Polêmica à parte, uma decorrência natural da complexidade do tema, a Lei da Mídia Argentina, em vigência desde sua sanção, pela presidente Cristina Kirchner, no sábado, 10/10/09, merece um exame acurado, sem paixões nem preconceitos. Primeiramente, a Ley de Medios, como passou a ser internacionalmente conhecida, constitui o mais sério – e efetivo – esforço para, de forma institucional, regular e controlar os meios de comunicação de massa e o direito de acesso a eles pelo cidadão comum.
O que se verificava até aqui, como continua predominando no Brasil, é o controle férreo da informação e do entretenimento coletivos por umas cinco ou seis famílias. São elas as proprietárias e senhoras absolutas das grandes redes, as quais, pela força da TV, do rádio, dos jornais, e agora da internet, ditam comportamentos, formam opiniões e impõem a pauta política, segundo seus negócios privados e não os reclamos da coletividade. E tudo isso sem nenhum freio ou fiscalização das instituições nacionais, que, amedrontadas e humilhadas, se curvam ao seu poderio.
Como faz a nova lei argentina, aprovada por expressiva maioria da Câmara e do Senado e depois de debatida e aclamada por amplos setores da população? Ela começa por quebrar o monopólio dos grandes grupos de comunicação – um só grupo dominava 70% da audiência das TVs, jornais e rádios e a quase totalidade da internet. Agora um mesmo concessionário só poderá ter um canal aberto ou por cabo (ou um ou outro, porque é vedada a simultaneidade), por localidade, sendo que sua abrangência não pode superar 35% da população. A atuação do setor privado ficou limitado a 33% do espectro rádioelétrico (televisivo e radiofônico). Os 67% restantes serão distribuídos entre os governos nacional e estaduais, as universidades, populações originárias (aborígenes), entidades sindicais, culturais etc. A lei também vedou a presença de políticos ou de detentores de cargos públicos no controle acionário e administração das empresas de comunicação.
Depois, estabelece mecanismos de controle, limite e fiscalização dos programas televisivos e radiofônicos, pela sociedade, mediante a criação de órgãos, como a Autoridade Federal de Serviços de Comunicação, integrada por representantes do Governo, do Parlamento, do setor privado, do setor comunitário e trabalhadores dos meios de comunicação.
Além disso, haverá uma Defensoria Pública de Serviços de Denúncias do Público e Comunicação Audivisual, que será encarregada de receber e canalizar as consultas e reclamos. Os abusos da publicidade também foram enfrentados, com a imposição de um limite de 12 minutos por hora.
O estímulo da produção nacional constituiu outra preocupação da lei, na medida que estabeleceu um mínimo de 60% para a programação das televisoras, com 30% de produção própria, que inclua informativos locais. Este item impede que redes nacionais e internacionais, tanto abertas como por cabo, imponham programações únicas feitas a partir das matrizes, situadas nas metrópoles, sem um mínimo de identidade com as comunidades locais.
No caso das rádios, estas deverão emitir um mínimo de 50% de produção própria, aqui também incluídos os noticiários e informativos da localidade. Quanto aos esportes, incluindo o futebol e as olimpíadas, antes reservados às TVs por cabo (pagas), a lei franqueou todas as competições para os canais de sinal aberto e livre.
Por fim, a nova lei reserva um capítulo especial para as crianças, vítimas do bombardeio constante das cenas de violência e de pornografia emitidas pelas grandes redes comerciais, que não costumam respeitar convenções ou mesmo normas legais. Das 22 horas até a meia noite, a programação das TVs deverá estar voltada para maiores de 13 anos. Só a partir da meia noite, até às seis da manhã, podem ser exibidos conteúdos para maiores de 18 anos. A lei ainda estabelece que a publicidade dirigida às crianças não deve incitar a compra de produtos.
Com estes mecanismos, as instituições argentinas, juntamente com a sociedade civil, a começar da Coalición por una Radiofiusión Democrática e seus 21 Puntos Básicos por el Derecho a la Comunicación, esperam propiciar uma comunicação saudável, em que prevaleça o interesse coletivo e não de grupos econômicos nacionais e estrangeiros.
Veja também:
Principais pontos da Ley de Médios (Lei da Mídia)
Íntegra da Lei de Médios (Lei da Mídia)
[…] Nova Lei da Mídia […]
[…] Mídia: o exemplo da Argentina […]