Home Cinema Crítica do filme “Milk – A Voz da Igualdade”

Crítica do filme “Milk – A Voz da Igualdade”

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(Publicado originalmente em Seg, 02 de Março de 2009 21:27)

Por Reynaldo Domingos Ferreira
Trailer do filme

As consequências trágicas da implantação de um comércio gay num dos distritos de São Francisco, na Califórnia, nos anos setenta, é o tema do filme Milk – A Voz da Igualdade, de Gus Van Sant, cujo roteiro se baseia em dados biográficos de um líder nato, Harvey Milk, que considerava a atividade política uma grande farsa teatral, mas que acabou sendo tragado por ela. Apesar das inúmeras premiações recebidas – Oscars de Roteiro Original e de Melhor Ator para Sean Penn, irrepreensível intérprete de Milk – , a película de Van Sant, produzida para comemorar os trinta anos do assassínio do líder gay e do prefeito George Moscone (Victor Garber), na prefeitura de São Francisco em 1978, se não decepciona, também não empolga, como se esperava, principalmente por problemas de direção e de edição.

O roteiro de Dustin Lance Black , baseado em depoimentos gravados de Milk e de alguns amigos seus ainda vivos, descura, a meu ver, da fixação dos traços psicológicos de Dan White (Josh Brolin) – cujo papel parece ter sido reduzido – , o assassino. Ele é um veterano do Vietnã, ex-policial e ex-bombeiro mal remunerado, sofredor de depressão bipolar, que sintetiza, na trama, a força de oposição mais efetiva às aspirações do protagonista, já merecedor de um documentário de Rob Epstein, ganhador do Oscar de l984. Não é dos mais inspirados também o trabalho de Van Sant que não define, para sua narrativa, linha mais apropriada a um drama biográfico. A que usa se mostra irresoluta entre o psicológico e o político-social. E, além disso, não dá transcendência mais abrangente, como deveria, à questão do preconceito e da violência contra homossexuais, pois, tal como está retratada, passa a errônea impressão de ser localizada e já superada pelo tempo, apesar de Milk, num debate com White, afirmar: – Mas Deus sabe que a nossa luta continua!… Por sua vez, o trabalho de edição de Elliot Graham peca por diversas vezes ao não imprimir continuidade à narrativa.

O caso mais evidente, nesse sentido, se observa quando Scott Smith (James Franco), após nadar nu na piscina da casa de um advogado que Milk deseja engajar em sua campanha política, sai, na cena seguinte, já vestido e com os cabelos secos como se não vissem água há muito tempo. Já no início do filme, percebe-se ainda que se embaralham um flashback dos tempos de Milk em Nova York, onde nasceu – pela bela fotografia de Harris Savides -, e imagens de arquivo do Eureka Valley, bairro operário de São Francisco, para onde ele e Smith se mudam com a firme disposição de montar ali, mesmo sob o protesto dos comerciantes locais, uma loja, Castro Camera, de revelação de filmes fotográficos. A ação começa às vésperas do dia em que Milk completaria quarenta anos, quando, num encontro fortuito, em Nova York, conhece Smith por quem se interessa à primeira vista.

Embora Smith não esconda sua preferência por pessoas mais jovens, os dois acabam ficando juntos. Transferem-se então para São Francisco, onde se estabelecem na Rua Castro, iniciando ao mesmo tempo campanha para que mais gays se instalem na área. O apelo deles é atendido e, em pouco tempo, o comércio da categoria domina todo o bairro. A figura de Milk como líder político, fenômeno de massa, então se impõe – sob o protesto de Smith que por isso o abandona – não só entre os gays, mas também entre os idosos e os trabalhadores sindicalizados do Eureka Valley. Com o apoio deles, Milk consegue se eleger, em 1977, para o Quadro de Supervisores de São Francisco, tornando-se assim o primeiro homossexual assumido a ocupar um cargo eletivo importante nos EUA. Antes de tomar posse, diante das escadarias da prefeitura, conversando com o amigo Cleve Jones (Emile Hirsch), um dos artífices de sua campanha política e, no presente, orientador da elaboração do roteiro da película, ele afirma: Este é o meu teatro!… O que há de excepcional no filme é, sem dúvida, a interpretação de Sean Penn no papel do protagonista, com o qual conquistou o seu segundo Oscar.

O primeiro foi com o filme Sobre Meninos e Lobos, de Clint Eastwood. O ator, criticado atualmente por seus posicionamentos políticos, mestre em composição de personagens, interpreta Milk usando a expressão corporal de forma adequada, sem arroubos ou exageros, e explora principalmente a força do olhar para emitir insinuações que não fazem parte, em absoluto, dos diálogos. É notável, por exemplo, a série de atributos que Penn, em sua composição, outorga a Milk: terno como amante, solidário como amigo, incitante como ativista gay, negociador como político e, em especial, eloqüente como orador a mobilizar as massas em praças públicas. Apaixonei-me por Harvey – ele admite -, por essa pessoa, pelo espírito desse ser humano que transcende meus planos como ator. Penn também se apoia em jovens e talentosos atores que com ele contracenam como James Franco (prêmio Spirit Award de Melhor Ator Coadjuvante), Emile Hirsch – dirigido por ele, em Na Natureza Selvagem –, Joseph Kross e o mexicano Diego Luna. Mas os embates de Milk com White não rendem tanto quanto se esperava dada a apatia com que o ator Josh Brolin – apesar da indicação ao Oscar de Ator Coadjuvante – parece ter encarado o seu trabalho, diferentemente do que ocorreu, por exemplo, com a memorável interpretação de Llewely Moss, em Onde Os Fracos Não Têm Vez, dos Irmãos Cohen.
REYNALDO DOMINGOS FERREIRA

FICHA TÉCNICA

MILK – A VOZ DA IGUALDADE MILK

EUA/2008

Duração – 128 minutos
Direção – Gus Van Sant
Roteiro – Dustin Lance Black
Produção – Dan Jinks e Bruce Cohen
Fotografia – Harris Savides
Música – Danny Elfman
Edição – Elliott Graham
Elenco – Sean Penn (Harvey Milk), James Franco (Scott Smith), Josh Brolin (Dan White), Emile Hirsch (Cleve Jones), Diego Luna (Jack Lira), Joseph Kross (Dick Pabich), Victor Garber (Prefeito Moscone)

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