Depois de ser festejado como o paladino da moral e dos bons costumes políticos, por causa do julgamento do chamado mensalão do PT, o atual presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, aparece como um dos favoritos nas pesquisas de opinião na disputa pela presidência da República de 2014. Segundo o Datafolha, que, no auge dos protestos de rua registrou uma queda de mais 20% na popularidade da presidenta Dilma Roussef, Barbosa estaria em terceiro lugar, com 15% (empatado com Aécio Neves, também 15%), só perdendo para Marina Silva, 18%, e a própria Dilma, que disputa a reeleição, 29%.
Examinando um pouco o histórico das fases prévias de definição de candidaturas presidenciais, pode-se observar que Joaquim Barbosa não é o único ministro do STF a ser cotado como presidenciável. Em 1998, o então presidente da alta corte, Sepúlveda Pertence, viu seu nome cogitado, tendo inclusive sido objeto de forte lobby no mundo jurídico e mesmo de alguns parlamentares no Congresso. O raciocínio era parecido com o atual: o Brasil precisa de alguém apolítico ou de fora da política para atender ao anseio popular pela moralização da coisa pública.
Não obstante, foi-se verificar depois que Sepúlveda Pertence tinha sido Procurador Geral no Governo José Sarney, época em que censurou Leonel Brizola na televisão (propaganda eleitoral de 1986), em represália à denúncia que este fizera do Plano Cruzado, menina dos olhos do então presidente da República, num programa eleitoral reservado ao PDT. Sepúlveda ainda tinha sido indicado ministro da Justiça, cargo altamente político, também por Sarney, que, igualmente o designou ministro do Supremo, em 1989. O jurista Sepúlveda, como era chamado na época, não era assim tão apolítico, como aparentava. Muito pelo contrário, e por isso, sua candidatura não decolou.
Voltando um pouquinho mais no tempo, antes de abordar o caso específico de Joaquim Barbosa, nunca foi esquecida da crônica política a desastrada ascensão de José Linhares, outro presidente do Supremo, para substituir Getúlio Vargas, na presidência da República, depois da queda do Estado Novo, em 1945, num golpe assestado pelos Estados Unidos, no embrião da guerra fria. José Linhares, aliás, nomeado pelo próprio Getúlio, ficou só seis meses no cargo, com todo o apoio americano e midiático, o bastante para nomear a parentada nos diversos cargos públicos. Fez um governo de compadres como nunca dantes visto desde a chegada de Pedro Álvares Cabral, tendo por isso manchado por muito tempo a reputação ilibada de nossos juízes.
Como se vê, a prática de impingir altos magistrados para ocupar a mais o cargo de presidente da República não é uma moda nova, nem no Brasil nem no exterior. No recente golpe que depôs o presidente constitucional do Egito, Mohamed Mursi, os americanos foram buscar outro presidente do Supremo, Adli Mansour (na verdade, ele tinha sido misteriosamente nomeado dias antes do golpe para a corte). Este encheu o governo de banqueiros do FMI e agentes da AIEA e designou o cabeça da quartelada, general Abdel Fatah al Sissi, ministro da defesa e vice-primeiro ministro.
É aqui que chegamos ao Joaquim Barbosa, mola-mestra, digamos assim, do julgamento que condenou os chamados mensaleiros do PT sob a alegação de terem estes petistas subornado deputados de vários partidos para votar a favor de matérias do governo Congresso, mediante parcelas mensais, de onde saiu o apelido de mensalão. Não é o caso aqui, pelo menos por enquanto, de examinar as denúncias de que Barbosa tivesse usado jatinhos da FAB para ver jogos da Copa das Confederações no Rio de Janeiro, recebido 500 mil reais em diárias em outros órgãos do judiciário, pago pelo Supremo a passagem de uma repórter de O Globo à Costa Rica, ou de ganhar quantia exagerada como professor do IESB, universidade privada de Brasília, fundada por amigos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, quando estes ocupavam o ministério da Educação.
O que cabe verificar é se Joaquim Barbosa agiu com isenção no julgamento do mensalão ou se deixou contaminar pelo circo midiático que envolveu aquele juízo, providencialmente marcado para acontecer dias antes das eleições municipais, com evidentes prejuízos eleitorais e políticos para o PT, o partido do governo, um dos principais concorrentes. Supondo que o ministro tenha agido com todo rigor ético e jurídico, como se explica o fato de ele não ter dado a mesma ênfase ao escândalo do mensalão do PSDB, principal adversário do PT e notório beneficiado das empresas de mídia, ocorrido, em Minas Gerais, muito antes da chegada ao poder do PT?
Será que Joaquim Barbosa, que também não é tão apolítico assim e cavou, sobretudo entre amigos dentro do PT, sua indicação para o Supremo, com o forte argumento de o Supremo necessitar de um juiz negro para melhor equilibrar suas decisões, uma vez que as mulheres já estavam ali representadas? Para isso Barbosa terá de ser tão diligente como o foi no caso do PT, pois, do contrário, corre o risco de tornar-se mais um juiz pseudo-moralista ou um simples factoide da guerra sucessória. (Por FC Leite Filho)
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