos lados possa ter. A Península Coreana unida, não nos iludamos, mudará, por completo, os conceitos estratégicos e políticos não só da região, devido a sua pujança política, diplomática, econômica e estratégica, quem sabe, neutralista em política externa (à moda antiga da Índia), não se curvando mais a receitas estrangeiras, atenta ao rearmamento especificamente japonês, não importa em quanto tempo isso possa ocorrer.
O Brasil, então, visando trabalhar melhor com a Ásia (pelo menos em pensamento), a partir de 2008, como se propaga, terá de ficar atento a esse tipo de mudança básica, ali, se deseja despertar e aprender que o mundo marcha para a derrubada do unipolarismo. Estamos na obrigação, portanto, se queremos também, por exemplo, uma outra concepção de ONU, nos mexermos dentro da cena internacional, nos unindo e ajudando a rechaçar, de forma concreta, a idéia de que somos um grande país – e basta. Devemos abrir caminhos que nos interessam, quer diplomática, quer militarmente, quer na ciência e tecnologia, paralelos aos interesses econômicos, comprando brigas, se for o caso. Passemos a cooperar, no caso específico, com a redenção unitária das Coréias, levando-lhes não apenas solidariedade, mas atos e alianças em quaisquer sentidos – o resto, seus povos e governos respectivos saberão como fazer. Elas, cada uma a seu modo, nesse início longo de diálogo, saberão como fugir das pressões externas descabidas, daqueles quem pretendem, apenas, sabotar a futuro luminoso da região.
Calha-Norte
Qualquer projeto estratégico de interesse nacional tem de levar a sério duas questões: a amazônica e a atlântica, não cabendo mais, infelizmente, qualquer tipo de paciência para o desprezo com que continuam a ser tratados essa ansiedade não apenas do meio militar. O país exige providências para problemas que se arrastam há décadas, e de forma cínica (inclusive, no Exterior), as coisas continuam a ser adiadas por setores que insistem em não ter qualquer compromisso com a defesa nacional – até mesmo por parte de pessoas que se dizem de esquerda.
O que acontece na Amazônia já é intolerável, a espionagem e a contra-espionagem estrangeiras atuando soltas, comprando terras pela Internet, sem que haja qualquer atitude – de governos passados e, mesmo, deste – em brecar ou expropriar terras que passaram para mãos estrangeiras, sem falarmos no trabalho silencioso e sabotador da espionagem e da contra-espionagem internacionais, através de organizações não-governamentais. Onde estão as Comissões de Relações Exteriores e de Defesa Nacional do Senado e da Câmara? O Governo Lula tem obrigação de recriar o Projeto Calha-Norte, que, se houvesse vingado outrora, resultaria, nos dias de hoje, em outro cenário – embora ainda possamos recuperar o tempo perdido. Onde estão as verbas para tomarmos conta, de uma vez por todas, do nosso mar atlântico, denominado, muito apropriadamente, de Amazônia Azul?
Outra coisa: a compra de terras, por mercenários estrangeiros de toda espécie, trasvestidos de empresários, etc., é uma questão bem mais grave do que se pode imaginar. As transformações políticas na vizinhança poderão no futuro ser brecadas de fora por ações brutas (golpes, guerra civil, etc.) e, quem sabe, se, de dentro do Brasil, não poderiam essas terras ser transformadas em base de apoio aos inimigos dos regimes que estão tentando promover mudanças políticas entre nossos vizinhos? As fronteiras do Brasil estão prestes a ser invadidas por gente de toda espécie, como já sabemos, e, nesse caso, essas pessoas poderiam, também, ser ‘abrigadas’ nessas terras, a pretexto de contrato de trabalho, não é?
Há quem imagine, lá fora, que o Brasil TEM que se envolver, queira ou não, nos problemas fronteiriços futuros – mas estamos preparados para tal? E nos interessa-nos isso?
leitefo
leitefo
Francisco das Chagas Leite Filho, repórter e analista político, nasceu em Sobral – Ceará, em 1947. Lá fez seus primeiros estudos e começou no jornalismo, através do rádio, aos 14 anos.
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