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Crítica do filme “Nine”

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(Publicado originalmente em Qui, 04 de Fevereiro de 2010 13:17)

Por Reynaldo Domingos Ferreira. Veja aqui o trailer.

Os problemas existenciais de Federico Fellini inspiram o cineasta e coreógrafo Rob Marshall a realizar, em Nine, um dos mais fabulosos musicais dos últimos tempos, no qual ele usa um elenco de lindas mulheres, belas canções, um ator completo e duplicidade de cores, para mostrar como o mundo fictício do cinema pode levar seus realizadores a sacrificar os que amam e a perder a noção da realidade.

Com base em Oito E Meio, de Fellini, que originou o musical Nine da Broadway, de Arthur Kopit e Maury Yeston, Anthony Minghella (O Paciente Inglês) e Michael Tolkin  escreveram o roteiro, entregue pelo primeiro a Marshall (Chicago) pouco antes de dar entrada no hospital, onde viria a falecer. Por isso, a película é uma merecida homenagem póstuma a ele, que foi também um dos melhores diretores de ópera do Metropolitan de Nova York.

O filme, sem relegar a estrutura do musical – o que é importante ser observado -, narra a história de um cineasta famoso da Itália, Guido Contini (Daniel Day-Lewis), que enfrenta a chamada crise da meia-idade, cujos efeitos acabam por afetar a sua criatividade. Ao se preparar para realizar um novo trabalho nos estúdios da Cinecitta, após alguns fracassos contabilizados, Guido tem de avaliar como sua vida está sufocada pela presença, que se lhe torna atordoante, e pode até matá-lo, de muitas mulheres.

A primeira é a esposa, Luisa (Marion Cotillard), paciente, cordata, que sacrifica sua vida de atriz, para estar sempre em casa a fim de lhe dar apoio, quando este lhe é solicitado. A segunda é a figurinista Lilli (Judi Dench), também uma confidente, que o orienta sobre como deve se posicionar nos conflitos em que se mete. A terceira é a amante, Carla (Penélope Cruz), que despreza o marido para ser, em relação a ele, absorvedora e possessiva. A quarta é a sua musa inspiradora Claudia (Nicole Kidman), impositora, que lhe exige o roteiro pronto. A Mamma (Sophia Loren) é a quinta que, embora morta, é presença constante, avassaladora, em sua vida. E ainda existe a Saraghina, figura mais remota, uma prostituta, dos tempos em que Guido era criança, interpretada pela cantora Stacy Ferguson, da banda Black Eyed Peas.

Usando linguagem subjetiva, em que se mesclam presente e passado, Marshall, para expressar o que se passa no interior de Guido, contrapõe, com brilhantismo, o preto e branco (a fotografia é, às vezes, desfocada ou excessivamente granulada) e o colorido. Além disso, ele explora a soberba coreografia, que cria, sob os efeitos de uma iluminação bem planejada e aplica, com técnica teatral – para chegar, como ele explica, à teatralidade do universo de Fellini -, a sobreposição de imagens em projeções feitas ante um fundo neutro.

Mas a grande magia da direção de Marshall se baseia, sem dúvida, na atuação do
magnífico elenco que conseguiu reunir:  de sonho, segundo suas palavras. A começar de Judi Dench no papel de Lilli, figurinista, egressa do Folies Bergères, que se apresenta num número musical, cantando e dançando, com categoria. Dench impõe ainda muita presença na cena em que Lilli encontra Guido, de barba por fazer e cabelos grisalhos, deprimido, sentindo, como Zampanô (personagem de La Strada, de Fellini), a falta de Luisa, e o convence então a voltar às filmagens.

Outra presença marcante é a de Marion Cotillard, agora de rosto limpo, bonito, sem a maquiagem deformante que usara para interpretar  La Piaf, no papel de Luisa ao qual impõe sua personalidade de atriz e ainda canta duas belas canções, especialmente a última: Take It All. Penélope Cruz é a atormentada Carla, bonita e sensual, que se desespera, mas que tem também uma excelente atuação musical. Nicole Kidman, como a musa Claudia, já dirigida por Marshall, sabe aproveitar  a oportunidade para exibir apenas sua beleza. Sophia Loren, ainda bonita, compõe bem a personagem da Mamma tirana. A grande surpresa se dá com a apresentação de Kate Hudson, no papel da jornalista Stephanie, cantando uma das canções mais alegres e ritmadas da película: Cinema Italiano.

Daniel Day-Lewis demonstra, uma vez mais, sua versatilidade ao interpretar o papel de Guido Contini, que se diferencia muito da figura complexa (e abominável) de Daniel Plainview, visionário prospector de petróleo, de Sangue Negro, de Paul Thomas Anderson, sua última atuação. Para compor Contini, o ator se pautou certamente em  seu trabalho mais antigo, a personificação do médico-cirurgião Tomas, também inebriado por mulheres, que vivia na então Tchecoslováquia dominada pelos soviéticos, em A Insustentável Leveza do Ser, de Philip Kaufman. Guido, além de cantar (Guido´s Song e I Can´t Make This Movie) e dançar, numa entrevista à imprensa, diz o que é um filme: É um sonho, que se começa a matar, quando se inicia a escrever o roteiro. Depois, o processo continua até que chega o momento da montagem. É a partir de então que o sonho se recompõe!…
REYNALDO DOMINGOS FERREIRA

FICHA TÉCNICA

NINE
EUA/2009
Duração – 118 minutos
Direção – Rob Marshall
Roteiro – Anthony Minghella,Michael Tolkin, baseado no musical Nine, de Arthur Kopit e Maury Yeston sobre o filme Oito e Meio de Federico Fellini
Produção – Rob Marshall, Marc Platt, Harvey Weinstein, Maury Yeston, John De Luca
Fotografia – Dion Beebe
Música Original – Andrea Guerra e Maury Yeston
Edição – Claire Simpson e Wyatt Smith

Elenco – Daniel Day-Lewis (Guido Contini), Marion Cotillard ( Luisa), Penélope Cruz (Carla), Judi Dench (Lilli), Nicole Kidman (Claudia), Sophia Loren (Mamma) Kate Hudson (Stephanie), Stacy Fergson (Saraghina).

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