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Crítica do filme “Gran Torino”

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(Publicado originalmente em Seg, 30 de Março de 2009 12:27)

Por Reynaldo Domingos Ferreira
Veja aqui o trailer.

Em Gran Torino, Clint Eastwood narra a história da redenção de um preconceituoso veterano da Guerra da Coréia e metalúrgico, ex-empregado da indústria automobilística de Detroit.   Morando no subúrbio da cidade, ele  vai à luta para salvar  seus vizinhos, imigrantes chineses (do grupo étnico hmong), refugiados por haverem se posicionado ao lado dos EUA na Guerra do Vietnã.

Aos quase 78 anos, Eastwood, mantendo-se fiel aos seus temas e à sua estética clássica de diretor, denuncia, por um roteiro de Nick Schenk, a omissão policial em dar segurança aos cidadãos, que não têm como se defender senão fazendo justiça pelas próprias mãos, num meio urbano de decadência econômica e diante de uma sociedade cada vez mais intolerante e selvagem.

Como acontecia em A Troca, que tratava da corrupção policial, Eastwood, premiado com a Palma de Ouro Honorária do último Festival de Cannes, revela a chave do argumento do filme pela palavra de um pregador religioso. No caso, é a de um jovem sacerdote da Igreja Católica, padre Janovich (Christoper Carley). Ele, no sermão de encomendação do corpo da mulher de Walt Kowalski (Clint Eastwood), exorta os fiéis a acreditar que, há, na morte, tanto a tristeza da partida, como a alegria da salvação.

Já durante a cerimônia fúnebre, Kowalski, um austero descendente de poloneses, deixa evidente, pela postura e pelo olhar, o distanciamento que existe entre ele, os dois filhos, Mitch (Brian Haley) e Steve (Brian Howe), as noras e os netos. Estes, a seu ver, são por  demais atrevidos em seus costumes modernosos, como o do uso de piercings no corpo (focados em destaque pela lente de Tom Stern), que ele censura e abomina.

A um dos filhos, Steve,  Kowalski também não perdoa o fato de se haver tornado vendedor de carros japoneses, já que ele, antes de ir à guerra, trabalhara na linha de montagem da Ford, tendo instalado a barra de direção do Gran Torino (1972),  por ele preservado na garagem de sua casa. Além do carro, como se deve observar, Kowalski ostenta, na varanda, como símbolo de sua reminiscência patriótica, a bandeira dos EUA sempre hasteada.

 Embora tenha guardado na memória as considerações sobre a morte feitas pelo  sacerdote, Kowalski não o recebe bem, quando dias após o funeral da mulher, Dorothy,  vem ele a sua casa para lhe dizer estar cumprindo, com a visita, a última vontade dela:   a de convencê-lo a se confessar pelo menos uma vez. Esta questão  tem um pouco a ver com a também levantada por Eastwood, em Menina de Ouro, de 2004.

 Apesar das inúmeras tentativas de Janovich, Kowalski resiste em comparecer ao confessionário. Alega várias razões para isso, especialmente a de ser o padre um homem novo, um virgem de 27 anos,  que, segundo afirma,  estudou muito nos livros, mas conhece pouco da vida: – Confesso que não quero confessar com um  jovem que deixou há pouco o seminário!… Por favor, agora se retire!… – ele clama ao sacerdote, batendo-lhe a porta na cara.

 Paralelamente à ocorrência das visitas do religioso, Kowalski se vê envolvido, de forma inopinada, num relacionamento de início conflituoso com os vizinhos hmongs, depois que o mais moço deles, Vang Thao Lor (Bee Vang), de 16 anos, induzido por uma gangue de sua nacionalidade, é por ele surpreendido, dentro da garagem, tentando lhe roubar o carro de estimação.

 Sabedor do que acontecera, Janovich critica Kowalski por não haver pedido a ajuda da polícia a fim de resolver a questão: Soube – diz o padre – que houve problemas ontem por aqui. Por que não chamou a polícia, Walt?… Mostrando-se em desacordo com o sacerdote, Kowalski evolui em sentido contrário ao que ele diz, ou seja, decide manter boa amizade com Thao e com sua família, dos quais se torna defensor intransigente.

 Abebera-se Kowalski então da cultura dos hmongs e passa a acreditar  ter mais afinidades com eles do que com os próprios filhos, em relação aos quais se mantém cada vez mais a  distância. Como é preciso observar, há nessa aproximação de Kowalski com Thao, com sua irmã Sue Lor (Ahney Her) e com outros membros da família hmong evidentes reflexos também de outras obras de Eastwood, como Um Mundo Perfeito, de 1993 e Cartas de Iwo Jima, de 2007.

 A diversidade cultural se impõe ainda na trilha sonora, de Kyle Eastwood – filho mais velho do diretor – e de Michael Stevens, rica em jazz naturalmente, mas que inclui também o rap hmong. Destaca-se, porém, na trilha, a canção-título Gran Torino, interpretada, durante a exibição dos créditos finais do filme, pelo cantor e pianista Jamie Cullum e por Don Runne, que mereceu indicação ao Globo de Ouro como Melhor Canção Original.

Eastwood, por sua vez, incorpora em definitivo Kowalski à sua galeria de personagens mais famosos. Há tal identidade do ator com o protagonista que é difícil acreditar que o papel não tenha sido escrito sob encomenda para ele interpretar. E é nos momentos de solidão de Kowalski – quando, ciente  do mal que o consome, se senta à varanda para tomar cerveja -, que Eastwood vai revelando como amadurece, no interior da personagem, a decisão de salvar os vizinhos chineses ante a omissão da polícia, indiferente até mesmo diante do fato de a casa deles haver sido metralhada.

O elenco é constituído, na maior parte, por atores jovens, amadores, como o caçula de Eastwood, Scott, que aparece tímido, numa ponta, representando o covarde namorado de Sue. Bee Vang e Ahney Her, assim como os demais intérpretes da comunidade hmong, preparados tecnicamente por Eastwood, atuam com discrição, sempre atentos à sua linha de direção.

 O mais talentoso, entre os atores novos do elenco, entretanto, é Christopher Carley, um profissional, que, no papel  do padre Janovich, sustenta boas e convincentes altercações com Eastwood. Já tendo sido dirigido por Robert Redford, (Leões e Cordeiros), Carley cumpre bem a tarefa que lhe foi dada, neste novo trabalho, de contrapor o espírito jovem de Janovich à vivência de Kowalski. E, mais que isso, é com o esplendor de suas alocuções, no púlpito da igreja, que Eastwood começa e conclui o filme. Uma merecida oportunidade.
REYNALDO DOMINGOS FERREIRA

FICHA TÉCNICA

 
GRAN TORINO
EUA/2008
Duração – 117 minutos
Direção – Clint Eastwood
Roteiro – Nick Schenk
Produção – Robert Lorenz e Bill Gerber
Fotografia – Tom Stern
Trilha Sonora – Kyle Eastwood e Michael Stevens
Edição – Joel Cox
Elenco – Clint Eastwood (Walt Kowalski), Christopher Carley (padre Janovich), Bee Vang (Thao), Ahney Her (Sue) Brian Haley ( Mitch Kowalski), Geraldine Hughes (Ashley Kowalski), Brian Howe ( Steve Kowalski) e John Carroll Lynch (Barbeiro Martin).

2 COMMENTS

  1. eu queria saber quantos grupos sociais existem no flime….e quias sao os grupos etnicos…
    quais as religioes e seus lideres..
    obrigado…ficarei muito grato com sua explicacoes..

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