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Por que Getúlio mandou queimar as bandeiras dos Estados

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Depoimentos colhidos pelo PDT na passagem dos 58 anos do 24 de agosto (de 1954) indicam alguns fatos desconhecidos pela maioria, sobretudo dos mais jovens. Um deles é a queima de bandeiras dos Estados, mandada por Getúlio, para, coibindo o poder de alguns deles, se pudesse assegurar a unidade nacional. Outro foi a chamada Revolução Constitucionalista de 1932, esmagada por Vargas, que identificou como propósito dos revoltosos transformar São Paulo em um estado à parte do Brasil. O artigo do jornalista Osvaldo Maneschy, que reproduzimos a seguir, conta outras histórias de Getúlio, que o transformaram no presidente mais lembrado de nossa história.

A teimosia pela unidade e a soberania
Por Osvaldo Maneschy (*)
No ato em homenagem ao Presidente Getúlio Vargas, na sede nacional da Fundação Leonel Brizola – Alberto Pasqualini (FLB-AP), no Rio de Janeiro, promovido pelo Mapi – Movimento de Aposentados, Pensionistas e Idososdia, na última sexta-feira (24) o coronel, cassado pela ditadura, Eduardo Chuay, um dos palestrantes, garantiu que “se não fosse por Getúlio Vargas, o Brasil talvez fosse hoje algo parecido com a América espanhola: subdivido em vários países”.

“Vargas foi o grande unificador do Estado Brasileiro, porque, antes de 30, tínhamos uma República fragmentada, em que cada estado tinha exército próprio, equipado com canhões, tanques e outras armas pesadas”, destacou Chuay, lembrando ainda que a revolução de 32 em São Paulo foi, na verdade, uma guerra divisionista, já que os revoltosos pretendiam transformar São Paulo em um país à parte do Brasil.

Veja também o vídeo-debate de Beto Almeida,  Mauro Santayana e  Samuel Pinheiro Guimarães

Texto de Beto Almeida
Chuay também lembrou o esforço de Vargas pela unidade, quando, em 37, mandou queimar as bandeiras dos estados: exatamente para reforçar a unidade nacional, que sofria pressões de vários lados, inclusive da Alemanha nazista que pretendia criar um país, no Sul, para ser controlado por imigrantes alemães. “Vargas ainda vai ser reconhecido como um dos grandes responsáveis pelas dimensões continentais do Brasil, juntamente com Dom Pedro e a criação do Império”.

Primeiro a falar, Chuay criticou a construção da Itaipu Binacional, que classifica de “maior crime ecológico já cometido contra o Brasil, o fim das sete quedas”; e lembrou o projeto do engenheiro Marcondes Ferraz de construir a grande hidrelétrica de Itaipu toda em território nacional, inclusive para evitar os problemas hoje enfrentados pelo Brasil com o Paraguai, já que a hidrelétrica é binacional.

“Construíram Itaipu no lugar onde ela está, porque os militares pretendiam, em caso de guerra com a Argentina, inundar Buenos Aires, abrindo as comportas do lago; um absurdo!”, afirmou Chuay. Segundo ele, o projeto de Marcondes Ferrraz até hoje é absolutamente viável.
O ato pelos 58 anos do suicídio de Vargas foi descontraído; logo na abertura, o presidente nacional do PDT, Carlos Lupi, lembrou que todos estavam ali reunidos naquele momento – convocados pelo Movimento de Aposentados, Pensionistas e Idosos – porque, como dizia Brizola, o PDT tinha muito orgulho de cultivar a memória de seus mortos. Lupi fez a abertura do ato ao lado da presidente do MAPI, Maria José Latgé, e saiu logo em seguida para viajar a São Borja, onde participou da cerimônia no túmulo de Getúlio, na praça principal da cidade natal do Presidente.
Orpheu Santos Salles, 91 anos, Oficial-de-Gabinete de Vargas – que começou a trabalhar com o Presidente ainda jovem estudante de Direito – foi o principal palestrante da noite, que também reuniu o escritor José Augusto Ribeiro, autor de “A Era Vargas”, e o advogado e fundador do PDT, Trajano Ribeiro.

Logo no início de sua intervenção, Orpheu relatou que é paulista e, quando jovem estudante de direito, era visceralmente contra Vargas. Até um dia em que ele e outros jovens de sua turma foram convidados e vieram ao Rio de Janeiro para conhecer o então Presidente Vargas, no Palácio do Catete. Entre outros, fazia parte de sua turma de direito o jurista Godofredo da Silva Telles, que, a princípio, deveria falar pela turma no encontro que teriam com o Presidente. Mas um outro aluno quis ser o porta-voz; e na disputa entre os dois, acabou sendo ele designado o orador para falar em nome da turma. Orpheu impôs uma condição para desempenhar a missão: falaria com total e absoluta liberdade, especialmente sobre as reivindicações deles, estudantes.
Foram recebidos no Palácio do Catete; e na sua fala, como orador do grupo, Orpheu, entre outras questões, disse que eles ali – imbuídos do mesmo espírito patriótico dos Tenentes de 30 – estavam frustrados pela falta de oportunidades de trabalho; e dificilmente teriam condições de chegar a delegados ou promotores. Getúlio ouviu tudo em silêncio e, ao final, perguntou se eles desejariam trabalhar no governo federal; e que havia espaço para todos os jovens, especialmente jovens preparados como eles – estudantes de direito.

O Presidente Vargas colocou à disposição do grupo vagas no Ministério da Justiça e no Ministério do Trabalho, recém-organizados e precisando de quadros. Orpheu quis trabalhar no Ministério da Justiça, mas foi aconselhado a optar pelo Ministério do Trabalho, porque, trabalhando lá, teria mais tempo para estudar. Mas não ficou nem um mês: foi imediatamente convocado para trabalhar no Palácio do Catete, diretamente com o Presidente. “Acho que ele gostou do meu discurso e, ao me chamar, pretendia me catequizar para as suas idéias”, observou Orpheu.
Ele assumiu a tarefa de responder as cartas dirigidas ao Presidente; e saiu-se tão bem que, de três a quatro cartas por dia, o movimento passou a ser de no mínimo 60 cartas diárias: de uma funcionária, chegou a ter 12 trabalhando sob suas ordens para dar conta do movimento.
Um dia, Getúlio chamou-o e pediu que ele se dirigisse a Santos, em São Paulo, por causa da greve de estivadores que durava havia dias. Ele ponderou com o Presidente que era muito novo, não tinha experiência para enfrentar uma situação daquela, que envolvia mais de 3.500 estivadores em greve. Getúlio insistiu dizendo a ele que usasse “lógica e bom-senso” para solucionar a crise.
Viajou para Santos, reuniu-se com os estivadores no sindicato deles e ouviu as reivindicações. “Quando me levantei para falar na assembléia deles, minhas pernas tremiam, mas me apresentei como representante do Presidente da República, com quem discutiria, depois, as reivindicações deles”.

“Quando voltei, expliquei ao presidente que o amigo pessoal dele, com quem ele jogava golfe, presidente da Companhia Docas de Santos, não estava pagando horas extras para os estivadores – uma das razões da greve. Ele me interrompeu e disse uma coisa que me ganhou para o lado dele: no governo não tenho amigos”.
A greve foi solucionada e ele acompanhou Getúlio até a sua saída do governo, em 1945. Quando ele se retirou para São Borja, depois da eleição de Dutra, Orpheu pediu transferência para o Rio Grande do Sul e foi trabalhar em Santa Maria, para ficar perto de Getúlio e visitá-lo, sempre que possível. A amizade deles, então, cresceu ainda mais.
Trajano Ribeiro, falando em seguida, lembrou o dia da morte de Getúlio, em 1954, quando suas aulas foram interrompidas no colégio dos jesuítas de Porto Alegre, em que estudava, e todos os alunos dispensados com a recomendação de que fossem imediatamente para casa, porque o presidente Getúlio Vargas tinha se suicidado. Ele preferiu se dirigir ao Centro de Porto Alegre, onde se juntou à multidão que assistia ao grande incêndio que consumiu a Rádio Farroupilha, dos Diários Associados.
“O povo não perdoou. Assis Chateaubriand era o dono dos Diários Associados e o grande detrator de Getúlio Vargas – como Roberto Marinho fez com Brizola, anos depois. O povo tacou fogo na Rádio Farroupilha no dia em que Getúlio se matou. Lembro que os discos voavam, levados pelos rolos de fumaça. E um homem caminhava
no beiral do último andar, sem ter como sair de lá. Naquele tempo não tinha escada Magirus. Quando os bombeiros chegaram e esticaram as mangueiras para jogar água, um sujeito com um facão cortou-as em vários pedaços. Queimou tudo! Também incendiaram as Lojas Americanas e o Consulado dos Estados Unidos. Foi um tumulto em toda cidade, enquanto as rádios repetiam a Carta Testamento de Getúlio”.
Criança em 1954, Trajano disse que conheceu melhor Getúlio Vargas quando organizou as pastas e documentos de seu pai, depois que ele morreu – ele que era ligado aos trabalhistas e aos getulistas. Trajano explicou que leu muitos dos discursos de Getúlio; e um deles chamou especialmente a sua atenção: o que ele, em setembro de 1944, afirma que a democracia liberal não é solução para o Brasil, porque não mata a fome do povo; nem a liberdade de expressão cura doenças. Segundo Trajano, neste discurso Getúlio defende a liberdade e a democracia, “mas não a democracia que despreza a situação social e econômica dos trabalhadores brasileiros”.
Trajano concluiu: “Getúlio foi um homem muito à frente de sua época. De todos os heróis brasileiros, ele foi o único que abdicou do mais sagrado de todos os direitos das pessoas – que é o direito à vida – para defender o nosso povo. Por que, se não tivesse se matado em 54, o golpe de 64 teria chegado dez anos antes”.
José Augusto Ribeiro foi o que menos falou, mas fará uma entrevista com Orpheu Salles sobre a sua participação no Governo de Vargas. Com seu faro acurado de jornalista, percebeu a importância daqueles relatos, e se comportou como um mediador, destacando fatos que eram aprofundados pelos três companheiros de mesa.
No final ficou acertado que ele, José Augusto, fará entrevista detalhada com Orpheu Salles para a televisão – ambos, atualmente, morando em Maricá/RJ – sobre a sua participação no Governo de Vargas.

(*) Jornalista e ativista social, Osvaldo Maneschy atua no Rio de Janeiro, como membro do diretório nacional do PDT. Ele também está engajado no movimento pela integridade da urna eletrónica, chamado Voto Seguro

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