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As reservas intocáveis

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(Publicado originalmente em Seg, 11 de Janeiro de 2010)
Entrevista da semana: Professora Maria de Lourdes Mollo, da UnB

O blog entrevistou a professora Maria de Lourdes Mollo, titular do departamento de Economia da Universidade de Brasília, UnB, sobre a intocabilidade das reservas e dos bancos centrais do Brasil e de praticamente do mundo inteiro. A professora é especialista em Economia Monetária, Economia Política e Economia Brasileira. Ela integra, com outros economistas de vanguara, a linha keynesiana, que propugna uma economia mais voltada para os projetos nacionais dos países do que para as altas financças. Assista às quatro partes da entrevista, de 32 minutos de duração, no Youtube:

1a. parte

2a. parte

3a. parte

Final

Muito se fala em tentação autoritária de Chávez, dos Kirchner, de Evo Morales, mas ninguém aborda o discricionarismo das altas finanças internacionais sobre os bancos centrais, particularmente dos países periféricos às grandes potências. O episódio da manutenção, por enquanto, do presidente do BC argentino, Martín Redrado revela bem até que ponto, os BCs podem desafiar qualquer poder institucional.

Redrado, como se sabe, foi demitido por decreto, pela presidente Cristina Kirchner porque resolveu descumprir a lei do Fundo Bicentenário, que prevê a utilização de 6,5 bilhões de dólares, de um total de 47 bi, para pagar parte da dívida, e financiar obras de investimento no país. Veio uma juiza de primeira instância, Maria José Sarmiento e boto abaixo o poder presidencial (o Congresso está em recesso até março) e reintegra no cargo Martín Medrado. E Redrado diz que vai continuar descumprindo a lei e não liberar o uso das reservas, como prevê o decreto.

Esta lei, baixada com base nos poderes especiais na área econômica concedidos pelo Congresso, cria o Fundo do Bicentenário, pelo qual o governo quer fazer uso de 6,5 bilhões de dólares das reservas cambiais, hoje em torno de 47 bi, para pagar parte da dívida externa e financiar o programa de obras do bicentenário da independência, que ocorre este ano. Escorado pelo aparato midiático-financeiro e a oposição conservadora, reforçada na eleição legislativa de de junho de 2008, em guerra aberta contra a presidente, Martín Redrado  alega que a liberação daqueles recursos comprometeria a missão do BC de proteção à moeda.

Proteger a moeda como, se, ao pagar a dívida com as reservas, pelas quais o tesouro desembolsa um percentual de entre 0,5% e 2%, o governo estará se livrando de juros de até 14% que lhe cobram os banqueiros por essa mesma dívida? Neste ano de 2010, o governo terá de pagar um total de 13 bilhões, depois de ter pago 20 bi, em 2008. Mas a pressão dos banqueiros, que, em última análise, controlam o banco central, é para que as reservas permaneçam intocáveis, deixando o país sangrar para contrair novos empréstimos a juros que podem chegar a 16%.

A crise revela para que serve a propalada “indepência” ou “soberania” dos bancos centrais, de lá e daqui do Brasil, como de resto de qualquer país da periferia. Não é à toa que Martín Redrado mostra tanto poder, a ponto de confrontar a lei e as instituições e continuar no cargo, mesmo sustentado por uma juíza de primeira instância. Se o governo conseguir derrubar a decisão da juíza Sarmiento em outras instâncias,  poderá seguir com seu programa de desenvolvimento, que, nos seis anos de mandatos de Néstor e Cristina Kirchner, conseguiu tirar o país da profunda depressão a que lhe empurrou o neoliberalismo dos governos passados, inclusive o do peronista Carlos Mendez  (1989-1999), que se passou para o outro lado

Estas forças conservadoras, que agora estão em nível de quase igualdade com as governistas no Parlamento, querem atropelar a constituição para convocar o Congresso, em recesso até março. Como a convocação é competência do poder executivo ou de 2/3 do Congresso e a oposição  não tem esta maioria, elas esperam criar um fato consumado, a partir de uma convulsão política, a ser desencadeada pela conspiração dos  meios de comunicação, atualmente em campanha para açular a população contra o governo.

Os Kirchner, no entanto, já revelaram poder de mobilização popular e político em outras ocasiões. Enfrentaram a crise contra o setor agropecuário, em 2008, e com o jornal Clarín, maior conglomerado midiádico do país e que vem se arrastando desde aquela época. Desta vez, a crise é mais profunda e seus inimigos mais poderosos, mas se eles sobreviverem – porque a conspiração está à solta – e mantiverem seu programa de governo, as interferências externas e financeiras sobre a Argentina terão sido em parte suplantadas, como ocorre agora na Venezuela. Neste país, o presidente Chávez, acaba de anunciar a transferência de 8 bilhões das reservas para fazer face às necessidades das obras sociais e econômicas do país, e ninguém chiou, pelo menos de público.

Veja também:

Manipulação midiática, por César Fonseca

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