O embaixador do Irã, em Brasília, Mohsen Shaterzadeh Yazdi, despede-se de Brasília, no dia 18 deste, após quatro anos no país, quando nossas relações com o país persa experimentou grande evolução, inclusive com a histórica Declaração de Teerã, em 2010, assinada pelos presidentes Lula da Silva, do Brasil, Mahmoud Ahmadnejad, do Irã, e Recep Tayyp Erdogan, da Turquia. Shaterzadeh Yazdi, engenheiro de materiais e detentor de imensa cultura, é um entusiasta da política de integração que o Brasil e o Irã se viram inseridos como atores determinantes, depois da eleição dos presidentes progressistas, a começar da Venezuela, em 1999. A partir daí, os países cuidaram de integrar-se, primeiro em suas reginões e continentes e depois com os países emergentes de todos os quadrantes do mundo, na relação chamada Sul-Sul. O embaixador iraniano ainda tem a comemorar o fato que o Irã é o nosso maior importador de carne, tendo ultrapassado a Rússia, no ano passado. No vídeo acima, o embaixador dá uma entrevista a Beto Almeida, a TV Cidade Livre de Brasília, Canal 8 da Net (só DF), sobre o primeiro ano da Declaração de Teerã. Particparam da entrevista os professores da UnB Hélio Doyle e Fámaro Durval.
Entrevista – Em 22 de dezembro último, ele concedeu uma entrevista aos repórteres Rodrigo Craveio e Tatiana Sabadine, do site do Correio Braziliense, que reproduzimos a seguir:
Mohsen Shaterzadeh Yazdi comanda a Embaixada da República Islâmica do Irã desde 2008. O diplomata de 52 anos, doutor em engenharia de materiais, é um homem que não teme se envolver em polêmica. Durante pouco mais de uma hora, recebeu o Correio e tratou de assuntos delicados, como a relação com Israel, o programa nuclear iraniano e a política de execuções do regime. “Somente existem em nosso país 150 mil mísseis. Basta um único movimento de Israel para que esse país seja destruído”, alertou, ao responder sobre o risco de um ataque unilateral às suas instalações nucleares, por parte do Estado hebraico. O embaixador garantiu que Teerã não abrirá mão do enriquecimento de urânio e classificou o programa nuclear de “orgulho nacional”. Segundo Mohsen, o Ocidente foi o grande prejudicado pelas sanções impostas ao regime do presidente Mahmud Ahmadinejad. “Hoje em dia, o nosso volume comercial com o Ocidente diminuiu de 60% para 40%”, revelou. O representante do governo iraniano em Brasília chamou a Primavera Árabe de “Despertar Islâmico” e assegurou que os países do Oriente Médio cada vez mais se voltam para o islã. Sobre a recente captura de um avião-espião norte-americano por parte da Guarda Revolucionária Iraniana, o embaixador advertiu: “As informações ultrassecretas decifradas dessa aeronave causarão alguns danos à reputação dos EUA no mundo”. Ele enalteceu as relações bilaterais entre Brasil e Irã e disse que o fluxo comercial aumentou em 80% apenas em 2010. “É uma situação sem precedentes nos últimos 100 anos”, comemorou.
Analistas e governos ocidentais acusam o Irã de fabricar armas nucleares. Por que o programa de enriquecimento de urânio de Teerã é tão polêmico?
Em nome de Deus, nós não temos nenhum plano militar na área de atividades nucleares e nem precisamos. Nunca produzimos tais armamentos nucleares. Todas essas notícias relacionadas a isso são mentiras. O que estamos desenvolvendo no país é aproveitar dessa ciência nuclear para o bem-estar do nosso povo e para o progresso do país. Com base em nossa juventude, muito talentosa, aproveitamos também dos nossos jovens cientistas para desenvolver essas tecnologias no país. Eu acho que nós podemos aproveitar dessa tecnologia em campos diferentes da ciência — na medicina, na indústria, na agricultura — e em outras necessidades humanas. Precisamos de energia. Por que não usamos atualmente esse combustível, considerado uma energia limpa? Sabemos, por exemplo, das poluições provocadas pelo uso dos combustíveis fósseis. Por que eles (o Ocidente) não criticam um país como Israel, sabendo que ele possui mais de 220 ogivas nucleares e não é membro do Tratado de Não-Proliferação? Por que eles não criticam esse país? Esse é um lema que nós sempre defendemos: a energia nuclear para todo o mundo e armamentos nucleares para ninguém. Trabalhamos muito para um desarmamento. Recentemente, foi aprovada uma resolução na Assembleia Geral da ONU sobre desarmamento que, aliás, um dos países que trabalhou bastante nessa área foi o Irã. Por isso, tenha certeza de que essa questão busca desviar a atenção e é uma falsa notícia.
Que impactos as sanções impostas pelo Ocidente terão sobre o seu país?
Essas sanções não são um assunto novo. Há 30 anos sofremos por essas restrições. Sabemos que durante esse período, sempre o Irã se fortaleceu e, em contrapartida, verificamos fraqueza nas posições de países como os Estados Unidos e do Ocidente. Somente para entender a situação, eu posso indicar alguns índices de desenvolvimento do Irã. Desde 2006, quando foi aprovada a primeira resolução contra o Irã, a Bolsa de Valores aumentou cerca de 230%, ao contrário de outras bolsas de países ocidentais, que se encontravam sempre em queda. Até durante esse tempo, conseguimos lançar três satélites. Registramos relevantes desenvolvimentos em outras áreas da ciência, como nanotecnologia, biotecnologia, tecnologia de informação e comunicação. Podemos dizer que, nesse ponto de vista científico e tecnológico, conseguimos chegar ao topo no Oriente Médio. Somente no ano passado, nosso comércio exterior teve um aumento de 36%, comparado a 2009. E podemos dizer que, nesses últimos dois anos, o comércio exterior iraniano teve um aumento de 50%. Eu acho que quem ficou mais prejudicado nesses acontecimentos foi o Ocidente, porque a nossa primeira reação foi tirar nossos recursos financeiros dos países ocidentais e levar para outros locais. Hoje em dia, nossas relações com o Ocidente diminuíram de 60% do nosso volume comercial para 40%. Em contrapartida, nossas relações com outros países, como os asiáticos, registraram um aumento de mais de 40%. No ano passado, somente com o Brasil, tivemos um aumento de 80% no volume total de nossas relações comerciais. O volume de nosso comércio exterior ultrapassa os US$ 170 bilhões. É um volume que não pode ser desconsiderado. O petróleo iraniano é muito importante para Itália, Grécia e Espanha. Nós não estamos preocupados com essas restrições e sabemos que são um instrumento ultrapassado. Eu acho que a solução principal é respeitar as nações e os povos e encontrar interesses comuns para o desenvolvimento desses países.
Na semana passada, o Irã anunciou a captura de um avião-espião dos EUA. O presidente Barack Obama pediu o aparelho de volta e Teerã anunciou que estaria decodificando a aeronave. Esse incidente pode isolar ainda mais o Irã?
Eu acho que, pelo contrário, isso mostra o poder iraniano. Sabemos que há 30 anos também houve outra tentativa, por parte dos EUA, de invasão do espaço aéreo iraniano. Mas eles não conseguiram e fracassaram. Isso ocorreu no Deserto de Tabaz. Durante essas três décadas, eles sempre agrediram o espaço aéreo e marítimo de meu país. Houve várias notas de protesto perante essas agressões. Esses tipos de violações são contrários a todos os regulamentos e leis internacionais, e as convenções internacionais. Nossa expectativa é de que todos os países condenem esse tipo de agressão. Ter acesso a esse avião não-tripulado, muito desenvolvido e muito moderno dos EUA, de certa forma demonstra humilhação desse país com a nação de cientistas e desenvolvida como o Irã. Obama tem que pedir desculpas ao povo iraniano. Não deveria pedir a devolução desse avião. Ele já ultrapassou os limites do espaço aéreo iraniano para fazer espionagem. Certamente, as informações ultrassecretas decifradas desse avião causarão alguns danos à reputação dos EUA no mundo. Por isso, eles têm que esperar consequências dessas agressões, respondendo perante o mundo.
Nos últimos meses, a retórica belicista de Israel em relação ao Irã tem aumentado. Israel não descarta uma ação unilateral militar contra instalações nucleares iranianas. Quais seriam as consequêncas de uma intervenção internacional armada?
Sobre Israel, acho que Israel é muito inferior. Somente existem em nosso país 150 mil mísseis. Basta um único movimento de Israel para que esse país seja destruído. Eu acho que eles não praticam esse erro. Sobre um ataque internacional, isso não acontece, porque o mundo sabe da importância iraniana e dos impactos dessas ações contra o Irã. No nosso país, sempre estamos prontos a responder a todos esses tipos de agressões. Nunca atacamos nenhum país, mas sempre respondemos fortemente e de forma ao agressor se arrepender. Certamente, quem pensar em atacar o Irã se arrependerá.
O Irã abriria mão do programa de enriquecimento de urânio ou isso está fora de cogitação?
O programa nuclear iraniano está ligado diretamente ao orgulho nacional. Toda a população iraniana — jovens, opositores, governistas, moradores das aldeias ou das áreas urbanas — apoia o desenvolvimento do programa nuclear. Nunca, nunca suspenderemos esse programa. Ele nunca será enfraquecido. Nossas atividades são monitoradas pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). Respeitaremos todos os regulamentos. O monitoramento da AIEA existe em qualquer parte de nossas instalações. Mais de 100 visitas-relâmpagos da AIEA já ocorreram. Nunca desistiremos de nosso legítimo direito de desenvolvimento da ciência. Esse é o nosso direito. Temos capacidade para isso, temos cientistas para isso, temos matérias-primas para esse desenvolvimento científico.
Nos últimos meses, as agências de notícias relataram um conflito envolvendo o presidente Mahmud Ahmadinejad e o aiatolá Ali Khamenei. O governo iraniano enfrenta uma crise?
O problema principal é que, passados 32 anos da Revolução Islâmica, ainda o Ocidente não conhece a sociedade iraniana. Não conhece ainda a profundidade do pensamento iraniano. Sempre foram feitos comentários errados. Esse pode ser um desses erros. Quem conhece a Constituição iraniana, a crença e as convicções iranianas, sabe perfeitamente que nunca poderiam existir e nunca existirão conflitos entre o presidente e o líder. Hoje, não existe nenhuma diferença entre eles.
O senhor vê algum impacto da Primavera Árabe na sociedade e na política do Irã?
Em primeiro lugar, tenho que frisar que nós não chamamos esse grande movimento por parte da população muçulmana na região de Primavera Árabe. O nome que escolhemos para esses levantes é o Despertar Islâmico. O Oriente Médio está recuperando a identidade islâmica. Há dezenas de anos, sabemos que existiram ditadores apoiados e impostos pelo Ocidente. O povo procura hoje em dia os seus direitos e quer voltar para a sua identidade. E essa identidade é islâmica. Basta olhar os resultados das eleições, por exemplo, no Egito. Os partidos islâmicos foram vencedores. Na Tunísia, a situação é a mesma. Até no Marrocos, um país monárquico, os partidos islâmicos ganharam mais. A força na Palestina está nas mãos dos grupos islâmicos. Os movimentos que se encontram em Amã (Jordânia) são islâmicos. No Barein, a situação é a mesma. É contra a corrupção, contra a opressão e contra a presença das forças ocidentais. Nós consideramos o fenômeno uma continuação do movimento da Revolução Islâmica que ocorreu no Irã. Isso não significa que queremos o mesmo modelo iraniano para outros países. Certamente, cada governo e cada Estado podem escolher um governo islâmico para governar. Eu posso enfatizar, nesse ponto, que num futuro próximo, podemos testemunhar a criação de um forte bloco islâmico na região. Nesse Oriente Médio do futuro, certamente não existirá nenhum espaço para países como Israel ou EUA. A essência desses grandes movimentos dos povos no Oriente Médio está em quatro prontos. O primeiro é que eles são contrários aos regimes absolutistas. Em segundo lugar, são movimentos islâmicos. Em terceiro lugar, são contrários a Israel. O quarto ponto é que eles se opõem à presença dos EUA. Esse é o motivo principal das preocupações de Israel e dos EUA. O planejamento de 60 anos dos EUA, do Ocidente e de Israel para a dominação do Oriente Médio foi perdido. Isso porque o Oriente Médio voltou para 50 anos atrás. Nesse sentido, nós não estamos preocupados com a situação. As grandes revoluções populares são muito bem-recebidas por parte do Irã. Nós as consideramos uma continuação da Revolução Islâmica. O desenvolvimento não é somente o modelo exato iraniano, mas pode ser o modelo islâmico para a região, de acordo com as características desses países. Qualquer um desses movimentos fortalecerá ainda mais a posição iraniana.
Teerã tem recebido uma série de críticas relacionadas à política de execuções determinadas pela sharia (lei islâmica), especialmente pelo caso da Sakineh Ashtiani, que chegou a ser condenada à lapidação por adultério. Como o senhor vê a crítica das entidades de direitos humanos?
Eu recomendo vocês estudarem e olharem para a lista das execuções que ocorreram no país. A maioria dessas execuções não é baseada na sharia, mas são de contrabandistas e traficantes de drogas. Passado certo limite de transporte e de uso de drogas no Irã, há uma pena que é a execução. Isso é baseado pela lei do país. Hoje, o Irã se considera na frente de luta contra o narcotráfico. Há 10 anos, quando o Afeganistão foi ocupado pelos EUA, a produção de drogas nesse país não ultrapassava 500t por ano. Hoje, a produção desses materiais no Afeganistão já passou de 10 mil toneladas. Quase 20 vezes mais. Sabe quem está atrás desses movimentos? Os EUA e os militares. Mas quem paga os custos somos nós, que perdemos nossos militares na luta contra o narcotráfico. É nossa obrigação e nosso dever proteger a sociedade. As questões referentes ao caso Sakineh são as mesmas mentiras inventadas pelo Ocidente. Não acreditem nessas notícias. Há anos que essa notícia da execução de Sakineh existe, mas ela ainda está viva. Nem saiu a sentença final sobre ela. Eu acho que as divulgações da mentira das propagandas ocidentais precisam ser reparadas pelos próprios jornalistas. Relativo à questão dos direitos humanos: o Ocidente não tem o direito de ditar os princípios dos direitos humanos que ele tem e impor essas ideias como modelo de direitos humanos ao Irã. Os ocidentais não têm autoridade para questionar a sharia. Sabemos que as visões sobre as questões dos direitos humanos também se baseiam nas diversificações culturais e tradições de cada país. As leis também são diferentes. Ninguém pode reclamar e criticar as leis de outro país. Durante os últimos 10 anos da presença dos EUA no Afeganistão e no Iraque, mais de 1 milhão de habitantes foram mortos. Os tratamentos em nosso país são baseados por leis. As sentenças de execuções envolvem um processo muito complexo. Elas podem passar por tribunais de primeira instância e de segunda instância. Até a sentença final ser aprovada pelo presidente do Poder Judiciário. Não é facilmente que um juiz pode finalizar um processo de sentença de morte. Às vezes, demora mais de 10 anos.
Durante o governo Lula, Brasil e Irã estreitara os laços. Lula foi a Teerã e recebeu Ahmadinejad aqui em Brasília. A presidente Dilma Rousseff parece ter se afastado um pouco do governo iraniano. As relações ainda são bastante sólidas?
Não encontramos nenhum diferença nas políticas da presidente Dilma Rousseff, comparadas com as políticas de Lula. Compreendemos a posição e a situação do novo governo. Naturalmente, um novo governo demora de um a dois anos para resolver as questões internas no país. Durante o mandato do presidente Lula, nós assinamos 26 documentos de cooperação. Estamos trabalhando nesse sentido, mas não fazemos propaganda. O Brasil e o Irã são dois países importantes no mundo atual. Nós conhecemos a importância do Brasil e acho que o Brasil também conhece a importância do Irã. Seguramente, nos próximos anos aumentaremos a cooperação. No ano passado, apesar das questões das sanções, nossas relações bilaterais comerciais com o Brasil tiveram um aumento de 80%. Nesse ano, até esse momento, elas aumentaram 36%. É uma situação sem precedentes nos últimos 100 anos de nossas relações bilaterais com o Brasil.
Quais os principais setores de cooperação entre Brasil e Irã?
Eu posso dizer que em todas as áreas. As nossas cooperações existentes são nos campos acadêmico, industrial, agrícola, tecnológico, comercial.