Publicado originalmente em Seg, 15 de Dezembro de 2008 15:47
Por FC Leite Filho
A 34a. Reunião dos Presidentes do Mercosul, terminada ontem, em Montevidéu, não mereceu grande destaque nos jornais. Ela poderá, no entanto, ter representado um marco no caminho da unidade latino-americana.
Esta meta secular, sempre tida como inatingível, porque, até aqui, vista (e tratada) de um ângulo mais romântico ou ideológico, pode estar se aproximando de ser atingida, justamente por basear-se em elementos mais concretos: os negócios e a melhor exploração das potencialidades regionais, sobretudo a energia.
Foi disto que se convenceram os sete chefes-de-estado (Brasil, Uruguai, Argentina, Venezuela, Chile, Bolívia e Equador), reunidos durante dois dias na aprazível capital uruguaia, ao anunciarem o propósito de cerrar fileiras em torno de um projeto energético próprio. Tal projeto, que poderá redundar, em breve, na redenção econômica, tem potencial para ser a própria liga que estava faltando para viabilizar a união continental.
Antes dispersos e divididos, esses países não tinham a exata noção de como poderiam complementar-se e fortalecer-se com o intercâmbio de suas economias e potencialidades. O gás da Bolívia e os petrodólares da Venezuela, podem ser trocados pelos produtos da pecuária e da agricultura do Uruguai, da Argentina e da indústria e da tecnologia do Brasil. Pode-se não gostar de Hugo Chávez, mas coube a ele demonstrar, de forma pioneira, como esta complementaridade é, não só factível,como altamente benéfica para os países com que vem fazendo negócios.
Como ele diz, a Venezuela tem uma agricultura precária (ainda importa quase tudo o que consome). Já o Uruguai tem uma criação de gado das mais desenvolvidas do mundo. O que ele fez? Trocou petróleo por gado. Uma vaca uruguaia produz uma média de 25 litros de leite por dia, enquanto uma venezuelana mal produz 10 litros, como cita o presidente.
Também importou tratores e outros produtos industrializados da Argentina, país que também auxiliou com financiamentos maciços de sua dívida externa, resgatando-a das mãos gananciosas dos banqueiros e do FMI. Então ele está gastando o dinheiro dos venezuelanos? Não, ele está fazendo negócio lucrativo, porque os juros, ou parte deles, que a Argentina pagaria à banca internacional, está pagando ao tesouro venezuelano.
Os benefícios desses negócios inter-regionais não ficaram aí. Eles arrancaram o Uruguai, a Argentina, a Bolívia, o Equador, Nicarágua e o próprio Chile de uma de suas piores crises, tanto econômicas como energéticas. Na Nicarágua, e outros países da América Central, o aumento das tarifas, causado pela alta do preço do petróleo, foi tão drástico, que estava impedindo a população de andar de ônibus. A maioria da população era obrigada a fazer seus trajetos a pé para o trabalho.
Daí a importância de transformar esses negócios isolados em uma forma sistemática de intercâmbio entre os países latino-americanos, a começar do bloco integrado pelos países membros e associados do Mercosul.
Ainda na reunião de ontem, em Montevidéu, os sete chefes-de-estado manifestaram seu apoio e solidariedade aos governos da Bolívia, país submetido a um processo de desafio da autoridade central por algumas províncias separatistas; e da Argentina e da Venezuela, nações vítimas de impiedosa campanha internacional de intrigas e chantagens.
Todos agora parecem unidos em demarrar o velho sonho de Bolívar, Artigas, San Martin, Vargas, Sandino, Perón e Alvarado de unir todos os países da América do Sul num bloco político e econômico forte para, se afirmando, internacionalmente, dirimir as desigualdades que o fizeram historicamente uma das regiões mais frágeis do planeta.