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Crítica do filme “Entre os muros da escola”

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(Publicado originalmente em Seg, 23 de Março de 2009 12:17)

Por Reynaldo Domingos Ferreira
Veja aqui o trailer

Sem ser discursivo, nem alarmista, o cineasta Laurent Cantet faz, em Entre Os Muros Da Escola, desconcertante radiografia do processo pedagógico como base angular do regime democrático numa escola pública de um bairro periférico de Paris, freqüentada por desmotivados adolescentes, vindos de diferentes segmentos étnico-sociais.

Combinando, de acordo com uma tendência atual, documentário e ficção, Cantet se inspira  no livro homônimo – a tradução mais literal do título, para o  português, deveria ser Entre As Paredes  – de François Bégaudeau. Este,  que colaborou com Robin Campillo na elaboração do roteiro, de estilo clássico, bem estruturado, é também o notável intérprete do protagonista, o afetado professor de Francês, François Marin.

A linguagem de Cantet é caracterizada por planos curtos, tomados por diversas câmeras sob sua orientação e manejadas por Pierre Milon bem rentes às personagens, que, em sua maioria, são alunos, pais e professores de um colégio ZEP (Zona de Educação Prioritária), segundo a terminologia educacional francesa. Todos eles foram submetidos a intenso preparo  de improvisação, em workshops semanais, durante  o ano letivo, de resultado muito compensador, como se comprova.

O que diferencia o filme de Cantet –  Palma de Ouro do Festival de Cannes  e  representante da França na escolha do Oscar –  de vários outros que abordam o tema é a preciosa indução, a meu ver, de que a escola não é apenas o local de aprendizagem de matérias frias, como Matemática, História ou Geografia. É também onde se dá, como se conclui, o amadurecimento do indivíduo para se tornar cidadão, isto é, colaborador eficiente para que haja um regime democrático funcionando em sua plenitude.

E, para que isso ocorra, segundo se depreende também da evolução do emotivo argumento do filme, é preciso que se observem, no âmbito da escola, microcosmo de uma sociedade, preceitos de interação, de participação, de diálogo, de autoridade, de respeito mútuo e de disciplina.

Nesse sentido, o professor, que exerce atualmente profissão de risco, cristaliza as mazelas do regime republicano a que pertence, bem como as contradições de seu país –  no caso, a França -, embora o filme evite se alongar em sentido pessimista a esse respeito.  Os  alunos, por sua vez, apesar da diversidade cultural de que procedem, são mais conscientes do que os vistos em outras películas e, portanto, mais atentos aos eventuais deslizes da autoridade, isto é, do mestre.

A ação começa no primeiro dia de um novo semestre, quando Marin, veterano no colégio do 20º Distrito de Paris, participa de mesa redonda com os demais professores, entre os quais alguns novatos, que se apresentam otimistas, bem incentivados, vindos de outras instituições e até mesmo de outras regiões da França.

Quando o professor de História  procura Marin a fim de lhe sugerir que adote, para o 4º ano, leitura de algum autor do período clássico – Voltaire, por exemplo – a fim de coincidir com os seus ensinamentos relativos à mesma época, ele lhe nega colaboração por fazer errônea avaliação da capacidade dos alunos.

Isso se constatará, um pouco depois,  no momento em que Marin saberá surpreso que uma  de suas alunas, Esmeralda (Esmeralda Quertani), das mais desatentas, a quem ele chamara de “vagabunda”,  lera, por iniciativa própria, A República, de Platão. Isso é bom!… – afirma Marin. E indaga: De que fala o livro?  Esmeralda lhe responde: – Fala de tudo: das pessoas, do amor, da amizade, de religião!… Tudo. Enfim, não é um livro para uma vagabunda ler!…

Por outro lado, há de se observar que Marin não se furta de modo algum ao diálogo amplo e aberto em aula. Pelo contrário. No seu apreciável entendimento, o bom uso da linguagem é instrumento fundamental para o desenvolvimento de uma sociedade.

Sob esse aspecto, talvez Marin seja até complacente demais, pois, idealista, no intuito de motivar os alunos a se interessarem pelo aprendizado do idioma – estratégia que se mostra de certa eficácia, embora, coisa estranha, não incentive a utilização de dicionários em sala de aula pelos alunos -, ele, no confronto sempre tenso a que se entrega com os jovens, se perde na questão da imposição de autoridade.

E perda de autoridade para um professor é questão crucial, como já advertia Garcia Lorca num belo trabalho sobre a função teatral, pois logo um dos alunos, Souleymane (Franck Keita), problemático, que se indispõe constantemente com os colegas,  se aproveita disso para lhe perguntar: – As pessoas dizem, professor, que você gosta de homem!…

Toda a classe silencia e fica à espera de uma resposta de Marin. É um momento de expectativa: – Ser chamado de homossexual não é um insulto – continua Souleymane no mesmo tom de voz -, mas eu gostaria de saber se isso é verdade!…   O professor esboça um sorriso amarelo, nega e, versátil, até com certa ponta de arrogância, muda rápido de assunto.

Um dos momentos mais interessantes do filme, entretanto, é quando Marin propõe aos jovens que façam auto-retratos, isto é, que escrevam sobre si mesmos, suas vidas, seus interesses mediatos e imediatos. Uma aluna, Khoumba (Rachel Régulier), amiga inseparável de Esmeralda, prontamente reage, afirmando que não tem grande coisa a dizer. E observa:  – Pois, de fato, as nossas vidas não têm qualquer interesse para você!… Contrafeito, Marin é forçado a reconhecer que Khoumba, de fato,  está coberta de razão.

REYNALDO DOMINGOS FERREIRA

FICHA TÉCNICA


ENTRE OS MUROS DA ESCOLA
ENTRE LES MURS
França/2008
Duração – 128 minutos
Direção – Laurent Cantet
Roteiro – Robin Campillo e François Bégaudeau, autor do livro Entre Les Murs em que se baseia o filme.
Produção – Caroline Benjo e Carole Scotta
Fotografia – Pierre Milon
Edição – Robin Campillo
Elenco – François Bégaudeau (Professor Marin), Franck Keita (Souleymane), Esmeralda Quertani (Esmeralda), Rachel Régulier (Khoumba).

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