Fidel Castro andou desaparecido uns dias, o que causou certa preocupação. Mas ele volta afiado avaliando os acontecimentos e se fixando na figura de Hugo Chávez, cuja morte, como disse, representou “uma tragédia para o continente”. E ressaltou que o líder venezuelano soube formar uma classe de dirigentes, a começar do atual presidente Nicoláas Maduro.
Numa conversa informal a Ignacio Romanet, escritor dois livros de entrevistas de 100 horas com Fidel e Com Chávez, e diretor do Le Monde Diplomatique, Fidel afirmou: “Soube formar toda uma geração de jovens dirigentes; a seu lado adquiriram uma sólida formação política, o que se revelou fundamental depois do falecimento de Chávez, para a continuidade da revolução bolivariana. Aí está, em particular, Nicolás Maduro com sua firmeza e sua lucidez que lhe permitiram ganhar brilhantemente as eleições de 8 de dezembro”.
A seguir, o relato de Ignacio Ramonet, traduzido pelo site Carta Maior:
Fazia um dia de primaveral doçura, submergido por essa luz refulgente e esse ar cristalino tão característicos do mágico dezembro cubano. Chegavam cheiros do oceano próximo e se ouviam as verdes palmeiras embaladas por uma lânguida brisa. Em um desses « paladares » que abundam agora em La Habana, estava eu almoçando com uma amiga. De repente, tocou o telefone. Era meu contato: « A pessoa que desejavas ver, está te esperando em meia hora. Apressa-te. » Deixei tudo, me despedi da amiga e me dirigi ao lugar indicado. Ali me aguardava um discreto veículo cujo chofer guiou de imediato rumo ao oeste da capital.
Eu tinha chegado a Cuba quatro dias antes. Vinha da Feira de Guadalajara (México) onde estive apresentando meu novo livro “Hugo Chávez. Mi primera vida – conversaciones con el líder de la revolución bolivariana” . Em La Habana, se celebrava com imenso êxito, como cada ano por essas datas, o Festival do Novo Cinema Latino-americano. E seu diretor Iván Giroud teve a gentileza de me convidar para a homenagem que o Festival desejava prestar a seu fundador Alfredo Guevara, um autêntico gênio criador, o maior impulsionador do cinema cubano, falecido em abril de 2013.
Como sempre, quando pouso em La Habana, havia perguntado por Fidel. E, através de vários amigos comuns, havia transmitido minhas saudações. Fazia mais de um ano que não o via. A última vez tinha sido em 10 de fevereiro de 2012 no marco de um grande encontro « pela Paz e a preservação do Meio Ambiente », organizado à margem da Feira do livro de La Habana, no qual o Comandante da revolução cubana conversou com uma quarentena de intelectuais.
Foram abordados, naquela ocasião, os temas mais diversos, começando pelo « poder midiático e a manipulação das mentes » do qual me tocou falar em um tipo de palestra inaugural. E não me esqueço da pertinente reflexão que Fidel fez ao final de minha exposição: « O problema não está nas mentiras que os meios dominantes dizem. Isso não podemos impedir. O que devemos pensar hoje é como nós dizemos e difundimos a verdade. »
Durante as nove horas que durou essa reunião, o líder cubano impressionou seu seleto auditório. Demostrou que, já com 85 anos de idade, conservava intacta sua vivacidade de espírito e sua curiosidade mental. Intercambiou ideias, propôs temas, formulou projetos, projetando-se para o novo, para a mudança, para o futuro. Sensível sempre às transformações em curso do mundo.
Quão diferente o encontraria agora, dezenove meses depois? Me perguntava a bordo do veículo que me aproximava dele. Fidel havia feito poucas aparições públicas nas últimas semanas e havia difundido menos análises ou reflexões que em anos anteriores .
Chegamos. Acompanhado de sua sorridente esposa Dalia Soto del Valle, Fidel me esperava na entrada do salão de sua casa, uma peça ampla e luminosa aberta sobre um ensolarado jardim. O abracei com emoção. Aparentava estar em estupenda forma. Com esses olhos brilhantes como estiletes sondando a alma de seu interlocutor. Impaciente já de iniciar o diálogo, como se tratasse, dez anos depois, de prosseguir nossas longas conversações que deram lugar ao livro « Ciem horas com Fidel ».
Ainda não havíamos sentado e já me formulava uma infinidade de perguntas sobre a situação econômica na França e a atitude do governo francês… Durante duas horas e meia, falamos de tudo um pouco, pulando de um tema a outro, como velhos amigos. Obviamente se tratava de um encontro amistoso, não profissional.
Nem gravei nossa conversação, nem tomei nenhuma nota durante o transcurso da conversa . E este relato, além de dar a conhecer algumas reflexões atuais do líder cubano, só aspira responder a curiosidade de tantas pessoas que se perguntam, com boas ou más intenções: como está Fidel Castro?
Já disse: estupendamente bem. Perguntei-lhe por que ainda não havia publicado nada sobre Nelson Mandela, falecido havia já mais de uma semana. « Estou trabalhando nisso, declarou, terminando o rascunho de um artigo . Mandela foi um símbolo da dignidade humana e da liberdade. O conheci muito bem. Um homem de uma qualidade humana excepcional e de uma nobreza de ideias impressionante. É curioso ver como os que ontem amparavam o Apartheid, hoje se declaram admiradores de Mandela. Que cinismo! A gente se pergunta, se ele só tinha amigos, quem então prendeu Mandela? Como o odioso e criminoso Apartheid pode durar tantos anos? Mas Mandela sabia quem eram seus verdadeiros amigos.
Quando saiu da prisão, uma das primeiras coisas que fez foi vir visitar-nos. Nem sequer era ainda presidente da África do Sul! Porque ele não ignorava que sem a proeza das forças cubanas, que romperam a coluna vertebral da elite do exército racista sul-africano na batalha de Cuito Cuanavale [1988] e favoreceram, assim, a independência da Namíbia, o regime do Apartheid não teria caído e ele teria morrido na prisão. E isso que os sul-africanos possuíam várias bombas nucleares, e estavam dispostos a utilizá-las! »
Falamos depois de nosso amigo comum Hugo Chávez. Senti que ainda estava sob a dor da terrível perda. Evocou o Comandante bolivariano quase com lágrimas nos olhos. Me disse que havia lido, « em dois dias », o livro « Hugo Chávez. Mi primera vida ». « Agora tens que escrever a segunda parte. Todos queremos ler. Deves isso a Hugo. », completou. Aí interveio Dalia para comentar que esse dia [13 de dezembro], por insólita coincidência, fazia 19 anos do primeiro encontro dos dois Comandantes cubano e venezuelano. Houve um silêncio. Como se essa circunstância lhe conferisse naquele momento uma indefinível solenidade à nossa visita.
Meditando para si mesmo, Fidel se pôs então a lembrar daquele primeiro encontro com Chávez no dia 13 de dezembro de 1994. « Foi uma pura casualidade, relembrou. Soube que Eusebio Leal tinha convidado ele para dar uma conferência sobre Bolívar. E quis conhecê-lo. Fui esperá-lo ao pé do avião. Coisa que surpreendeu muita gente, incluindo o próprio Chávez. Mas eu estava impaciente por vê-lo. Nós passamos a noite conversando. » « Ele me contou, eu disse, que sentiu que você estava fazendo ele passar por um exame… » Fidel se larga a rir:
« É verdade! Queria saber tudo dele. E me deixou impressionado… Por sua cultura, sua sagacidade, sua inteligência política, sua visão bolivariana, sua gentileza, seu humor… Ele tinha tudo! Me dei conta que estava em frente a um gigante da talha dos melhores dirigentes da história da América Latina. Sua morte é uma tragédia para nosso continente e uma profunda desdita pessoal para mim, que perdi o melhor amigo… »
« Você vislumbrou, naquela conversa, que Chávez seria o que foi, ou seja, o fundador da revolução bolivariana? » « Ele partia com uma desvantagem: era militar e havia se sublevado contra um presidente socialdemocrata que, na verdade, era um ultraliberal… Em um contexto latino-americano com tanto gorila militar no poder, muita gente de esquerda desconfiava de Chávez. Era normal.
Quando eu conversei com ele, há dezenove anos agora, entendi imediatamente que Chávez reivindicava a grande tradição dos militares de esquerda na América Latina. Começando por Lázaro Cárdenas [1895-1970], o general-presidente mexicano que fez a maior reforma agrária e nacionalizou o petróleo em 1938… »
Fidel fez uma amplo exposição sobre os « militares de esquerda » na América Latina e insistiu sobre a importância, para o comandante bolivariano, do estudo do modelo constituído pelo general peruano Juan Velasco Alvarado. « Chávez o conheceu em 1974, em uma viagem que fez ao Peru sendo ainda cadete. Eu também me encontrei com Velasco uns anos antes, em dezembro de 1971, regressando de minha visita ao Chile da Unidade Popular e de Salvador Allende. Velasco fez reformas importantes, mas cometeu erros. Chávez analisou esses erros e soube evitá-los. »
Entre as muitas qualidades do Comandante venezuelano, Fidel sublinhou uma em particular: « Soube formar toda uma geração de jovens dirigentes; a seu lado adquiriram uma sólida formação política, o que se revelou fundamental depois do falecimento de Chávez, para a continuidade da revolução bolivariana. Aí está, em particular, Nicolás Maduro com sua firmeza e sua lucidez que lhe permitiram ganhar brilhantemente as eleições de 8 de dezembro. Uma vitória capital que o afiança em sua liderança e dá estabilidade ao processo. Mas em torno de Maduro há outras pessoalidades de grande valor como Elías Jaua, Diosdado Cabello, Rafael Ramírez, Jorge Rodríguez… Todos eles formados, às vezes desde muito jovens, por Chávez. »
Nesse momento, se somou à reunião seu filho Alex Castro, fotógrafo, autor de vários livros excepcionais . Se pôs a tirar algumas imagens « para recordação » e se eclipsou depois discretamente.
Também falamos com Fidel do Irã e do acordo provisório alcançado em Genebra, no último dia 24 de novembro, um tema que o Comandante cubano conhece muito bem e que desenvolveu em detalhe para concluir dizendo: « O Irã tem direito a sua energia nuclear civil. » Para em seguida advertir do perigo nuclear que corre o mundo pela proliferação e pela existência de um excessivo número de bombas atômicas em mãos de várias potências que « têm o poder de destruir várias vezes nosso planeta ».
Preocupa-o, há muito tempo, a mudança climática e me falou do risco que representa a respeito o relançamento, em várias regiões do mundo, da exploração do carvão com suas nefastas consequências em termos de emissão de gases de efeito estufa: « Cada dia, me revelou, moerem umas cem pessoas em acidentes de minas de carvão. Uma hecatombe pior que no século XIX… »
Continua interessando-se por questões de agronomia e botânica. Me mostrou uns frascos cheios de sementes: « São de amoreira, me disse, uma árvore muito generosa da qual se pode tirar infinitos proveitos e cujas folhas servem de alimento para o bicho da seda… Estou esperando, dentro de um momento, um professor, especialista em amoreiras, para falar deste assunto. »
« Vejo que você não para de estudar. », lhe disse. « Os dirigentes políticos, me respondeu Fidel, quando estão ativos carecem de tempo. Nem sequer podem ler um livro. Uma tragédia. Mas eu, agora que já não estou na política ativa, me dou conta de que tampouco tenho tempo. Porque o interesse por um problema te leva a interessar-te por outros temas relacionados. E assim vais acumulando leituras, contatos e, de repente, te dás conta que te falta o tempo para saber um pouco mais de tantas coisas que gostaria de saber… »
As duas horas e meia passaram voando. Começava a cair a tarde sem crepúsculo em La Habana e o Comandante ainda tinha outros encontros previstos. Me despedi com carinho dele e de Dalia. Particularmente feliz por ter constatado que Fidel continua tendo seu espetacular entusiasmo intelectual.endedora, o trabalhador, o operário – ordenam o mundo. Esse é o sentido comum. É a concepção de mundo básica com a qual ordenamos a vida cotidiana. A maneira pela qual valoramos o justo e o injusto, o desejável e o possível, o impossível e o provável. A esquerda mundial tem que lutar por um novo sentido comum, progressista, revolucionário, universalista. Mas, obrigatoriamente, um novo sentido comum.
Em segundo lugar, necessitamos recuperar – como apresentou o primeiro expositor de maneira brilhante – o conceito de democracia. A esquerda sempre reivindicou a bandeira da democracia. É nossa bandeira. É a bandeira da justiça, da igualdade, da participação. Mas para isso temos que nos livrar da concepção da democracia como um fato meramente institucional. A democracia são instituições? Sim, são instituições. Mas é muito mais do que isso. A democracia é votar a cada quatro ou cinco anos? Sim, mas é muito mais do que isso. É eleger o Parlamento? Sim, mas é muito mais do que isso. É respeitar as regras da alternância? Sim, mas não é só isso. Essa é a maneira liberal, fossilizada, de entender a democracia na qual às vezes ficamos presos. A democracia são valores? São valores, princípios organizativos do entendimento do mundo: a tolerância, a pluralidade, a liberdade de opinião, a liberdade de associação. Está bem, são princípios, são valores, mas não são somente princípios e valores. São instituições, mas não são somente instituições.
A democracia é prática, é ação coletiva. A democracia, no fundo, é a crescente participação na administração dos bens comuns que uma sociedade possui. Há democracia se os cidadãos participam dessa administração. Se temos como um patrimônio comum a água, então democracia é participar na gestão da água. Se temos como patrimônio comum o idioma, a língua, democracia é a gestão comum do idioma. Se temos como patrimônio comum as matas, a terra, o conhecimento, democracia é a gestão comum destes bens. Crescente participação comum na gestão das matas, na gestão da água, na gestão do ar, na gestão dos recursos naturais. Teremos democracia, no sentido vivo, não fossilizado do termo, se a população (e a esquerda trabalhar para isso) participar de uma gestão comum dos recursos comuns, das instituições, do direito e das riquezas.
Os velhos socialistas dos anos 70 falavam que a democracia deveria tocar as portas das fábricas. É uma boa ideia, mas não é suficiente. Deve tocar a porta das fábricas, a porta dos bancos, das empresas, das instituições, a porta dos recursos, a porta de tudo o que seja comum para as pessoas. Nosso delegado da Grécia me perguntava sobre o tema da água. Como começamos na Bolívia? Por temas básicos, de sobrevivência, água! E, em torno da água, que é uma riqueza comum, que estava sendo expropriada, o povo travou uma “guerra” e recuperou a água para a população. Depois recuperamos não somente a água, fizemos outra guerra social e recuperamos o gás e o petróleo, as minas e as telecomunicações, e falta muito ainda por recuperar. Mas a água foi o ponto de partida para a crescente participação dos cidadãos na gestão dos bens comuns que tem uma sociedade, uma região.
Em terceiro lugar, a esquerda tem que recuperar também a reivindicação do universal, dos ideais universais. Dos comuns. A política como bem comum, a participação como uma participação na gestão dos bens comuns. A recuperação dos bens comuns como direito: direito ao trabalho, direito à aposentadoria, direito à educação gratuita, direito à saúde, a um ar limpo, direito à proteção da mãe terra, direito à proteção da natureza. São direitos. Mas são universais, são bens comuns universais frente aos quais a esquerda, a esquerda revolucionária, tem que propor medidas concretas, objetivas e de mobilização. Eu estava lendo no jornal como na Europa estão se utilizando recursos públicos para salvar bens privados. Isso é uma aberração. Usaram o dinheiro dos poupadores europeus para socorrer os bancos.
Usaram bens comuns para socorrer o privado. O mundo está ao contrário! Tem que ser o inverso disso: usar os bens privados para salvar e ajudar os bens comuns. Não os bens comuns para salvar os bens privados. Os bancos têm que ter um processo de democratização e de socialização de sua gestão. Caso contrário, eles vão acabar tirando não somente seu trabalho, sua casa, sua vida, sua esperança e tudo mais, e isso é algo que não se pode permitir.
Também precisamos reivindicar, em nossa proposta como esquerda, uma nova relação metabólica entre o ser humano e a natureza. Na Bolívia, por nossa herança indígena, chamamos isso de uma nova relação entre ser humano e natureza. Como o presidente Evo diz, a natureza pode existir sem o ser humano, mas o ser humano não pode existir sem a natureza. Mas não é o caso de cair na lógica da economia verde, que é uma forma hipócrita de ecologismo.
Há empresas que aparecem ante vocês europeus como protetoras da natureza, como se fossem limpas, mas essas mesmas empresas provocam uma série de desperdícios e danos na Amazônica, na América e na África. Aqui são depredadores, aqui são defensores e ali se tornam depredadores. Converteram a natureza em outro negócio. A a preservação radical da ecologia não é um novo negócio, nem uma nova lógica empresarial. É preciso restituir uma nova relação, que é sempre tensa. Porque a riqueza que vai satisfazer necessidades humanas requer transformar a natureza e ao fazermos isso modificamos sua existência, modificamos a biosfera. Ao modificarmos a biosfera, muitas vezes destruímos a natureza e também o ser humano. O capitalismo não se importa com isso, porque para ele tudo não passa de um negócio. Mas para nós sim, para a esquerda, para a humanidade, para a história da humanidade. Precisamos reivindicar uma nova lógica de relação, não diria harmônica, mas sim metabólica, mutuamente benéfica, entre entorno vital natural e ser humano. Trabalho, necessidades.
Por último, não resta dúvida que precisamos reivindicar a dimensão heroica da política. Hegel via a política em sua dimensão heroica. E seguindo a Hegel suponho, Gramsci dizia que as sociedades modernas, a filosofia e um novo horizonte de vida, tem que se converter em fé na sociedade. Isso significa que precisamos reconstruir a esperança, que a esquerda tem ser a estrutura organizativa, flexível, crescentemente unificada, que seja capaz de reabilitar a esperança nas pessoas. Um novo sentido comum, uma nova fé – não no sentido religioso do termo -, mas sim uma nova crença generalizada pela qual as pessoas dediquem heroicamente seu tempo, seu esforço, seu espaço e sua dedicação.
Eu destaco o que comentava minha companheira quando nos dizia que hoje temos 30 organizações políticas reunidas aqui. Excelente. Isso quer dizer que é possível reunir-se, que é possível sair dos espaços fechados. A esquerda tão débil hoje na Europa não pode se dar ao luxo de ficar distante de seus companheiros. Pode haver diferença em 10 ou 20 pontos, mas coincidimos em 100. Esses 100 tem que ser os pontos de acordo, de proximidade, de trabalho. E deixemos os outros 20 para depois. Somos demasiados fracos para nos darmos ao luxo de seguir em brigas doutrinárias e de pequenos feudos, nos distanciando dos demais. É preciso assumir novamente uma lógica gramsciana para unificar, articular e promover ações comuns.
É preciso tomar o poder do Estado, lutar pelo Estado, mas nunca devemos esquecer que o Estado, mais do que uma máquina, é uma relação. Mais do que matéria, é uma ideia. O Estado é fundamentalmente ideia. E um pedaço é matéria. É matéria como relações sociais, como força, como pressões, como orçamentos, acordos, regulamentos, leis. Mas é fundamentalmente ideia como crença de uma ordem comum, de um sentido de comunidade. No fundo, a luta pelo Estado é uma luta por uma nova maneira de nos unificarmos, por um novo universal. Por uma espécie de universalismo que unifique voluntariamente as pessoas.
Mas isso requer uma vitória prévia no terreno das crenças, uma vitória sobre os nossos adversários na palavra, no sentido comum, ter derrotado previamente as concepções dominantes de direita no discurso, na percepção do mundo, nas percepções morais que temos das coisas. E isso requer um trabalho muito árduo. A política não é somente uma questão de correlação de forças, capacidade de mobilização. Em um momento, ela será isso. Mas ela é, fundamentalmente, convencimento, articulação, sentido comum, crença, ideia compartilhada, juízo e conceito compartilhado a respeito da ordem do mundo. E aqui a esquerda não pode se contentar somente com a unidade de suas organizações. Ela tem que se expandir para o âmbito dos sindicatos, que são o suporte da classe trabalhadora e sua forma orgânica de unificação.
É preciso ficar muito atento também, companheiros e companheiras, a outras formas inéditas de organização da sociedade, à reconfiguração das classes sociais na Europa e no mundo, às formas diferentes de unificação, formas mais flexíveis, menos orgânicas, talvez mais territoriais, menos por centros de trabalho. Tudo é necessário. A unificação por centros de trabalho, a unificação territorial, a unificação temática, a unificação ideológica. É um conjunto de formas flexíveis, frente às quais a esquerda tem que ter a capacidade de articular, propor e de seguir adiante.
Permitam-me em nome do presidente, e em meu nome, felicita-los, celebrar esse encontro, desejar-lhes e exigir-lhes – de maneira respeitosa e carinhosa – que lutem, lutem e lutem!. Não nos deixem sós, outros povos que estamos lutando de maneira isolada em alguns lugares, na Síria, na Espanha, na Venezuela, no Equador, na Bolívia. Não nos deixem sós. Precisamos de vocês, precisamos mais ainda de uma Europa que não veja somente à distância o que ocorre em outras partes do mundo, mas sim novamente uma Europa que volte a iluminar o destino do continente e o destino do mundo.
Tradução: Marco Aurélio Weissheimer