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A Argentina em perigo

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Por FC Leite Filho
Autor do livro Quem tem medo de Hugo Chávez
O panelaço do chamado  8N (de 8 de novembro), para se contrapor ao 7D (7 de dezembro), prazo fatal para o Grupo Clarín cumprir a lei da mídia, sob pena de sofrer intervenção federal, transcorreu em aparente calma. Mas a violência da tropa de choque do movimento, que  agrediu fisicamente jornalistas de TVs privadas e estatais, e outros incidentes menos conspícuos,  como mostra o vídeo abaixo, não resiste à comparação com as manifestações, também conduzidas pelas grandes redes de jornais e TV, que redundaram na prisão e destituição do presidente Hugo Chávez, da Venezuela, por 48 horas, em 11 de abril de 2002. As cenas de militantes das classes abastadas vociferando contra uma presidenta que reduziu o desemprego de 30% para 7% e faz o país crescer a 8% ao ano (contra a recessão generalizada na Europa e Estados Unidos) e realiza uma política social de inclusão, com bolsa família e laptops para alunos da escola pública, é bem típica daquelas também observadas nas Marchas com Deus pela Liberdade, que precederam o Golpe de 64, no Brasil.

Tipicamente manipulada e brandindo slogans próprios dos setores privilegiados, como o protesto contra a reeleição da presidenta peronista Cristina Kirchner, que nem sequer encaminhou emenda neste sentido ao Congresso, e as restrições para a evasão de divisas (compra de dólares), a multidão chique e perfumada que encheu a Praça do Obelisco, de Buenos Aires e outras cidades argentinas, dificilmente pode ser confundida com as massas populares e de classe média que deram à esposa de Néstor Kirchner, 54,11% dos votos na eleição presidencial de dezembro último. Os institutos de pesquisas, sempre ágeis para respaldar as maquinações da oligarquia e sua mídia ruidosa, dizem que esta popularidade baixou para 34% ou 40%, como se isso, mesmo com projeções verdadeiras, fosse algo de extraordinário para um país que ainda sofre os resquícios da crise do corralito, de 2001, justamente causada pelo neoliberalismo, o mesmo regime que os donos do poderoso Grupo Calrín e sua máquina de comunicação quer restablecer, a qualquer custo, e os reflexos da crise econômica mundial. Como se sabe, essas mesmas pesquisas apontavam que a popularidade de Cristina tinha descido a 19%, em 2009, logo depois que ela enfrentou os latifundiários na chamada crise no campo, em 2009. Eu, por acaso, me encontrava na ocasião, em visita a Buenos Aires, e cheguei à conclusão, confiado naqueles dados, que a presidenta dificilmente se reelegeria. E se deu justamente o contrário. Ela foi reeleita por aquela margem considerável referida acima, enfrentando a mídia avassaladora e golpista de sempre.

Mas por que Cristina, uma mulher frágil e que ultimamente é afetada por picos de hipotensão, que às vezes a obriga  a despachar da residência, tem suplantado tudo isso? A explicação mais simples é o farto respaldo desta população majoritariamente peronista que confia na sua administração, inclusive porque a tirou do fundo da prostração que a fizeram submergir as políticas neoliberais do FMI, aplicadas pelos seus capatazes Domingos Cavallo, Carlos Menem, Fernando De La Rúa e outros trogloditas do deus-mercado, sempre acolitados por Clarín et caterva. Além desse respaldo, Cristina Kirchner é detentora de inquebrantável força de vontade e valentia pessoal, como já demonstrou em diversos enfentamentos como aqueles com a oligarquia rural, os burocratas do Banco Central e a aprovação pelo Parlamento da Lei da Mídia e da Reforma Política, ao longo do primeiro mandato.

Cristina Kirchner ainda se blindou com o controle do câmbio, setor tradicionalmente dominado pela alta burguesia argentina e internacional, que agora estrebucha, porque não mais pode repatriar os bilhões dólares, como vinha fazendo até recentemente. Com o câmbio na mão, a presidenta conta com precioso trunfo, que é a administração das altas finanças (banqueiros, inclusive) e das importações e exportações. É o mesmo instrumento que possibilitou Hugo Chávez derrotar o lockout de 63 dias, que quase levou a pique Venezuela, nesta conspiração, de fins de 2002 e começos de 2003, que Fidel Castro considera mais perigosa que o golpe de abril de 2002. Cristina ainda conta com movimentos populares organizados nas classes médias e populares, e sobretudo na juventude, que a têm atendido em momentos cruciais de seu governo.

Por fim, os tempos são outros e Cristina Kirchner desfruta do total apoio da União das Nações Sul-Americanas, a Unasul, que, sob o comando do Brasil, Argentina, Venezuela, Uruguai e outros países, determinou a suspensão do Paraguai do Mercosul e o ingresso da Venezuela neste último organismo, em represália ao golpe de Estado contra o presidente Fernando Lugo, em junho último. Não é por acaso que Cristina Kirchner confirmou sua presença na Cúpula de Chefes de Estado do Mercosul, em Brasília, com a participação de Chávez e Dilma, inclusive, no dia sete de dezembro, o mesmo 7D, data limite para que o Grupo Clarín se desfaça de seu monopólio e obedeça a lei da mídia, como já o fizeram outros setores-chave da comunicação argentina. Ela sabe que vai enfrentar as mesmas arruaças contra Chávez por ocasião da desativação da RCTV, em 27 de maio de 2007, provocadas pelos mesmos “matones” que anteontem agrediram equipes de TVs argentina anti-monopolistas. Recorde-se que esses mesmo governantes da Unasul e Mercosul, à exceção de Chávez, que ainda se convalescia do câncer, em Caracas, estavam na Rio+20, no Rio de Janeiro, quando chegou a notícia do golpe e se deu a imediata reação anti-golpista da nova organização que aposentou a OEA. A presidenta argentina está blindada, mas é preciso lembrar que ela corre perigo e necessita do apoio engajado de todo os democratas livres dos países irmãos e do resto do mundo.
Leia o livro Quem tem medo de Hugo Chávez

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