Fomos ao Irã – III (*) – Por FC Leite Filho
O Irã diz que seu turismo cresceu 37%, alcançando 3,7 milhões de visitantes, em 2010. Uma boa taxa, mas ainda muito distante para alcançar o pique da vizinha Turquia, com seus mais de 20 milhões anuais. Para recuperar o tempo perdido, consumido na bonança do petróleo, de que é o segundo maior produtor no mundo, os iranianos estão oferecendo: o turismo mais barato e mais seguro do mundo para os seus quase um milhão de sítios arqueológicos. Os atentados, campos de treinamento e conspiratas, se ocorrem, não chegam a afetar a paisagem das cidades.
Verdade? Bom, se comparado com a Turquia, como podemos pessoalmente verificar, eles têm razão. Ao descermos no aeroporto de Istambul, na escala para Teerã, nos surpreendemos com o cafezinho expresso cobrado a seis dólares, mais do triplo do que é cobrado na capital dos antigos persas. Lá a alimentação e a diária dos hotéis também chegam a ser inifinitamente menores. Vimos hotéis de quatro e até cinco estrelas cobrar 100 dólares, enquanto uma salada season, saía a 4,2 dólares. As ligações telefônicas custam quase dez vezes menos e não apenas as locais ou de dentro para fora do país. As de fora para dentro, também, como atesta anúncio do serviço inglês PocketDialUK.com, que oferece chamadas a seis centavos de libra por minuto.
Quanto à segurança, a menos que os Estados Unidos ou Israel cumpram a apocalíptica ameaça de lá jogar uma bomba atômica, as cidades vivem uma placidez bucólica, mesmo enfrentando o excesso de carros nas ruas. Você realmente se solta ao misturar-se aos iranianos e caminhar pelos majestosos parques, jardins, bosques, praças e monumentos, que o país cultiva com uma pachorra muito própria das sociedades milenares.
Eles passeiam até altas horas por essas alamedas floridas, hidratadas pelos esguichos das fontes de água, que canalizam secularmente desde as montanhas, e aliviam docemente o calor do deserto e a relativa baixa humidade. A sós, acompanhados, com os amigos ou a família, eles fazem piqueniques, serenatas, ou mesmo arruaças no meio dos jovens mais excitados. Tudo na base do chá, do café ou do suco. No máximo, se permitem inalar o narguilê, o cachimbo árabe para tragar líquido. É que a bebida alcoólica, incluído o vinho, é terminantemente proibido, em lugares públicos ou fechados. Outra exigência: as mulheres são obrigadas a usar o hijab (véu na cabeça), ainda que possam andar desacompanhadas, fumar e dirigir automóveis (algo que não é permitido, no rígido sistema religiosos da Arábia Saudita).
As autoridades são rigorosas em manter essas objeções, as quais, não obstante, veem-se relaxadas nos últimos anos. Alegam que a religião islâmica, aprovada em referendum popular por 98%, juntamente com seu código de conduta, no primeiro ano da Revolução, em 1979, formam um fator de unidade nacional. É com esta unidade, dizem, que eles conseguiram consolidar o país, depois de anos de dilapidação do antigo regime do Xá Reza Pahlevi, e superar as severas sanções e as campanhas de difamação desatadas pelas grandes potências.
Igual postura as autoridades revelam quanto à lentidão dos serviços de internet, que não considera contratempo sério para o turista, pois, como comenta o vice-secretário de Turismo Shahbaz Yazdam, ser este um problema de algumas regiões, como a Amazônia, no Brasil, ainda dependente das conexões discadas, e onde ele esteve duas vezes ultimamente. No esforço de incrementar o turismo entre os dois países, Yazdam manifestou a esperança de contar com uma linha aérea Irã-Brasil, em futuro não muito distante. Por falar em internet, os iranianos não parecem inclinados a suspender a censura às redes sociais, como o Twitter e o Facebook, e sites hostis ao regime, sobretudo agora que aqueles endereços estão impulsinando as rebeliões na Síria.
O instinto gregário desse povo é algo inacreditável para nós brasileiros, ou ocidentais, de um modo geral, habituados ao lazer no ambiente fechado dos shoppings ou dos bares e cafés, quando queremos evitar a insegurança ou a poluição das praias. Eles dizem focar os cuidados na família e não no indivíduo, numa alusão ao estímulo ao personalismo ocidental. Outro costume muito em voga é frequentar as nababescas casas de chá, restaurantes e grandes hotéis, na maioria abertos ao público. Caso típico é o Hotel Abbassi. Datado do século XVII e localizado na zona urbana da cidade histórica de Esfahan, esse pedaço de paraíso em pleno deserto, com 216 acomodações, tem seus serviços de chá e restaurante com acesso livre a qualquer pessoa, inclusive estrangeira.
Concebido para as antigas caravanas dos viajantes a camelo e a cavalo, que faziam a parada na cidade na cruzada do deserto, o Abbassi é outro exemplo de turismo espantosamente barato. Segundo seu site oficial (clique aqui), a diária inicial é de 93 dólares para quarto de solteiro e 137, o de casal. Mas o habitante da cidade ou visitante não precisa hospedar-se para desfrutar de algumas das maravilhas do hotel. Ele ou ela ou eles podem entrar e pedir seu chá, café, ou jantar, também cotados a preços módicos. Ou, se não quiser gastar, pode passear livremente pelos seus majestosos aposentos, salões e jardins babilônicos. (Veja outras imagens do hotel, inclusive uma de Luis Ferreira, clicando aqui para o site iranatagalce.com). Já os museus e monumentos, tão ou mais suntuosos e ricos em história quanto os de Paris e Londres, cobram a bagatela de 30 centavos de dólar a entrada.
As ruínas das cidades extintas, como Persépolis e Pasárgada, fundados respectivamente por Dario e Ciro, que conhecemos desde criança nos livros escolares de história geral, são outro tesouro a explorar. E as mesquitas? Espalhadas por todos os platôs do país, elas são, mais que templos da religião maometanas, grandes monumentos à arquitetura, à acustica e à paz dos povos.
Turismo Saúde – Os iranianos ainda se orgulham de seus alimentos, que dizem estar todos livres dos transgênicos, dada a severa proibição em lei, neste sentido. Tal restrição, junto com outras na fiscalização severa do uso do agrotóxico, torna o país, segundo eles, um dos com menores índices de câncer e de outras doenças graves. Por falar em saúde, eles também tem uma modalidade de turismo saúde, pelo qual, o turista vai lá, para passear e também tratar do corpo e da mente.
Argumentam que o tratamento é barato e os especialistas, e os médicos, particularmente, em cirurgia do coração, são dos mais capacitados do mundo. Eles ainda dispõem de uma rede de 500 spas aquáticos, muito procurados por turistas de vários países. Segundo um guia turístico oficial, a temperatura quente das fontes de águas minerais não cedem às variações do clima externo, as quais, em algumas regiões, podem atingir até 30 graus abaixo de zero. No geral, porém, a temperatura varia, entre 15 a 37 graus Celsius no verão (ao contrário do Kwait ou Iraque, quando sobem a mais de 50o.) e até menos 10, no inverno. Na primavera, a temperatura fica fica amena e não ultrapassa os 30 graus.
Vistos de entrada – As inscrições para vistos de turista podem ser feitas pela internet, através do site do Ministério de Relações Exteriores e Aeroportos (www.evisa.iran). O interessado terá de preencher um formulário, mandar cópia do passaporte e uma foto 3×4 atualizada.
Nossa viagem, que tinha o caráter mais político, já que os grupo de blogueiros progressistas de Brasília, é voltado para a realidade dos povos em busca da emancipação, foi também brindada com um percurso pelas cidades históricas. Nossos anfitriões insistiam em mostrar que não são os fanáticos ou sectários em política, como lhes retratam as grandes cadeias midiáticas. Por isso, se fartaram em mostrar suas relíquias históricas e seu saudável way of life. Chegamos a Teerã, a capital, no dia 11 de abril último, depois de uma viagem de 13 horas até Istambul e mais duas horas e meia noutro vôo para a capital iraniana.
Lá, além de contatos políticos com autoridades, fomos levados aos suntuosos complexos de palácios do deposto Xá Reza Pahlevi e da imperatriz Farah Diba, no meio de jardins paradisíacos, onde não resistimos a uma foto em conjunto. Didividos em palácios de inverno e verão, nos arredores de Teerã, a visita pareceu querer mostrar o fausto em que viviam os antigos governantes, em contraste com a vida quase monástica em que vivem os dirigientes de hoje – o supremo líder Aiatolá Ali Khamenei e o presidente Mahmoud Ahmadinejad. Deveríamos também visitar a torre de televisão Milad, de 435 metros, tendo por fundo as montanhas congeladas de Alborz. Não deu certo, porque a torre estava em manutenção, segundo nos disseram. Foi uma pena, porque, de lá poderíamos descortinar excelente panorama daquela cidade de corte oriental.
Xiraz e Persépolis – De Teerã, saímos num vôo de 40 minutos para Xiraz, ex-capital do país, centro agrícola e industrial e onde se situam as ruínas de Persépolis, a capital dos persas, destruída por Alexandre Magno, da Macedônia. Fundada por Dario, em 518 AC, Persépolis foi a capital do Império Achaemenid, num imenso terraço, metade artificial e metade natural, onde o rei dos reis criou um imponente palácio, espelhado nos modelos mesopotâmios. A importância e qualidade dessas ruinas monumentais fazem dele uma relíquia aequeológica.
As ruínas de Parságada, que para nós ficou marcada no poema de Manuel Bandeira (Vou-me embora pra Pasárgada Lá sou amigo do rei. Lá tenho a mulher que eu quero. Na cama que escolherei.) estava em nosso roteiro, mas não foi cumprida por falta de tempo. Lamentamos, porque ali está o que foi a primeira capital dos Achaemenid, fundada por Ciro II, o grande, no século VI antes de Cristo. Seus palácios, jardins e mausoléus de Ciro são considerados exemplos marcantes da civilização persa.
Foi também em Xiraz que conhecemos o jardim em homenagem ao Poeta Hafez, lírico e místico persa, nascido entre 1310 e 1337, naquela antiga capital. Suas obras são encontradas na maioria dos lares, quando os iranianos decoram seus poemas e os utilizam na conversação ou em suas reflexões. Lá é que descobrimos o interesse do povo pela cultura e o carinho com que trata seus poetas e heróis. O jardim de Hafez, que também abriga seu túmulo, consiste num complexo artesanal, com oficinas e workshops, onde as obras são produzidas na frente dos visitantes. Pessoas de todas as idades passam tardes e noites se deleitando nas suas alamedas, casas de chá e museus. De Xiraz, fomos para Esfahan, de onde seguimos para Yazd e de lá retornamos para Teerã, onde permanecemos até 19 de abril de 2011.
(Entre 11 e 19 de abril de 2011, um grupo de jornalistas blogueiros independentes de Brasília viajou por Teerã, Sihaz, Esfahan e Yazd para conhecer a realidade iraniana.)
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