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Obama e o megaevento da posse

(Publicado originalmente em Ter, 20 de Janeiro de 2009 18:16)

Por FC Leite Filho

Ninguém melhor do que os americanos para espetacularizar um fato. A posse de Barack Hussein Obama na presidência dos Estados Unidos, diante de dois milhões de pessoas nas ruas geladas de Washington, fala por si só. Aquilo que poderia ter se limitado a um ato de rotina política ou burocrática – a transmissão do cargo de presidente da República – virou megaevento. 

E megaevento em escala mundial. Israel teve de parar seu genocídio na Faixa de Gaza. A festa da posse não poderia ser tisnada por mais uma atrocidade contra os palestinos. O noticiário precisava focar no mote da esperança, martelado em nível planetário. Era a primeira vez que um negro, e, ainda por cima portando um nome muçulmano, chegava aos píncaros da superpotência branca. Nada de manchetes sensacionalistas mostrando matança indiscriminada, fosse na Palestina, no Iraque, no Afeganistão ou na Conchichina. Nem as bolsas, que voltaram a despencar, por causa dos rumores de novas falências de bancos americanos e ingleses, podiam competir.Tivemos então a posse intacta. Desde a manhã, as rádios, as TVs e a internet de todos os quadrantes da terra voltaram-se para exaltar o acontecimento. Velhos jornalistas, homens e mulheres, se diziam emocionados, maravilhados em testemunhar o momento histórico: a ascensão de um negro ao Oval Office da Casa Branca. Alguns não contiveram as lágrimas. Outros cantaram. E assim engrossaram a grande torcida pelo sucesso de Obama. Não importa que o fato anterior de dois negros – o general Collin Powell e a doutora Condoleezza Rice – tenham ocupado o segundo cargo mais importante da administração americana. Duas nomeações, aliás, empreendidas pelo odiado Bush, e que não redundaram em absolutamente nada em termos de humanização da máquina de guerra e da marginalização,  cada vez mais acirrada, dos setores mais desfavorecidos. Desfavorecidos no mundo e mesmo nos Estados Unidos, onde 40 milhões de habitantes não contam sequer com um plano de saúde. 

Mas, afinal, a que ele se propõe, mesmo? Ninguém sabe. Por enquanto, o novo presidente limita-se a cultivar símbolos – a bíblia do Lincoln, o trem de Lincoln, o memorial de Lincoln. Ah, sim, por último, falou de Martin Luther King. Nada mais de Ronald Reagan, que ele tanto cultuou na fase da pré-campanha. Da circunstância bi-racial ou pós-racial, que representaria sua posse.De feitio comedido, calado, contido,  nunca dado a efusões, esse doutor de Harvard, filho de mãe branca, também doutora, e de pai negro, outro doutor harvardiano, o novo presidente tem muito do político esperto. Ninguém até agora conseguiu induzi-lo a uma gafe, uma asneira, um passo em falso. As contradições pululam, é verdade, mas a máquina da propaganda impede que elas sejam exploradas e mesmo mencionadas.

As manifestações de boa vontade para com a América Latina, inclusive um diálogo franco com a Venezuela e com Cuba, ocorridas na campanha, são agora substituídas por exigências e ameaças não muito veladas que pouco diferem da era Bush. Condicionar a suspensão do bloqueio americano a Cuba à mudança do regime ou dizer que Hugo Chávez “impede o progresso da América Latina” não é exatamente um gesto de boa vontade nem de distenção.

A propósito, o grande contraponto da cobertura midiática da posse de Obama foi a insistência na demonização de seu antecessor, George W. Bush. Para propiciar a onda pró-Obama, era necessário criar uma onda anti-Bush. Este é o culpado de tudo, é o grande mal a ser exorcizado. Sabe-se que as coisas não se dão bem assim. George Walker Bush é produto de uma era de intolerância pespegada sobre o grosso da sociedade americana. Do fundamentalismo político e religioso, que, de tão involutivo, chegou a negar inclusive a teoria da evolução, lançada e mundialmente reconhecida pelo inglês Charles Darwin, ainda no século retrasado.

Convenhamos que Bush foi um governante desastrado e que pôs a pique a imagem dos Estados Unidos. Mas ele não estava sozinho. Tinha por trás todo o aparato ultra-conservador, no qual se engajaram tanto os democratas de Obama como republicanos de Bush. Sua bandeira era o estado mínimo, a maximização dos lucros,  o esmagamento das economias emergentes, a trituração das empresas estatais desses países e a invasão de nações indefesas, como o Iraque, o Paquistão, o Afeganistão e, por via indireta, a Palestina. Recorde-se que esse movimento começou exatamente com Reagan (1981-1989), o qual,  juntamente com a inglesa Margareth Thatcher, desencadeou o processo de privatizações e com ele todo um esforço dos povos emergentes para promover a pesquisa e a educação.

De todas maneiras, esta política, que não parece de todo descartada por barack Obama, acabou por descentralizar o imenso poder concentrado em Washington. Ao focar sua ação no Oriente e nas guerras que inspirou, a grande potência ficou vulnerável em outras partes do mundo, principalmente neste seu quintal da América Latina. Aqui, começou um movimento de integração, tendo à frente o Brasil, Argentina, Venezuela, Bolívia e Cuba, que, além de ter mutiplicado várias vezes seu comércio, parte agora para criar um polo próprio de poder, na área energética e alimentar.

Não deixa de ser um problema para Obama que, sem dúvida, vai querer mudar essa realidade sob pena de esvaziar ainda mais a influência do poderio americano. Mas haverá condições?  Sobretudo agora que os países da América do Sul, reunidos na Unasul, União das Nações do Sul, demitiu a OEA, Organização dos Estados Americanos, órgão dominado por Washington, para tratarem, eles mesmos, de seus próprios problemas e realizações. Taí um desafio a ser enfrentado pelo novo presidente: a multipolarização, que, aos poucos substitui a unipolarização, ou seja, a dominação dos Estados Unidos. Talvez percebendo este dado crucial é que barack Hussein Obama tenha dito em seu discurso de posse: “O mundo mudou e nós (americanos) temos de mudar com ele”. 

Veja também: Fidel: é honesto mas não responde a indagações |  Noan Chomsky: Os Desafios (Carta Maior) Esnobando a Al Jazeera, como Bush | O artigo de Fidel | Discurso de Posse de Obama Vídeo – Chávez responde a Obama | 

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Francisco das Chagas Leite Filho, repórter e analista político, nasceu em Sobral – Ceará, em 1947. Lá fez seus primeiros estudos e começou no jornalismo, através do rádio, aos 14 anos.
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