Como uma nação que alega ser movida pelo “destino manifesto”(*), ou seja, escolhida por Deus para comandar o mundo, pode hesitar em proteger a saúde de 46 milhões de seus 309 milhões de habitantes? Depois de “quase um século de tentativas”, como disse o presidente Barak Obama, no ato da sanção, o Congresso dos Estados Unidos, finalmente, aprovou, na segunda-feira, 22/03, a lei da limitada reforma, apesar do calhamaço de suas 2.400 páginas, que visa inaugurar a seguridade social em solo norte-americano. Isso ocorre, imagine-se, 80 anos depois de sua adoção no Brasil.
Não obstante, a reforma se propõe a contemplar apenas 32 milhões daqueles 46 milhões de necessitados, e, mesmo assim, daqui a quatro anos, que é quando a lei vai produzir resultados concretos. E isto, se não sofrer novo boicote dos republicanos, que ameaçam questionar a medida na justiça. Obama enfrentou horrores para concretizar esta sua principal plataforma de campanha, lidando com o descrédito e o desprezo de setores consideráveis, inclusive de seu próprio partido (34 democratas votaram contra), para não falar da descrença da população (55% chegaram a se manifestar contra a medida). Outro paradoxo:que razões motivariam a população para enjeitar uma medida que, em última análise, vai beneficiar ela própria?
Diria que é o forte componente ideológico, que envolveu a questão, açulado pelo poderoso lobby médico-farmacêutico. Tal lobby, associado ao culto ao individualsmo e a rejeição aos impostos, inviabilizou todas as tentativas anteriores, nos últimos cem anos. Estamos falando da maior potência do mundo de todos os tempos, de que não comentam os cartões postais nem o glamour de Hollywood. Nesta nação deslumbrante, ainda pontuam outras moléstias sociais sérias só presentes nos países periféricos: 2,4 milhões presos comuns, 37 milhões de pessoas abaixo da linha de pobreza e 10% de desemprego, de par com uma infraestrutura carcomida, em que 120 mil pontes deterioradas comprometem a funcionalidade das high-ways. Por falar em periferia, a Venezuela, que é tão menosprezada pela irmã gigante do norte, apresenta um quadro social, digamos, bem mais desenvolvido: assistencia médica universal e gratuita, com médicos 24 horas por dia, inclusive com a distribuição de remédios; erradicação do analfabetismo e universalização escolar ainda mais completa que a americana.
Há onze anos, a situação venezuelana era bem outra. Muitas das populações, sobretudo aquelas dos morros de Caracas, com a topografia, aliás, bem parecida com o nosso Rio de Janeiro, nunca tinham visto um médico na vida. Lá existe há seis anos um programa de asistênia, chamado Barrio Adentro, com a ajuda de 32 mil médicos cubanos. É composto de seis mil módulos de assistência primária, além de consultórios populares disribuídos pelos 335 municípios do país, com os quais se alcança a cifra de 11 mil centros, onde não só não se dispensa o seguro saúde, como é um serviço totalmente gratuito. Recentemente, o presidente Hugo Chávez lembrou que essa assistência primária oferecida por esta rede de saúde garante uma média de 56 milhões de consultas (a poplação venezuelana é de 27,9 milhões de habitantes.
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(*) Em inglês, manifest destiny, “destino manifesto”, ou mais cruamente, “óbvio e inevitável”, o termo foi cunhado pelo jornalista John L. O’Sullivan, de Nova York, em sua revista Democratic Review. Em um ensaio intitulado “Annexation”, no qual exigia dos EUA a anexar a República do Texas na União: “Nosso destino manifesto atribuído pela Providência Divina para cobrir o continente para o livre desenvolvimento de nossa raça que se multiplica aos milhões anualmente.” (Wikipedia)