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Brasil – Estados Unidos: a rivalidade emergente

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(Da Carta Maior) Ao acompanhar a evolução das relações do Brasil com os EUA, no período examinado por Moniz Bandeira, vemos que, de um lado, elas se entrelaçam e incidem sobre a aspiração de parte significativa da elite dirigente brasileira de promover o desenvolvimento industrial. Esta aspiração se confronta periodicamente com a política americana que decorre de sua convicção de que o desenvolvimento brasileiro teria de ser o resultado natural da ação das forças de mercado. Portanto, não necessitaria, nem deveria, ser estimulado ou conduzido pelo Estado brasileiro, a não ser para este adotar políticas de liberalização do comércio exterior e dos fluxos de ingresso e saída de capitais. O artigo é de Samuel Pinheiro Guimarães.
Samuel Pinheiro Guimarães
Prefácio de Samuel Pinheiro Guimarães ao livro “Relações Brasil-EUA no Contexto da Globalização: Rivalidade Emergente” (Editora Senac), de L.A. Moniz Bandeira. O livro dá seqüência ao balanço sobre as relações entre o Brasil e os Estados Unidos, iniciado com a publicação do primeiro volume, dedicado ao estudo da Presença dos EUA no Brasil, e que abarca o tempo histórico que vai desde o Brasil Colônia até a República. Passa pela era Vargas e a queda de Goulart. Este volume – “Rivalidade Emergente” – vai até 1995, mostrando como as relações Brasil-EUA continuam a ser alternadamente amistosas e conflitantes.
Prefácio: Doces Ilusões, Duras Realidades

Veja também: Vídeoentrevista de Samuel ao Café na Política

“Você tem de dar-lhes um tapinha nas costas e fazer com que eles pensem que você gosta deles”.
J.Foster Dulles, Secretário de Estado, 1953-59 (1)

A construção da hegemonia americana

1. Para compreender os episódios que se sucedem nas relações entre o Brasil e os Estados Unidos é necessário examinar a natureza dessas relações. Esta somente pode ser entendida quando vista no contexto da estratégia mundial de política externa americana, traçada e desenvolvida a partir dos resultados da Segunda Guerra Mundial. É preciso notar que, até 1939, a política americana nunca havia sido de fato isolacionista, não intervencionista. Porém, seu ativismo se dirigia e se limitava à conquista do Oeste americano, à incorporação, por compra, de territórios como a Flórida e a Louisiana e, em seguida, à consolidação da área de influência no grande “mar americano”, o Caribe. O México perdeu 2/3 de seu território para os Estados Unidos na guerra de 1846/48, provocada pelos Estados Unidos. A Nicarágua foi ocupada militarmente pelos Estados Unidos durante 21 anos; o Haiti, durante 19 anos. Cuba, Filipinas e Porto Rico foram ocupados após a derrota da Espanha na guerra provocada pelos Estados Unidos, em 1898. Ao final, os Estados Unidos haviam, praticamente, eliminado a presença e a influência das potências européias na região.

Somente após 1945 os Estados Unidos deixariam de ser uma potência regional e passariam a ser uma potência com interesses mundiais, i.e. uma potência com interesses em cada continente, quase se poderia dizer em cada Estado. É verdade que a expedição do Comandante Perry ao Japão, em 1848, assim como o apoio às atividades missionárias na China, anunciavam o interesse americano pela Ásia. Mas era na Ásia incipiente essa presença.

2. Após a Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos emergiram como a maior potência militar, política, econômica, tecnológica e ideológica do mundo. Essa hegemonia era absoluta diante das nações derrotadas, destruídas e ocupadas, Alemanha, Japão e Itália; de extensos impérios coloniais, desmoralizados e combalidos, o francês e o britânico; de uma potência rival, em termos de organização social, política e econômica, a União Soviética, forte pela ocupação da Europa Oriental e debilitada pela devastação nazista, que deixara 20 milhões de mortos, e a economia abalada pelo esforço de guerra. A capacidade que parecia ter a União Soviética de competir e de enfrentar os Estados Unidos, e que parecia se tornar cada vez mais irresistível com a expansão do campo socialista após 1945, era aparente, como iria se revelar aos poucos, até culminar com a derrota pacífica, em 1991.

3. Diante desse extraordinário e glorioso, porém desafiador cenário mundial de 1945 os Estados Unidos viriam a definir os grandes objetivos e as grandes diretrizes de sua política externa. Em síntese, esses objetivos eram e são: manter e ampliar sua hegemonia política; manter e ampliar sua hegemonia militar; manter e ampliar sua hegemonia econômica; manter e ampliar sua hegemonia ideológica.

4. Em 1945, a decisão estratégica fundamental adotada pelos Estados Unidos foi preferir criar um sistema de organismos internacionais para, através deles, promover e manter sua hegemonia e expandir seus ideais, ao invés de procurar fazê-lo diretamente, o que implicaria elevadíssimos custos e o freqüente uso de força militar. Esses organismos viriam a ser de caráter universal, como as Nações Unidas e suas agências, inclusive o Fundo Monetário Internacional – FMI e o Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento – BIRD; ou de caráter regional, tais como a Organização dos Estados Americanos – OEA, a Organização do Tratado do Atlântico Norte – OTAN, o Tratado de Segurança Austrália, Nova Zelândia, Estados Unidos – ANZUS e a Organização do Tratado do Sudeste Asiático – SEATO, ou de caráter bilateral. Todos, de uma forma ou de outra, com sua origem na experiência do passado e nos ideais americanos de governança mundial, defendidos por Woodrow Wilson, em 1919, e incorporados ao tratado que criou a Liga das Nações, rejeitado pelo Senado americano. O pano de fundo dessa estratégia viria ser o confronto com a União Soviética, (que detonaria a arma nuclear em 1949), com base na Doutrina Truman, de contenção do comunismo, inspirada nas idéias de George Kennan, em seu artigo assinado Mr. X, publicado em 1947. (Continua em Carta Maior)

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