Na guerra, costuma-se dizer, a primeira vítima é a verdade. No caso da Líbia, a segunda vítima seria a notícia, a julgar pelos rumos que hoje estão tomando os acontecimentos naquele país árabe. Até ontem, a avalanche de informações que recebemos a quase todo minuto pela internet, TV, rádio (já não falo nos jornais porque só trazem pão dormido, usando o jargão jornalístico para notícia velha), levava o mundo a acreditar que o regime de Muammar Kadhafi estava no chão. Seria questão não mais de dias, mas de horas, proclamavam praticamente todas esses serviços informativos, incluindo a rede de TV Al-Jazeera, que proclama ser a voz do mundo árabe.
Os fatos recentes têm demonstrado, no entanto, uma situação completamente distinta, senão oposta: Kadhafi não só controla as áreas vitais do país, incluindo as fontes de petróleo, como contra-ataca e recupera pontos estratégicos do leste, que estavam sob o domínio dos rebeldes. Na verdade, a posição dos insurgentes nunca esteve consolidada, porque estes careciam de duas condições fundamentais: controle e domínio dos territórios conquistados, e unidade de comando, além de liderança reconhecida, que eles nunca tiveram.
Além do mais, aquelas áreas, são muito dependentes do governo central, com sede em Trípoli, que fica numa região abrangendo 70% da população e o centro nevrálgico da economia.
Os soldados, oficiais e funcionários públicos que desertaram, assim como amplos setores da população, que recebem a bolsa família de 500 dólares, ficaram sem receber seus proventos, o que gera uma situação de penúria e até de fome, já que as potências ocidentais que atiçaram a revolta, não têm estrutura para sustentá-los. Mesmo que quisessem, elas não teriam tempo hábil, para montar a infraestrutura logística com o fim de atender às necessidades de sobrevivência dos rebeldes aliados.
Talvez seja essa a razão da premência revelada no discurso de ontem do presidente dos Estados Unidos, Barak Obama, quando pediu, pela segunda vez, a renúncia do líder líbio Muammar Kadhafi, que, logicamente, não se dispõe a atendê-lo. Com efeito, fracassou o plano de Obama e dos líderes da França e Inglaterra, de, através do aparato de mídia, convulsionar o país e, ao mesmo tempo, sensibilizar o mundo para a sua propaganda, de forma a possibilitar um assalto final a Trípoli e remover o regime de Kadhafi.
Em substituição a Kadafi seria inevitavelmente instalado um governo títere, a exemplo do que ocorreu depois da invasão do Iraque, em 2003, para retomar as refinarias do petróleo. Como é sabido Kadhafi nacionalizou todo o setor petrolífero, quando chegou ao poder, em 1969, e transferiu os seus rendimentos, antes nas mãos das empresas transnacionais e da família do deposto rei Idris I, para o Estado e a população.
O discurso de Obama, no seu intuito de infundir o medo, não a Kadafi, que já demonstrou várias vezes não se intimidar, mas à população líbia e à comunidade internacional. Ele acena, ainda que indiretamente, com uma intervenção militar, seja através de ocupação militar ou da decretação de uma zona de exclusão, para isolar Trípoli das regiões insurretas.
Neste ponto, o presidente é desmentido pelo seu próprio secretário de Defesa, Robert Gates, que já considerou a idéia impraticável, tendo em vista que demandaria enormes contingentes bélicos para neutralizar o sistema de segurança de Kadafi, dotado de moderno equipamento, além de amplos setores da população adestrados e até armados para a guerra.
A França, por sua vez, através de declaração peremptória do ministro de Relações Exteriores, Alain Juppé, e de comentários do presidente Nicolas Sarkozy, já disse discordar da intervenção, nas suas diversas formas. O país dos franceses, que não tem petróleo e vê com apreensão os protestos populares na Argélia, seu principal fornecedor, também recearia a disparada nos preços dos combustíveis que, fatalmente, ocorreria no caso de uma ocupação americana ou da OTAN.
Contornando tambores da guerra, como ele diz, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, que tem influência considerável entre a comunidade muçulmana (só à Líbia, ele já viajou seis vezes), propôs uma solução negociada de paz, a ser implementada pela Liga de Estados Árabes. Ele já conversou com todos os chefes de estado integrantes dessa comunidade, inclusive com Muammar Kadhafi. Os Estados Unidos e a União Européia, claro, rejeitaram de pronto a proposta, porque seu negócio é outro, mas os países árabes prometeram estudá-la. Só esta disposição dos árabes para com o plano Chávez fez baixar em três dólares o preço do barril do petróleo, em curva ascenendete, desde a eclosão das revoltas no Oriente Médio, em fins de dezembro de 2010, que chegou a 120 dólares o barril.