FC Leite Filho
Pelo que se depreende da leitura dos chamados Panama Papers e da edição 929, de 04/04/16, da Época , revista do Sistema Globo, o golpe de Estado light, no Brasil, vinha sendo urdido bem antes da eleição de 2014. Eu diria, em 14 de abril de 2005, dia em que a revista Veja, do Grupo Abril, estampou na capa o escândalo do mensalão.
O plano, no início, concentrou-se em derrocar Lula, então no segundo ano do primeiro mandato. A estratégia é igualzinha à de hoje: maximização dos escândalos do governo, suas estatais, (nesse primeiro caso, os Correios – ECT), linchamento dos governantes, criminalização dos políticos, envenenamento da opinião pública e a cartada final do impeachment. O objetivo, também, era idêntico: desmontar o programa social e de desenvolvimento autônomo para reimplantar o neoliberalismo, na sua versão mais selvagem, como agora é grande exemplar o presidente Maurício Macri, da Argentina.
Só que Lula foi mais hábil que Dilma e abortou o golpe, ali, mesmo, pegando o touro a unha. Mesmo à custa da mística do PT e de seus coroados – José Dirceu, Genuíno etc -, que sofreram a humilhação de um julgamento político, presidido pelo então ministro Joaquim Barbosa, presenteado, como se revela agora, com um rico apartamento em Miami. Tanto é assim que Lula se reelegeria presidente, em 2006, elegeria e reelegeria a Dilma, em 2010 e 2014.
Poder-se-ia dizer que o país vivia, na época, uma situação econômica mais confortável, embora minha impressão é que se tratou, primeiro de tudo, de controle e de domínio da situação. Não é difícil imaginar a irreversibilidade daquela primeira arremetida midiático-judicial-policial se a crise tivesse sido gerida com a mesma complacência com que o governo Dilma e o PT lidaram, inicialmente, com o petrolão, o megaescândalo sucessor do mensalão.
Mas voltemos aos dias de hoje. O golpe, na sua segunda e mais ousada ofensiva, começa em 17 de março de 2014, data de lançamento da Operação Lava Jato (destinada a investigar a Petrobrás), tendo como matriz e inspiração a italiana Operação Mãos Limpas, concebida pelos laboratórios políticos dos Estados Unidos e da Europa, como admitiu o escritor Umberto Eco, pouco antes de morrer.
Esta segunda etapa do plano golpista, mais desinibida e devastadora, chega até a formalização e a votação do impeachment da presidenta da República, com todo o potencial de desestabilização que possa acarretar. E isso depois de ordenar, via Lava Jato e seu rabugento juiz Sérgio Moro. mais de uma centena de mandados de busca e apreensão, prisão temporária, prisão preventiva e de condução coercitiva das principais lideranças políticas e empresariais vinculadas ao governo popular. Tudo isso sob um clima opressivo de caça às bruxas, só comparável aos regimes mais totalitários,e contando com a cobertura massiva e diuturna da mídia hegemônica.
A arremetida decisiva, com o afastamento da presidenta e a ruptura da ordem constitucional, só não se completou porque o governo teve tempo de agir, na undécima hora, mobilizando sua militância e recorrendo às ruas e à sua reserva mais poderosa, em matéria de liderança popular, o próprio ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva.
Juntem-se as contradições da política, os erros de cálculo do adversário (invasão da residência de Lula por 200 policiais e a detenção temporária deste, no Aeroporto de Congonhas, por quatro horas). Acrescente-se a solidez de algumas de nossas instituições, como o Supremo Tribunal Federal, que se interpuseram ao assalto anti-democrático.
Golpe final – Na verdade, o golpe final e determinante foi acionado para eclodir no dia 29 de março, quando a cúpula do PMDB anunciou o rompimento com a base governista no Congresso, em meio a uma grande mobilização midiática e de ruas.
Houve algo inusitado. A megaoperação falhou rotundamente, porque não se consumou o efeito manada esperado: os peemedebistas seriam seguidos pelos partidos nanicos, que unidos ao PSDB, dariam o quorum qualificado de dois terços dos parlamentares necessários ao impedimento. Nada disso aconteceu e a manobra acabou fortalecendo as gestões anti-impeachment.
Por sua vez, as ruas fugiram ao domínio da direita para pedir democracia e dizer não ao golpe (em 31 de março, Brasília faz a maior demonstração de sua história, ao defender o governo Dilma. Por sua vez, asim, sociedade despertava para entender que a luta anticorrupção não deveria punir apenas o PT, mas igualmente, todas as forças políticas envolvidas na lama da corrupção, inclusive às vinculadas ao comando do golpe.
A reação popular foi de pronto assimilada pelos detentores dos votos no processo de impeachment, os deputados e senadores, que passaram de uma quase unanimidade em favor do afastamento da presidenta, para uma uma melhor ponderação da postura a adotar.
Entra a Época – Foi nessa ocasião que a edição da revista Época, remetida às bancas no sábado, 30/03/16, trouxe a lume, não apenas o roteiro do golpe, que seria perpetrado pela votação maciça dos trânsfugas peemedebistas e de outros partidos pequenos, a favor do impedimento. A revista também antecipou uma espécie de programa de governo daquele que seria ungido presidente, o atual vice Michel Temer, na eventualidade de a trama funcionar, claro..
Desatenta (ou terá comido mosca?) da insurreição dos peemedebistas contra a decisão da cúpula partidária, entre eles seis de sete ministros de Estado, Época acabou retratando uma realidade que não existe, ou melhor, que ela queria que existisse, mas que tinha sido atropelada pelos fatos. Ou só existia na cabeça de seus editores ou do comando central da Globo, a matriz da revista, que, num passado não muito remoto, tinha o poder de botar e tirar presidentes a seu bel prazer.
“Efeito Macri” – O fato é que a revista saiu, dando a entender que Michel Temer fosse o virtual presidente da República. Em entrevista às repórteres Ana Clara Costa e Talita Fernandes, o vice-presidente praticamente indicou seus principais ministros (Armínio Fraga, o infalível homem de Soros e do FMI, entre eles) e, o que é mais sintomático, sugeriu o que seria seu programa de governo: de caráter ultraneoliberal e opressivo, como se pode perceber em suas próprias palavras. Tal modelo seria uma espécie de cópia daquele que está Maurício Macri impondo a seu povo, a partir da presidência da Argentina.
O atual (ainda?) vice Temer, não se peja em demonstrar, na reportagem, seu deslumbramento com o que seria seu futuro colega presidente platino: “Temer, que vem observando o trabalho do presidente argentino” – diz a certa altura a reportagem da Época -, “rasgou elogios e arrematou: “É disso que o Brasil precisa, de um efeito Macri”.
Nós e o povo argentino sabem que “efeito” é este. Como se recorda, Macri começou governando com uma catarata de decretos e sem se preocupar em convocar o Congresso, que iniciava, a partir da posse do novo presidente, em 02/12/1015, um longo recesso de três meses. Baixou vários pacotes de nível estrutural, afetando dramaticamente direitos trabalhistas, política creditícia, e, comprometendo a indústria nacional e, consequentemente, os empregos, além escancarar o país à depredação estrangeira. O resultado dessa política foi o aumento da energia em 700% e a demissão de milhares de funcionários públicos e privados e o massacres das pequenas e médias empresas.
Ele ainda revogou a lei de médios, que havia levado quase 10 anos para ser discutida e votada pelos parlamentares. O modelo macrista, para a Veja e para Época, no entanto, é o ideal, porque o país deve ser governado com “os métodos modernos de uma empresa multinacional”. Também nomeou, ex oficio, dois ministros da Suprema Corte, quando, manda a constituição, os nomes destes deveriam ser submetidos ao Senado e, só depois de conquistada a simpatia de dois terços da Casa, poderiam ser investidos. Para fazê-lo, Macri invocou, segundo justificou, um dispositivo constitucional, datado, do século XIX, quando o país estava em guerra co o Uruguai.
“Agir rápido” – Daí a preocupação de Temer, em implantar tudo aquilo no Brasil e com o mesmo espírito atrabiliário do biliardário presidente argentino. Aqui, a Época cita o comentário de um aliado de Temer, ainda que pareça ter saído da boca do próprio vice-presidente: “Ele (o Temer) sabe que terá de agir rápido. Mas, pelo exemplo argentino, viu a importância do gesto, sobretudo na economia”.
Época termina esta citação com a seguinte conclusão: “….afirma o interlocutor do vice, que não parou de aparafusar as estrturas do que pretende ser seu futuro governo, mesmo depois de o Planalto abrir o varejo de cargos e colocar a militância na rua para entoar até gritos de guerra anti-Temer”.
Finalmente, Época dá um aviso aos futuros ministros temeristas: “Quem topar o convite (para ser ministro) terá de trabalhar o programa com medidas de receptividade delicadas diante da população, como a privatização de estatais e a reforma da Previdência, que contemplaria o aumento da idade de aposentadoria, Outra paute difundida pelo vice é a volta ao regime de concessões no setor de óleo e gás (Petrobrás também?), em vez de regime de partilha”.
Por algum azar do destino, ou de Temer, explode, naquele sábado, 30, estoura o escândalo dos Panama Papers, em que Macri, seu pai e um irmão, aparecem como co-proprietários e diretores de uma empresa de lavagem de dinheiro e ocultação do patrimônio, nas Ilhas Bahamas. Viu-se depois que Macri tem não apenas a empresa Fleg Trading Ltd., inscrita nas Bahamas, de acordo com os Panama Papers, como também a Kagemusha SA, no Panamá, que ainda está em funcionamento,ética e da qual Macri seria vice-presidente, como informa a agência AFP.
É claro que a nossa mídia e o próprio Temer silenciaram sobre o assunto. Mas, como a desafiar, os roteiros golpistas, o dramático desenrolar doas acontecimentos expõe, nos mesmos Panama Papers, as evasões fiscais de uma figura de outro ilustre envolvido na primeira etapa do golpe, ou seja, a fase do mensalão.
Trata-se do ex-presidente do Supremo e ex-cavaleiro andante da ética e da moralidade Joaquim Barbosa. Como se recorda, o iracundo JB se destacou como o homem que, se servindo da “teoria do domínio do fato”, ou seja, dispensando provas e outros procedimentos judiciais, mandou para a cadeia toda a cúpula do PT, num espetáculo circense-midiático, como nunca antes presenciado na austera sala de sessões do plenário do STF.
Nos Papers, Barbosão, hoje aposentado depois de interromper bruscamente sua carreira de judicial, quando mal tinha completado 60 anos de idade, sem dar maiores explicações, é acusado de sonegar impostos na compra de um imóvel em Miami e citado como “cliente VIP” da Mossack Fonseca.
Reforçando ainda mais o escândalo, o jornal Miami Herald, saiu com uma reportagem, indicando outra estripulia do ex-ministro, objeto de muitas capas bajulatórias da Veja (e também da Época et caterva), numa das quais se lia o título “O menino pobre que vai mudar o Brasil”,. Segundo o Herald, o ex-ministro não comprou mas “ganhou” o rico apartamento num sofisticado condomínio miamero. Ele também tinha sido “eleito’, em 2013, pela revista Time, como uma das cem pessoas mais influentes do mundo e incluído em uma lista da BBC sobre 10 brasileiros que foram notícia pelo mundo, naquele mesmo ano.
Detalhe: segundo o jornal americano, Barbosa “ganhou”, conclusão a que chegou depois de constatar que Barbosão não pagou imposto pelo rico imóvel, circunstância só admissível quando se trata de doações. Diz o Miami Herald: “Os registros de propriedade Miami-Dade County pareciam sugerir que o juiz de 61 anos pagou um grande e gordo zero por seu flat no Icon Brickell , uma das torres do condomínio mais conhecidos do bairro de moda”.
E quando teria sido feita esta doação? No dia em que Barbosa proferiu a sentença contra os supostos mensaleiros (março de 2011), segundo depreende o MH.