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A CPMF e eu…

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Publicado originalmente em Seg, 15 de Dezembro de 2008 15:46

Acompanhei de perto toda a discussão sobre a CPMF. Como economista, teria mil razões para desprezá-la como um tributo. Realmente não preenche os requisitos exigidos pela boa técnica tributária. Mas há tempos deixei de ser apenas economista. O mundo real, feito por homens “feitos em desigual”, não comporta simplificações. E toda a ciência é feita de simplificações e sujeita ao aperfeiçoamento por aproximações sucessivas. Mais ainda as Ciências Sociais. Também não acho que se deva ser complascente com o Governo que eleva sistematicamente a participação da arrecadação no Produto Interno Bruto. Nem condescendente com Governos que se deixam tentar pelo gasto público sem limites. Lembro-me, na minha tenra juventude dos conselhos de um velho Mestre da Economia, L. Kalecki, num artigo clássico que influenciou toda a geração que estudou na ESCOLATINA , no Chile – José Serra, Eduardo Kertész, Reinaldo Gonçalves, Paulo Renato Souza, Cláudio Treiguer, Leandro Amaral, Ademar Sato, Frederico Mazzucheli, Claudio Smreczany e tantos outros. Este artigo intitulava-se A diferença fundamental entre as economias desenvolvidas e subdesenvolvidas.

Era um artigo muito simples, mas que elucidava a perversão inflacionária de governos ditos “populistas” na América Latina que recorriam ao mecanismo do déficit público para comprar a simpatia das populações famintas do continente, sem qualquer atenção aos limites da capacidade produtiva de seus respectivos sistemas econômicos. Portanto, o que vou falar sobre a questão da CPMF não tem nada de improvisação. É uma reflexão mesmo. A CPMF foi inventada, no Governo de FHC, como uma emergência, de caráter provisório, para fazer frente à falta de recursos para a Saúde. Isto não tem nada de mais.

No começo do regime militar , em 1964, inventou-se o Salário Educação para fazer frente à educação. No Governo de Vargas, inventou-se o Imposto sindical para financiar a montagem da estrutura sindical no país e as contribuições espúrias ao sistema “S” para dar conta da formação profissional que o processo de industrialização exigia. Ou seja, ao longo do último século sempre se “inventou” alguma forma de arrecadação para cobrir a insuficiência de recursos do Estado. Mas por quê o Estado está sempre sem recursos? Eis a questão. No começo do processo de industrialização o Estado via-se na contingência de intervir na economia como instrumento de promoção do desenvolvimento econômico . Teve um sucesso considerável que fez do modelo brasileiro uma inspiração internacional, embora ao preço de uma forte pressão inflacionária derivada, não de gastos irresponsáveis mas da insuficiência dinâmica da burguesia creolla para associar-se a este processo satisfatoriamente.

O Estado fez tudo e ofereceu-se como um confortável colchão sobre o qual deitaram-se os interesses privados nacionais e internacionais. Nem sequer a mudança de regime, na ditadura, alterou substancialmente este modelo que perduraria até a década de 70 quando duas coisas, não alheias , ocorrem: a crise do petóleo, que eleva o barril de pouco mais de dois dólares para trinta dólares, e a redemocratização do país, inevitável depois do fracasso eleitoral do regime militar em 1974. A crise do petróleo associada à incapacidade do Governo militar em promover os ajustes indispensáveis na economia no devido tempo ( Geisel afirmava que vivíamos numa ilha de tranquila no mar revolto da crise) , levou ao endividamento externo e às pressões inflacionárias inevitáveis. O Governo fingia não haver perda de renda em decorrência da elevação dos preços do petróleo e , com isto, tergiversava sobre a crise com medo de que ela colocasse o regime político em risco.

Paralelamente, proclamava uma distensão “lenta, segura e gradual” de forma a sair “de fininho” da incômoda situação social gerada por mais de dez anos de arrocho salarial , de repressão sobre os movimentos sociais e de contemplação impávida sobre a crescente exlusão social nas agigantadas regiões metropolitanas. Ficou a conta para a Nova Repúlica que quase desanda já nos seus primeiros passos. E junto com a conta do endividamente a percepção de que seria impossível redemocratizar o país se o Estado não se dirigisse para um novo e oneroso papel: de promoção da cidadania. Claro que não poderia fazer as duas coisas: promover o desenvolvimento, ao velho estilo varguista, e construir a cidadania nos moldes exigidos por uma Constituição (88) avançada, depois de tantos anos de repressão à inclusão social.

Sobreveio, então o período Collor, Itamar e FHC, todos, mais ou menos, preocupados com o processo de modernização da indústria nacional no contexto de uma aguda elevação nos padrões da concorrência internacional . Como fazer isto sem um choque mortal no processo inflacionário? E como fazer este choque sem elevar a presença do Estado na economia, ao velho estilo, mas , ao contrário, retirando-o, de forma a liberá-lo para as novas exigências do processo democrático? Fernando Henrique , que pouco entende de economia mas muito entende de sociologia e ciência política, deu a solução. Substitui o endividamente externo pelo endividamento interno, no Plano Real. Este Plano o elegeu duas vezes – em 1990 e 1994 -sem que ninguém se apercebesse do que corria por baixo da ponte. Curiosamente, o período FHC reeditou, em um novo tempo e com novos recursos , o que o General Geisel havia feito na crise do petróleo: endivida o Estado brasileiro ao um limite insuportável. E esta é a nossa triste realidade em termos de finanças públicas. O Estado se esvai não porque gaste muito, seja com investimentos produtivos, salários de seus funcionários, aposentadorias , pensões ou assistência a portadores de deficiência. Mas porque paga juros sobre uma dívida imensa. Ora, diante deste fato, inegável, só há duas alternativas.

Ou intervimos no mercado financeiro de forma a baixar artificialmente a taxa de juros, o que bem poderia ser feito inibindo a entrada de capitais externos de caráter especulativo , já que não estamos mais na vigência de uma crise cambial, ou , cautelosamente, vamos devagar com o andor na certeza de que o santo é de barro. Isto é, vamos levando a política econômica de forma a evitar qualquer pânico sobre os mercados internacionais. E se isto é mais conservador, talvez não seja menos aconselhável, sobretudo para um Governo que tem num líder sindical seu Presidente com clara identificação com a classe trabalhadora, com os movimentos sociais e com a esquerda. Mas , neste caso, precisa “fabricar” recursos, porque os “recursos ordinários” derivados do sistema tributário convencional , está completamente comprometido com o alto custo da dívida pública. E então, convenhamos: A CPMF, que o Lula não inventou, o Salário –Educação que ele talvez nem saiba direito o que é, as contribuições de bilhões ao sistema “S” e outras fontes de recursos menos convencionais não podem ser dispensadas. Mas como o Senado Federal liquidou a CPMF, num confronto que mais tem de político do que propriamente econômico-financeiro, que fazer? Culpar o Ministro de Fazenda pela falta de “timing” na negociação? Culpar o Líder do Governo no Congresso Nacional? Culpar o zeloso Ministro das Relações Institucionais? Ora… Isto não vai adiantar nada. Proponho algo inusitado: Que se aproveite toda a estrutura criada pela CPMF para transformá-la num FUNDO de natureza contábil da União , de adesão voluntária, destinado a financiar a Educação Básica e a Saude Preventina e a Segurança com Cidadania .

A classe média não sente a CPFM. Sente o Imposto de Renda. E gostaria que um dia esse imposto se transformasse num imposto verdadeiramente progressivo, com alíquota de até 50% para salários acima de um teto razoável, digamos cinquenta mil reais, de forma a alivar a alíquota de quem ganha cinco ou dez mil reais e que deixa 27,5% de seus ganhos na folha salariais. Eu, desde já, AUTORIZO, minha fonte pagadora , onde movimento minhas contas, a continuar descontando o CPMF, desde que, é claro, o Poder Executivo o regulamente como uma peça transparente, com Conselho Fiscal integrado pelos seus contribuintes e rigorosa avaliação na sua aplicação. Acho que a vitória do Senado, como diria o Presidente Chavez, foi uma vitória de mierda e que não era nem o lugar , nem o momento para fazer o que fizeram. No dia em não mais existir esta excrescência oligárquica em nosso país , que esbanja em mordomias quase três bilhões anuais, dar-nos-emos conta de que aquele foi um dia ruim para o Senado Federal. (*)Paulo Timm, 63 – Professor da UnB.

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