São cada vez maiores e insolentes as pressões – e mesmo ameaças – para que o Brasil desista de sua aproximação com o Irã e cancele a viagem do presidente Lula a Teerã, marcada para maio. A lengalenga é a mesma: O Brasil não tem nada que fazer lá e o mais certo é que continue com o atrelamento a Washington. Ocorre, particularmente, neste caso, que nossos interesses se conflitam com os dos norte-americanos e se identificam com os do Irã. Por que? Porque os Estados Unidos estão esgotando seu petróleo. Dizem que, em dez anos, devido ao desperdício e à impossibilidade de economizar, com aquele culto aos carrões e às estradas, eles não terão uma gota do ouro negro.
Então, nossa situação é diametralmente oposta à deles, americanos. Nós não só temos auto-abastecimento (vocês já imaginaram se continuássemos depententes nessa última crise mundial?) como vamos nos tornar grandes exportadores e produtores, com as reservas e o novo marco regulatório do Pré-Sal. No desespero, os Estados Unidos, que já importam 60% do petróleo, justamente porque torraram, irresponsavelmente, todas as suas imensas e portentosas reservas, vão querer invadir os países produtores, como já o fizeram, com a maior “naturalidade”, no Iraque. E países produtores não são só o Irã e a Venezuela, somos nós também, o Brasil, que se está tornando numa potência petrolífera, com tecnologia própria, diria mesmo, a mais avançada do mundo, na área.
Nossa aproximação com o Irã, porquanto, só nos traria benefícios, porque, além de nos fortalecer estrategicamente contra as invasões – e não se pense que isso é delírio, porque outro dia o presidente Lula denunciou a presença da IV Frota em áreas próximas ao Pré-Sal -, como aumentaria o nosso cacife no cenário internacional. Além do mais, ao contrário do que diz a propaganda imperialista, o Irã é hoje um dos países com maior e mais apurada tecnologia do mundo em vários setores da economia, para não falar no nuclear e militar. Eles já fabricam satélites e mísseis próprios, aviões não tripulados, além de domínio na fabricação de medicamentos, como radiofármacos (para o câncer), defensivos agrícolas, colheitadeiras, carros, processamento de alimentos etc.
Com a nossa aproximação com os iranianos, vamos fazer grandes trocas, além de transferência tecnológica, como já está ocorrendo coma Venezuela, em todos aspectos acima mencionados. Ora, este simples fato nos coloca em posição de dialogar de igual para igual com os Estados Unidos e Europa, os quais, como se sabe, nunca nos transferem tecnologia. Tudo o que vem deles – e bota século nisso – , é lacrado numa caixa preta. Veja-se o caso dos aviões para a FAB? Vocês acham que haveria essa corrida toda e baixa de preços, se não fosse a nossa política externa independente, retomada no governo Lula?
Fiz esta preleção para introduzir três peças fundamentais que encontro na imprensa. Trata-se de uma entrevista do ministro da Ciência e Tecnologia, Sérgio Rezende, à revista Carta Capital, e que esteve recentemente no Irã, e de uma conferência (Folha de S. Paulo) e uma entrevista (O Estado de S. Paulo) do Secretário de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, Samuel Correa Guimarães, que lançam muitas luzes sobre toda essa controvérsia. Ainda não encontrei o texto da Carta Capital na Internet, mas vou procurá-lo mais tarde. Em compensação, tenho a íntegra da entrevista de Samuel ao Estado de S. Paulo, que está no site da SAE, e trechos da conferência no Iuperj, na Folha (só para assinantes).
Comecemos pela Carta Capital, a que tive de recorrer, excepcionalmente, pela sua edição impressa. O ministro Sérgio Rezende explica que o Irã está sob “marcação cerrada” pelos norte-americanos “porque nacionalizou várias empresas na área do petróleo”. Citou também Israel, que, nos últimos tempos, passou a temer aquele país, por conta do isolamento imposto pelos EUA, “o Irã ter começado a investir em tecnologia: “O Irã, diz o ministro, é um dos países do mundo que mais tiveram aumento de publicações científicas, em todas as áreas”.
Quando Carta Capital lhe indaga o que o Brasil pode ganhar com a cooperação, Sérgio Rezende responde: “Estive no Irã exatamente na semana em que Hillary Clinton estava no Brasil. Vi medicamentos que eles desenvolveram sinnteticamente, que não temos. Para o combate à Aids, por exemplo. Aqui, as empress nacionais de fármacos foram sendo vendidas para multinacionnais e ficamos para trás. Estamos agora tentando recuperar, fazendo muito investimento. O Irã, como ficou isolado, teve de se virar”.
Emenda Cynara Meneses, a repórter de Carta Capital, que escreveu a reportagem: “O atraso político que pode ser argumentado não corresponde a um atraso tecnológico?”, ao que o ministro responde:
“Ao contrário, o Irã tem 70 milhões de habitantes, é o maior país da Ásia Central e a paridade do poder de compra é duas vezes a do Brasil. Não é um país do fim do mundo, lascado, como se fala. O Irã não é o Iraque, ouvi o presidente Lula dizer para alguns chefes de Estado. A classe média é grande, tem uma elite intelectualizada”.
Já na entrevista ao Estado, o minnistro Samuel Pinheiro Guimarães explica que “as potências nucleares que não cumprem o Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP)”, mas exigem de países desarmados, como Brasil e Irã, “o estrito respeito de suas obrigações”. A dois meses de duas grandes cúpulas sobre a questão nuclear, uma em Washington, outra em Nova York, o ideólogo da política externa do governo Luiz Inácio Lula da Silva questionou ao Estado a decisão brasileira de aderir ao TNP, em 1998, e afirmou que nem um compromisso dos poderosos em reduzir significativamente seus arsenais poderá fazer o Brasil assinar o chamado “protocolo adicional” do tratado.
Na Folha, o ministro de Assuntos Estratégicos disse ontem que os países “extraordinariamente armados” pretendem “desarmar os desarmados totalmente, até o último estilingue”, e convencer o mundo de que são estes últimos os “perigosos e que oferecem grandes riscos à paz internacional”.
“Foi uma das referências indiretas” afimra o jornal – “à pressão das potências ocidentais sobre o programa nuclear do Irã, em palestra na Escola de Políticas Públicas do Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio) na qual o ex-secretário-geral do Itamaraty falou sobre “as perspectivas do Brasil para o mundo de 2022”.
Ele se referiu às negociações de defesa ao mencionar a criação de normas destinadas a “consagrar privilégios” como uma das tendências globais que o Brasil enfrentará.
Ao apresentar o ministro, o acadêmico Candido Mendes, reitor da universidade à qual o Iuperj é ligado, saudou o esforço brasileiro para “readmitir o Irã na comunidade internacional” e perguntou por que o país persa não pode ser potência nuclear “se Israel o é”.
Entrevista ao Estadão – Folha: Palestra no Iuperj – Sérgio Rezende fala a Carta Capital