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Crítica do filme “Rio Congelado”

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(Publicado originalmente em Seg, 08 de Junho de 2009 19:20)

Por Reynaldo Domingos Ferreira

Veja aqui o trailer.

A estreante cineasta Courtney Hunt expõe, em Rio Congelado, um quadro constrangedor da miséria americana, ao narrar a história de duas mulheres, de mundos diferentes – uma branca e uma indígena –, que se unem, às vésperas das comemorações natalinas, na luta desesperadora  pela sobrevivência dos filhos.

Autora do roteiro e diretora, Hunt situa o drama das duas mães num lugarejo da região norte do Estado de Nova York, perto da reserva indígena St. Regis Mohawk e da fronteira com o Canadá, onde as condições climáticas, no inverno, são arrasadoras.

O filme, de baixo orçamento – custou pouco mais de US$ 4 milhões -, além de ganhar o Grande Prêmio do Festival de Sundance no gênero drama, obteve duas indicações ao Oscar da Academia, nas categorias de Roteiro Original e de Melhor Atriz do Ano.
Hunt usa linguagem documental, trabalhando com a câmara manual de Reed Dawson Morano, que capta, como manda o figurino de origem européia, as imagens o mais rente possível das personagens. Os planos são quase sempre fechados, e a trilha sonora de Peter Golub e Shazad Ali Smaily, de bom gosto, sublinha de forma satisfatória os momentos mais dramáticos do filme.
Ray Eddy (Melissa Leo) trabalha como vendedora de uma pequena loja de departamento, constituindo, com o pouco que ganha, uma poupança para comprar a casa própria. Mas o marido, jogador inveterado, de repente, some de casa levando o dinheiro e deixando-a  com os dois filhos menores para sustentar.
Ao inicio do filme, Ray aguarda, desalentada, na porta do trailer em que vive, os cobradores da imobiliária que lhe vêm exigir o pagamento da prestação vencida da casa. Advertida de que poderá perder o sinal já dado, ela pede tempo para procurar o companheiro, que, ao que diz, tem o dinheiro necessário para cumprir o compromisso.
Na peregrinação que faz por pontos de jogatina do lugarejo, Ray encontra Lila Littlewolf (Misty Ulpham), uma indígena, dirigindo o carro do seu marido. Ela parte em perseguição a Lila e, após a abordagem, fica sabendo que ela encontrara o veículo abandonado junto à estação rodoviária, o que lhe dá confirmação de que ele partira.
As duas mulheres confidenciam suas dificuldades, tendo em vista o fato de que o filho da indígena, ainda de colo, fora arrebatado pela sogra, já que ela não tinha condições de criá-lo. Diante disso, Ray e Lila decidem empreender viagens arriscadas, no carro da primeira, transportando imigrantes ilegais, do Canadá para os EUA, pela superfície congelada do rio St. Lawrence.
Não fosse o episódio da bagagem de um casal de paquistaneses deixada pelo caminho, inserido de forma gratuita, o roteiro de Hunt é muito bom e original. Em suas entrelinhas, dá azo ao espectador de observar como a luta pela sobrevivência é capaz de levar duas criaturas, separadas pelo ódio da segregação racial, a se solidarizarem. E deixa evidente também, aos que ainda insistem em não querer ver, como é importante que se respeite a jurisdição dos  indígenas sobre os seus territórios demarcados.
Como diretora, Hunt surpreende pelo domínio da linguagem e principalmente pela técnica de dirigir atores, extraindo deles interpretações que dão ao filme a categoria de uma grande obra. A primeira delas é a de Melissa Leo, atriz relegada até agora a papéis secundários –  sua última aparição foi como esposa de Benício Del Toro em 41 Gramas, de Alejandro Gonzalez Iñarritu -, que encontrou no papel de Ray a esperada oportunidade de se projetar e até mesmo de ser indicada ao Oscar de Melhor Atriz do Ano.
A atuação de Melissa é realmente soberba pela maneira como sabe explorar a linguagem dos olhos e do rosto em complementação à sua expressão física. É tudo detalhado, embora a atriz consiga obter isso de forma muito sutil.
Para reforçar, por exemplo, o sentimento de angústia reprimida de Ray, a intérprete não cai, em momento algum, no descontrole de gestos e de movimentos, preferindo  apoiar-se, antes de tudo, no recurso das pausas psicológicas.
Mas é preciso notar também que Misty Ulpham, intérprete da indígena Lila, propicia as condições ideais para que Melissa explore ao máximo as sequências dramáticas em que ambas contracenam. Ulpham tem também atuação marcante caracterizada principalmente pela firme convicção que transfere à personagem de que não pode ultrapassar os seus limites. E Charlie  McDermott, que interpreta o papel de Troy Eddy, filho mais velho de Ray, embora ainda muito jovem, demonstra  maturidade técnica surpreendente. Tanto Ulpham como McDermott mereceram, sem dúvida, as diversas indicações que receberam para premiações internacionais destinadas a atores coadjuvantes.

REYNALDO DOMINGOS FERREIRA

FICHA TÉCNICA
RIO CONGELADO
FROZEN RIVER
EUA/2008
Duração – 98 minutos
Direção – Courtney Hunt
Roteiro – Courtney Hunt
Produção – Heather Era e Chip Hourithan
Fotografia – Reed Dawson Morano
Trilha Sonora – Peter Golub e Shazad Ali Smaily
Edição – Kate Williams
Elenco – Melissa Leo (Ray Eddy), Misty Ulpham (Lila Littlewolf), Charlie McDermott (Troy Eddy), Michael O´Keefe (Finnerty), James Reilly (Rick Eddy),  Jay Klaitz (Guy Versailles)

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