(Publicado originalmente em 01/11/2008, 18:48 hs.)
Depois de ter enfrentado a mídia, com a nova e audaciosa lei do audiovisual, e tirado o futebol da TV paga, levando-o para a TV pública aberta, onde o cidadão comum poderá ver seus jogos de graça, o governo da Argentina parte agora para uma arrojada reforma política.
Antes debatida com políticos, a sociedade, intelectuais, estudantes e universidades, a reforma começa pela obrigatoriedade de os partidos fazerem prévias abertas e simultâneas, num só dia, para a escolha de seus candidatos; a proíbição da propaganda paga na TV e no rádio, os quais terão de transmitir o horário eleitoral de graça; o controle e monitoramento da divulgação das pesquisas eleitorais, e a limitação da difusão das pesquisas eleitorais.
O projeto da presidente Cristina Kirchner, que passa a tramitar a partir desta terça-feira (03/09) na Cãmara, constitui, na verdade um complemento da lei de audiovisual, que rompeu o monopólio privado dos meios de comunicação por parte de algumas famílias ricas do país.
Doravante, as empresas privadas só poderão controlar um terço das emissoras de rádio e TV, ficando os outros dois terços para ser distribuídos entre as universidades, movimentos sociais e culturais e os governos federal, estaduais e municipais. Cada grupo terá de escolher entre o campo das redes abertas ou a cabo, porque ficou vedada a simultaneidade.
Com a reforma política, que deverá ser votada pelas Câmaras de Deputados e de Senadores, até 10 de dezembro, a influência da mídia deverá ser dramaticamente redimensionada. Habituada a favorecer e às vezes fabricar seus próprios candidatos, com o uso massivo, particularmente de seus canais de TV e jornais de grande porte, os meios de comunicação passarão a obedecer a uma série de restrições.
As pesquisas – Uma delas é a forma de divulgação das pesquisas eleitorais, que se tornaram escandalosos fatores de condicionamento do eleitorado, além de fontes de preciosos lucros financeiros para seus operadores. Com efeito, os chamados institutos de pesquisa, na maioria, de propriedade, ou com estreitos vínculos com os empresas midiáticas, costumam condicionar os eleitores com enquetes consideradas tendenciosas.
E isto acontece na Argentina, no Brasil e sobretudo nos países emergentes, onde não existe controle da qualidade da informação nem da exatidão dos dados das pesquisas. Divulgados com grande destaque nas grandes cadeias de TV, rádio e jornais, muito antes de deflagradas as campanhas eleitorais, esses institutos acabam determinando a vitória de certos candidatos, de tanto martelarem nas suas “preferências” , por parte do eleitorado.
Pelo projeto de reforma do governo, a divulgação das pesquisas fica proibida até 15 dias antes da data da eleição (no Brasil, onde tal limitação – de 30 dias – foi tentada pelo Congresso, mas derrubada pelo Supremo, as pesquisas são, escancaradamente, divulgadas no próprio dia do pleito. Na Argentina, a limitação até antes do projeto de reforma, é de 48 horas. Com a nova lei, a mídia não só estará proibida de publicar os resultados das pesquisas, como de fazer-lhes qualquer referência em seus noticiosos ou comentários
Ademais, cada instituto terá primeiro de registrar-se na justiça eleitoral e apresentar um informe de cada pesquisa que realize, no qual deverá constar “quem os contrata”, todos os detalhes técnicos utilizados e “quanto cobraram” por realizá-la. Tal informação terá de ser publicada no site da Justiça Nacional Eleitoral (o TSE de lá).
Caso não cumpran tais determinações, os infratores não poderão inscrever-se no registro de pesquisadores (ou seja, que não poderão mais funcionar), “por um período entre duas e quatro eleições”, segundo o projeto.
Partidos políticos – Outros aspectos importantes da reforma se referem aos partidos. Para a formação de um partido político, o projeto estabelece requer o apoio de cinco mil inscritos, mas se, no mês de fevereiro de cada ano, o partido respectivo não mais contar com esse contingente, ele perde o seu registro. E para ser reconhecido como partido nacional e para apresentar pré-candidatos nas eleições internas (prévias), o partido terá de estar reconhecido em cinco províncias (estados) e contar com um piso de 28 mil filiados.
Quanto às candidaturas, os partidos escolherão seus dirigentes através do mesmo procedimento de prévias fechadas que vêm usando até agora, mas deverão realizar primárias abertas para designar seus candidatos a presidente da República, deputados e senadores.
Nas eleições internas abertas (prévias), qualquer eleitor poderá votar em favor de qualquer partido, mas nem todos candidatos vitoriosos poderão disputar a eleição geral. Para que isso ocorra, o partido a que pertençam deverá obter pelo menos três por cento dos votos válidos emitidos.
Para as prévias, a campanha só poderá começar 30 dias antes de sua realização, mas a publicidade só poderá ser feita durante 20 dias e até 48 horas antes do pleito interno. Na campanha das eleições gerais, ela durará 35 dias e a publicidade nos meios de comunicação durante os últimos 25 dias.
Finalmente, os partidos receberão fundos públicos e privados, mas estes últimos só poderão vir de pessoas físicas e não jurídicas. Quanto à publicidade, os partidos não poderão contratá-la no rádio nem TV aberta ou a cabo.
A nova lei vai assegurar a gratuidade da propaganda eleitoral no rádio e na TV, sendo que sua distribuição do tempo prevê que metade se divida entre todas as siglas e a outra metade seja distribuída proporcionalmente à votação de cada partido na eleição anterior. Atualmente, na Argentina, existem 33 partidos com abrangência nacional, 659 de distrito e 255 com alguma representação parlamentar.
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