Uma máxima antiga nas redações da Alemanha costumava advertir: não queira saber como se fazem as salcichas e os jornais. O estouro das fábricas de dossiês e grampos da holding Cachoeira levantou um pouco do véu sobre a imundice com que se elaboram as chamadas reportagens investigativas que vêm abalando os alicerces da república, desde o impeachment de Collor de Mello.
Poucos meses antes, tínhamos visto como os repórteres dos jornais do magnata Rupert Murdoch obtinham suas notícias na base das escutas telefônicas e do suborno a policiais da Inglaterra e dos Estados Unidos. Depois, surgiu o fenômeno Roger Noriega com suas “plantações” sobre o fornecimento de urânio ao Irã pela Venezuela e da “iminente” morte de Hugo Chávez.
Neste contexto,a convocação de uma CPI, anunciada ontem pela Câmara e o Senado, poderá contribuir para lançar alguma luz sobre o fechado mundo das fontes que abastecem o noticiário e a que interesses elas se prestam.
Comecemos pelo caso local do bicheiro Carlinhos Cachoeira, detentor de uma holding de negócios, incluindo, além do lobby em favor de seus bingos e máquinas caça-níqueis, uma fábrica de dossiês, grampos telefônicos e intrigas políticas. Esse material, como se deduz das conversas telefônicas gravadas pela Polícia Federal, era depois fornecido a jornalistas dos maiores veículos do país.
Entre estes veículos, desponta a revista Veja, cujo chefe da sucursal de Brasília, Policarpo Júnior, teria trocado nada menos de 200 ligações de Cachoeira e sua trupe. Associando estas ligações aos grampos que deram origem ao estouro do escândalo denominado mensalão e outras reportagens investigativas da Veja, o PT, partido mais visado pelas denúncias, promete provar agora o que vinha alegando há tempos: que o mensalão foi uma farsa montada para desestabilizar o então Governo Lula, ainda no seu primeiro mandato.
Finalmente, a atuação do norte-americano Roger Noriega, como “fonte” dos nossos jornalões para notícias da América Latina surgem como um complemento esclarecedor dos serviços que nos são ofertados pela chamada grande mídia.
Roger Noriega, como lembrou em artigo para o blog viomundo.com.br a jornalista Heloisa Vilela, é um “participante ativo do escândalo Irã-Contras, no governo Ronald Reagan, mais tarde promovido a influente articulador da política externa americana para toda a extensão territorial ao sul do Texas. Durante o governo Reagan, ele trabalhava na Agência de Desenvolvimento Internacional dos Estados Unidos (USAID). Mesmo depois do fiasco da venda clandestina de armas ao Irã para financiar os contras da Nicarágua somada ao tráfico de drogas da América Central para a Califórnia, a mente criativa do ultraconservador tem, até hoje, o ouvido de parte da imprensa e dos políticos dos Estados Unidos”
A última de Noriega, e largamente difundida no Brasil por um de nossos jornais e seu respectivo site, é que Hugo Chávez está à beira da morte. “Os venezuelanos podem não dar bola, mas muita gente repercute os boatos que Noriega espalh”, observa a jornalista. “Por exemplo, a respeito da saúde do presidente Hugo Chávez. “Olha”, garantiu o mesmo analista, “o câncer do Chávez pode até estar avançando, mas o Noriega, com certeza, não tem informações privilegiadas sobre o assunto”.
Heloisa Vilela ainda lembra da “bomba” de Noriega: “No filme “South of the Border”, do diretor Oliver Stone, até mesmo Hugo Chávez brincou com as declarações de Noriega. E mostrou ao cineasta a fábrica de processamento de milho que o megafone neoconservador apontou como fonte do urânio secreto, destinado ao Irã. No filme, Chávez aproveitou a oportunidade para tirar um sarro: “É aqui que fabricamos a bomba atômica iraniana”, disse a Oliver Stone”.
Para quem não sabe, Roger Noriega (não confundir com José Manoel Noriega, ex-ditador do Panamá) já foi até subsecretario do governo de George Bush para as Américas. Fo defenestrado pela secretária de Estado Condoleza Rice, que não conseguia conviver com as suas tropelias.
Segundo Heloisa, ele “não largou a América Latina. Continuou, e continua trabalhando para isolar a Venezuela, foi contratado para fazer o lobby, no Congresso, em favor dos golpistas de Honduras e no passado também deixou as impressões digitais no golpe estadunidense que derrubou e sequestrou o presidente do Haiti, Jean Bertrand Aristide, em fevereiro de 2004. Com orgulho, Noriega chegou a se referir ao golpe em depoimento diante do Comitê de Relações Exteriores do Senado: “A renúncia de Aristide pode ter sido o meu maior momento”.
Veja entrevista em vídeo de Paulo Henrique Amorim com um ex-Cachoeira