(Publicado origjnalmente em Ter, 21 de Outubro de 2008)
Por Beto Almeida (*)
Há um novo mapa político na América Latina. E sobre ele uma crise no coração financeiro do imperialismo já que seus métodos para uma acumulação de capital especulativo sobre capital especulativo começam a desmoronar, revelando a fraude na elaboração das políticas econômicas sempre impostas pelas mesmas instituições hoje desacreditadas – o FMI é uma delas, cuja extinção foi reivindicada pelo presidente Hugo Chávez – e que fabricaram o desastre social da era neoliberal na América Latina.
A resistência da luta das massas latino-americanas às políticas neoliberais forjaram rebeliões e rebeliões. Foi com muitas vidas que se pagou o criminoso preço social para resistir e fazer recuar estas políticas. Na Guerra do Gás e na Guerra da Água na Bolívia, quantos jovens, estudantes, trabalhadores e campesinos pagaram com a própria vida para derrubar governos neoliberais e construir a caminhada de Evo Morales até o Palácio de Quemados? Quantos governos oligárquicos e imperialistas foram derrubados no Equador até que se abrisse caminho, com o sangue derramado, para que Rafael Correa chegasse à presidência e para que os equatorianos tivessem uma nova constituição, aprovada em Referendo? Quantas vidas foram devoradas pela criminalidade social generalizada da Venezuela sob a era da oligarquia petroleira até que a consciência revolucionária bolivariana germinasse e se organizasse a partir das fileiras militares e convocasse o povo da terra de Miranda para colocar um mestiço negro e índio no poder?
Seguiríamos a trilha enumerando o custo social de uma resistência à ditadura de abutres na Argentina e no Chile, ou no Brasil, cuja caminhada de Lula até o Palácio do Planalto cobrou enorme quantidade de sangue jovem, sobretudo de pobres, predominantemente de negros, e também de camponeses eternamente rebelados enquanto a terra for proibida. Quanto custou em vidas para que o Paraguay acordasse de sua noite mais longa nas décadas de governos assassinos e corruptos até que um bispo de coração popular e coragem de trabalhador servisse de bandeira para reunir o sentimento de mudança e abrir as portas de uma nova etapa na história guarani?
Muito se pagou. Não semeamos esta terra com o sangue de muitos lutadores para que agora, diante da crise lá no coração do cassino que chamam de centro financeiro imperial, os que receitaram o desastre de décadas tenham novamente a acintosa pretensão de querer recomendar políticas econômicas que preservem uma vez mais os privilégios da oligarquia financeira, internacional e nacional!
O caminho tem que ser outro. Quando o presidente Lula fala em enfrentar a crise financeira com mais produção e mais mercado interno acerta, mas também revela a necessidade de medidas mais concretas. Se alega que temos condições para resistir, vale ressaltar que isto se deve em grande parte porque a era da privataria, a da demolição da Era Vargas , não conseguiu destruir tudo. Ainda temos instrumentos e ferramentas. Ainda temos um banco estatal de fomento como o BNDES, criado por Vargas; ainda temos instituições financeiras estatais. Ainda temos uma Petrobrás – que deve ser totalmente renacionalizada, como se faz na Bolívia, na Venezuela e no Equador – muito embora não se deva deixar de responsabilizar os que pretenderam cometer o crime de lesa pátria transformando Petobrás em PetrobraX, desnacionalizando parcelas de suas ações após desvalorizações programadíssimas…. Quanto o país perdeu neste período de privataria? Uma auditoria deve ser feita, esta conta tem que ser cobrada!
Uma maior presença estado no controle das ferramentas fundamentais de desenvolvimento deve ser a resposta a ser apresentada pelos movimentos sociais, agora com muito mais força e com a razão demonstrada pela crise das políticas do fundamentalismo mercadológico. Diante da catástrofe que nos ameaça é preciso reivindicar a adoção de medidas mais que conjunturais. A nacionalização do sistema financeiro – que não implica expropriar um centavo dos correntistas – traz o controle necessário e indispensável do estado sobre o centro nevrálgico da economia, os bancos, hoje totalmente interligados ao setor produtivo, seja de alimentos, de remédios, da construção civil ou de bens de consumo, e também ligados ao setor de comércio, de serviços da sociedade. A experiência nefasta da desregulamentação e da falta de controle sobre as finanças nos EUA deve ser uma lição a ser aprendida com verdade e coragem.
Também se faz necessária a revisão da lei sancionada em fevereiro deste ano quebrando o monopólio estatal dos seguros e resseguros. Criado por Vargas em 1938, seguindo orientação do nacionalista Barbosa Lima Sobrinho, tratou-se de medida preventiva diante das incertezas de um mundo sob os solavancos de uma guerra, protegia da economia nacional das ondas de instabilidade na economia internacional. Por que não retomar agora mesmo o monopólio estatal de seguros já que nos meses que se seguiram à sua quebra algumas das poucas empresas transnacionais que penetraram no mercado brasileiro são exatamente aquelas envolvidas da falência de bancos e instituições financeiras norte-americanas? O que justifica desguarnecer a economia brasileira e permitir o controle de um setor tão sensível por empresas que estão sendo responsabilizadas pela crise norte-americana? Uma delas, a Merry Linch, à qual está ligado o ex-ministro da Fazenda, Marcílio Marques Moreira, foi nada mais nada menos a que conduziu o processo de privatização, internacionalização e doação da Vale do Rio Doce, com gigantestos prejuízos para o povo brasileiro, rigorosamente lesado, já que a criação desta estatal, na Era Vargas, em 1938, se deu através de decisão soberana, com recursos do Tesouro, ou seja, com a poupança do nosso povo.
Finalmente, o que justifica manter o depósito das reservas nacionais em bancos que estão marcados pela instabilidade, pela falta de transparência, pela sustentação de políticas que já provocaram enorme rapina na poupança dos contribuintes norte-americano? Por que não dar ouvidos agora exatamente aos que são os mais demonizados pela mídia do capital e suas instituições? Por que não ouvir os reiterados clamores do presidente Hugo Chávez que vem propondo acelerar a instalação do Banco do Sul, finalmente criado, para que as reservas dos países do Sul tenham porto seguro onde aportar e este porto, como demonstram sobejamente os fatos, não encontra-se em Wall Street? Até mesmo o presidente do Irâ já anunciou disposição para depositar as reservas da nação persa no Banco do Sul, já que ela é vítima de sabotagem e agressões do imperialismo, cujos alcances podem ser sinistros….
Que esperam os mandatários da Unasul para uma reunião de emergência, antes que a crise nos atropele a todos, destinada a discutir com soberania e altivez a preservação dos interesses destes países ? A começar por não deixar que volumosas reservas, hoje depositadas em bancos abalados por uma crise que chega até mesmo à própria confiabilidade da moeda – o dólar emitido sem lastro – corram o risco de serem derretidas na irresponsabilidade e na prática contumaz de rapina da oligarquia imperial.
Sim, há um novo mapa político na América Latina, mas a crise que nos ameaça deve conduzir à abertura de novos caminhos. É hora de coragem e determinação para que a crise seja aproveitada como oportunidade histórica que nos fortaleça, como na crise de 29, e não como armadilha que nos devore.
(*)Beto Almeida, jornalista
Diretor da Telesur