“A Guerra é a Continuação da Política por Outros Meios” (2)
“De tal modo inconsequente/ que Joana, a louca de Espanha/ rainha e falsa demente /chega a ser contraparente/ da nora que eu nunca tive” (3)
Por Geniberto Paiva Campos (*) – Brasília, 14 de março de 2016
1. A GRAVIDADE DA CRISE POLÍTICA
Seria correto começar com um truísmo: “ – O Brasil precisa voltar à normalidade”.
Para onde caminha o país nesse ambiente de intolerância, irracionalidade e ódio entre facções políticas? A quem poderia interessar a manutenção desse clima tão negativo, sendo igualmente adequado às circunstâncias perguntar se haveria vencedores dessa guerra não declarada. Ficando evidente que o Brasil seria (ou está sendo) o natural perdedor.
O título desse artigo – escrito logo após as manifestações de rua ocorridas neste domingo – refere-se à pergunta, feita em momento de desespero, por um habitante da cidade japonesa de Hiroshima, logo após o bombardeio atômico realizado pelas forças americanas, ao final da II Guerra em agosto de 1945: “ – A SAÍDA! ONDE FICA A SAÍDA? ”
O senso comum indicaria o caminho do entendimento possível, considerando o nível do confronto entre os grupos em disputa. Característico de uma nação dividida, talvez de forma inconciliável. Situação que, provavelmente, tende a piorar, caso não haja algum tipo de intervenção conciliatória, na qual a força bruta seja necessariamente substituída pela inteligência política de mediadores/negociadores, capacitados a encontrar soluções pertinentes para a situação de confronto que tomou as ruas. Antes que o antagonismo, o ódio irracional e a violência atinjam um ponto de irreversibilidade. Enfim, procurando deter essa marcha da insensatez.
Alguns momentos registrados na manifestação realizada ontem (domingo, 13) indicam claramente que não está longe de se atingir – e até ultrapassar – esse limite. Intolerância explícita, agressões físicas e verbais, cusparadas no rosto de oponentes, saudações nazistas em verde amarelo, entre outras.
O pensamento do estadista alemão Carl von Clausewitz, expresso na epígrafe do texto – “a guerra é continuação da política por outros meios”- indica, em sua alta sabedoria, que a busca de soluções viáveis para o confronto, torna-se uma medida de extrema pertinência. E aponta para a necessidade de se encontrar, com a urgência que o momento exige, se não estadistas (ainda não os temos na versão “prêt-a-porter”) políticos e lideranças sociais com sensibilidade ou alma de estadista. Capazes de exercer, com altruísmo, isenção e competência, o papel de mediadores do conflito.
Buscando entender as verdadeiras causas da situação, que, se levada a um ponto extremo de radicalização, poderá acarretar rupturas institucionais. De consequências imprevisíveis. A quem poderia interessar o caos e a insegurança do país? A retomada da Política talvez se constitua, neste grave momento, o caminho mais racional a ser adotado. Valeria a pena tentar. Mesmo considerando a dependência de inúmeras e complexas variáveis.
2. O PAÍS DAS SOLUÇÕES MÁGICAS (um parêntese necessário)
Que ninguém se espante com o número de adesões às manifestações de domingo, 13.03. Não importa, no caso, a exatidão deste número. Para mais ou para menos Dois fatores contribuíram para o “recorde” – positivo ou negativo – registrado no evento. E que valeriam para as próximas manifestações.
Em primeiro lugar as técnicas de convocação e os vastos recursos empregados para garantir o maior número possível de participantes, e assim dar legitimidade à “voz rouca das ruas”. Mesmo agregando, seletivamente, os extratos superiores da classe média. E a indefectível elite. E tão obediente às palavras de ordem da grande imprensa que adota um sólido desprezo aos políticos. Até mesmo os de perfil oposicionista, xingados e proibidos de falar em suas manifestações. Alguns, recém convertidos à causa, expulsos da avenida.
Em segundo, o incrível, quase inacreditável, potencial de crença da população brasileira, de todos os extratos sociais e econômicos, nas soluções mágicas para a resolução de problemas complexos. É este o ponto. Vamos recuar no tempo.
Se contarmos aos nossos netos que na década de 1960 apareceu um brasileiro, Jânio Quadros, com uma vassoura na mão, afirmando que iria varrer a corrupção de vez da vida do Brasil. E com isso fazer uma nação melhor e feliz. E que a UDN, a União Democrática Nacional, em convenção, deu seu apoio ao Jânio e que a maioria dos eleitores brasileiros elegeram esse político mágico ao mandato de presidente da república, eles talvez respondessem: -“Ah, vovô, conta outra…”
A magia da vassoura durou apenas sete meses. O presidente mágico renunciou ao mandato. E mergulhou o país numa tremenda crise, que duraria 3 longos anos, até a consolidação, em 1964, de um golpe de estado quer durou 21 anos. Bem contado, esse período de exceção perfaz um total de aproximadamente um quarto de século. E ninguém se dispôs a lembrar aos eleitores brasileiros, com um puxão de orelhas: – “olhaí, seus bobinhos crédulos, vocês erraram feio ao apostar na solução mágica. E mais, o Jânio (os brasileiros vieram a saber depois), não era bem um santinho empunhando uma vassoura”.
(Aí provavelmente, os netinhos iriam pedir um teste de sanidade mental para o vovô).
No final de década de 1980, o Brasil se defrontaria com um outro político mágico, incensado e insuflado pela mídia: Fernando Collor de Mello. O “caçador de marajás” estava disposto a salvar o Brasil usando a sua magia infalível. Avaliou que a sua incrível vitória nas urnas lhe dava legitimidade para confiscar os depósitos bancários e poupança de todos os brasileiros. Uma mágica besta e absolutamente inútil, que salvaria e economia do país. E quase nos levou ao caos.
Não se tem registros confiáveis da reação dos seus eleitores. Nem se, pelo menos ficaram ruborizados ou envergonhados da sua escolha. Após dois anos de mandato, este político mágico foi mandado de volta para sua terra natal, as Alagoas, ao renunciar, para evitar o “impeachment”, em decisão já claramente definida no Congresso Nacional. E com o povo e os cara-pintadas (e uma legião de arrependidos) nas ruas.
Como os brasileiros são um povo de memória curta (talvez “ahistóricos” – uma expressão empregada por Henry Kissinger, referindo-se ao povo americano), condenados a não reter as lições transmitidas pela História, novamente, pouca gente se lembrou de fazer as devidas cobranças pelos erros eventuais da escolha eleitoral baseada puramente na magia.
E o país chega ao século 21 com um novo governo trabalhista.
Dessa vez, do Partido dos Trabalhadores. Disposto a fazer as reformas institucionais possíveis. Com o Estado retomando o seu papel de indutor do desenvolvimento e da justiça social, com o emprego de políticas de inclusão. Após a obtenção pelo PT do quarto mandato presidencial seguido, a elite brasileira e seus porta-vozes decidiram que havia chegado a hora de dar um basta definitivo neste tipo de projeto de governo. A palavra mágica desta vez é “Fora Dilma! Ou outras expressões inadequadas ao horário nobre. Dito de outro modo, sem Dilma o país melhora. A crise vai embora e viveremos, enfim, numa terra de magia, em tons verdes, azuis e amarelos. Cheios de esperança.
Fechando o parêntese, e procurando reforçar uma tese (de discutível valor acadêmico, admite-se), que na crise atual, teriam surgido duas figuras mágicas. Desta vez, ambas usando toga. Como se vê, trata-se, agora, de magias jurídicas. Juízes de grande presença midiática e que fazem a diferença. Um desses juízes, com breve passagem por essa estória, juiz da corte suprema, após cometer vários desatinos jurídicos, aposentou-se precocemente do cargo e sumiu na poeira do tempo.
Um juiz paranaense é a nova aposta da mídia para o messiânico e redundante papel de salvador da pátria. E como afirmam, em bom português, e com direito à exclamação! os slogans nas camisetas da elite, neste,“we can trust! ”
Não é necessário possuir dons especiais de previsão do futuro, ou bola de cristal, para perceber a marcha do golpe de estado em curso. Com alguns atores principiantes em sua execução.
Trata-se, portanto, de uma nova forma de messianismo. O “salvacionismo jurídico”. Encenado por juízes de primeira instância. Com talento de segunda. Podendo-se imaginar os graves riscos para a ordem jurídica e para as instituições do país. Esgotados, ao que parece, a safra de atores originários da política, considerando que este papel não ficou adequado ao atual presidente da Câmara.
3. O CENÁRIO DA CRISE – o cerco implacável ao Governo e à Democracia –
Por algum motivo transcendente, que foge à racionalidade da Política, as oposições decidiram dar um basta à continuidade do governo reeleito ao final de 2014. Nem que para atender a tão estranho propósito fosse necessário afrontar as instituições democráticas e o estado de direito. Em linguagem popular, “tocar fogo no país”.
Não se sabe, com certeza, se essa estranha e arriscada decisão nasceu em berço interno, no âmbito partidário. Ou teria sido uma ordem alienígena, vinda de fora. Sem avaliar corretamente os riscos, passou-se, de imediato, às ações estapafúrdias, absolutamente carentes de lógica e nexo políticos. E deixando entrever, inevitavelmente, a conotação golpista e ilegal dessas ações. Além de uma estranha pressa.
Pegado de surpresa, o governo, jogado de encontro às cordas, não soube decifrar a tempo os propósitos de uma Oposição alucinada, a qual foi gradativamente deixando de lado as regras mais elementares do jogo político. E partiu para o jogo bruto do golpismo explícito. Agregando setores e instituições normalmente responsáveis pela manutenção da ordem democrática e dos princípios da civilização. De repente, o país se viu cercado por atores políticos vociferantes. Deixando entrever, de forma preocupante, uma violência política que se julgava inativa, totalmente fora de cogitação desde o século passado. Para total surpresa dos cidadãos brasileiros que se imaginavam vivendo em um país democrático e civilizado.
A maioria dos analistas da conjuntura política nacional se vê em dificuldades crescentes para interpretar essa nova realidade. Na qual, setores naturalmente responsáveis pela manutenção da ordem e da normalidade institucionais, surpreendentemente, transformaram-se em intolerantes agentes político-partidários. Invertendo, assim, a ordem natural das coisas. Dessa forma, ampliando o cerco ao Governo, para incluir, em sua sanha alucinada, a própria Democracia e a Ordem Constitucional. Tudo para impedir a continuidade natural de um governo eleito de forma legítima e sem contestação. E se promove uma busca louca, sem limites éticos ou constitucionais, de uma causa – ou pretexto – que possa embasar, de qualquer maneira, um pedido imediato de “impeachment”. Não se esconde a pressa. Impossível disfarçar a falta de lógica e do nexo causal de tal pedido.
4. AS SAÍDAS POSSÍVEIS
Pela gravidade a que chegou a atual situação política, urge criar um conselho político – ou algo no gênero – quem sabe, capaz de trazer o Brasil de volta à normalidade institucional. Pode até parecer uma ideia simplista ou extemporânea. Mas, repetimos, não é apostando no confronto que o país sairá pacificamente da crise. Há que se buscar e mediação e conciliação políticas – talvez ainda possíveis – para que se chegue ao necessário consenso. Enfim, retomar a Política. Não é possível continuar com os insultos e as agressões, antevéspera de conflitos violentos e inúteis. Fazendo a contagem do número de participantes das manifestações para saber “quem botou mais gente na Paulista”. Não é bem por aí. Não se trata de um jogo infantil. Um povo adulto e civilizado saberá definir novos caminhos em busca da Paz e da Justiça.
O essencial é desarmar os espíritos desse belicismo (tão próximo do machismo mais ultrapassado), o qual poderá resultar na criação de abismos intransponíveis entre brasileiros. Não se trata, como se pode ver, de uma tarefa de fácil execução. Mas, qual a alternativa? Continuar nessa guerra política estúpida, que já compromete a Economia e os fatores de produção do país? A quem interessa uma nação dividida e em permanente litígio entre “coxinhas” e “petistas”?
Continuando com as perguntas: – quem dará o primeiro passo em busca do necessário entendimento? – Quem com autoridade suficiente para dar início a tão delicada tarefa?
A sugestão está sobre a mesa. A missão é dificílima. Mas não impossível. E dela pode depender – sem exagero – o futuro do país. Quem recolherá a luva?