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Mas vamos ao caso específico, antes que nos alonguemos demais. Na última quarta-feira, 23 de dezembro de 2009, a Câmara Federal de Justiça de San Martín, em Buenos Aires, determinou a extração, “de forma urgente e sem dilações”, de amostras genéticas (DNA) dos filhos de Ernestina Herrera de Noble, dona e presidente do Grupo Clarín -, Felipe e Marcela Noble Herrera, ambos agora com 33 anos de idade. O objetivo é determinar se procedem as denúncias de que estes dois sejam filhos adotados ilegalmente, pois teriam sido roubados de pais assassinados ou desaparecidos pela ditadura militar, implantada pelo general Jorge Vidella, em 1976.
Marcela e Felipe, hoje herdeiros de uma das maiores fortunas do mundo – o grupo Clarín tem cacife considerável nos altos negócios internacionais, além do setor de mídia – integrariam o contingente de 500 crianças nascidas de mães prisioneiras políticas, casadas ou não com militantes da antiga esquerda armada argentina. Tais crianças foram extirpadas das mães logo depois do parto na prisão, como “botins de guerra” e “punição” pelo crime de sublevar-se contra o regime. Elas depois foram presenteadas ou vendidas aos casais sem filhos aliados da ditadura, na maioria militares ou empresários que a custeavam ou patrocinavam . Outras, menos afortunadas, foram atiradas no lixo ou abandonadas em orfanatos como seres sem nome (N.N.), depois de terem anulada sua identidade.
Tais crimes vieram à tona em seguida à queda da última ditadura, em 1981, e deram origem ao movimento de algumas das mães e avós desses meninos, primeiramente denominado “Las madres de la Plaza de Mayo” e que evoluiu para “Abuelas de Mayo”, por causa do fator etário. Las abuelas já identificaram até hoje 100 dessas crianças, muitas das quais retomaram seus laços com os parentes (pais, irmãos ou tios) dos pais biológicos, depois de um complexo processo envolvendo exames e cotejos de fatores genéticos das pessoas envolvidas. Calcula-se que ainda existam cerca de 400 casos por identificar.
Ernestina Laura Herrera, hoje com 84 anos, antiga dançarina de flamenco e enfermeira de Roberto Jorge Noble, o então dono do Clarín, com quem se casou, pouco antes de Noble morrer no hospital, em 1969, aos 67 anos, ainda era uma dessas mães em busca de adotar filhos. Em 1976, quando tinha 51 anos de idade, adotou Marcela e Felipe Noble Herrera. Segundo as denúncias acolhidas pelas Abuelas da Plaza de Mayo, que hoje detém um banco de dados da maioria dos militantes mortos e torturados nos porões da ditadura, a viúva teria obtido as crianças diretamente junto ao ditador Jorge Rafael Vidella, através de gestões conduzidas pelo hoje principal executivo (CEO) do Clarín, Hector Magnetto. Tanto Ernestina, como Videla e Magnetto negam a acusação, mas José Pirillo, diretor do antigo jornal La Razón, e, na época, muito ligado ao Clarín, disse em depoimento por escrito à justiça que Magnetto lhe confessara suas gestões junto a Vidella para a obtenção dos bebês.
Ernestina chegou a ser presa, em 2002, por ordem do juiz federal de San Isidro, Roberto Marquevich, que processou a viúva por “falsificação de adoção de seus filhos”. Na ocasião, ela alegou que Marcela fora encontrada na porta de sua casa, também no bairro de San Isidro, dentro de uma caixa de papelão e que Felipe lhe fora ofertado pela mãe deste, no próprio juizado de menores, onde se encontrava Ernestina para legalizar a adoção de Marcela, sete dias depois de encontrá-la.
Ernestina apresentou como testemunha do achado de Marcela o “jardineiro” Roberto Antônio García e, como mãe de Felipe, Carmen Luiza Delta. Isto foi suficiente para que a juiza Ofélia Hejt aprovasse o processo de adoção. Ocorre que depois se comprovou que Roberto Antônio García, hoje com 85 anos, nunca foi jardineiro, tendo sido na realidade motorista da casa de Ernestina, conforme depoimento que prestou à justiça. Comprovou-se ainda que os dados genéticos de Carmen Luiza Delta pertenciam a uma pessoa falecida e que era do sexo masculino.
Tais evidências não bastaram para esclarecer os fatos e Ernestina foi logo liberada da prisão. O caso foi entregue a outro juiz, Onofre Berghesio, que como sua colega Ofélia Hejt, teria relações próximas com o antigo regime militar e altos empresários. O fato é que Berghesio é acusado de prolongar indefinidamente o processo, não obstante o Congresso Nacional ter aprovado uma lei específica para aplicar compulsoriamente os exames de DNA em pessoas o suspeitas de serem filhos de pais desaparecidos.
Finalmente, a Câmara Federal de Justiça de San Martin, na decisão de 23 de dezembro, ordenou que “o juiz Berghesio leve a cabo a extração de amostras de DNA em Felipe e Marcela Noble Herrera, para submeter de forma imediata e sem dilações os cotejos necessários”. A sentença ainda se extende em críticas ao trabalho do juiz Onofre Berghesio, que acusou de “enredar-se em discussões inconclusivas além de não adotar a medida básica essencial e impostergável de produzir as amostras da DNA”.
Enquanto isso, Marcela e Felipe são reivindicados oficialmente pelas famílias Lanusco-Miranda e García-Gualdero, que suspeitam serem eles seus netos que buscam há três décadas”. Segundo o livro “La Noble Ernestina“, do jornalista (ex-Clarín) e advogado Pablo Llonta, Marcela poderia ser Matilde, filha dos militantes motoneros Lanusco-Miranda, mortos numa ação do Exército, que, a imprensa, num laconismo muito próprio da época, divulgou da seguinte maneira: “Morrem cinco subversivos e seus três filhos de 6 e 4 anos e seis meses”. Matilde seria a menina de seis meses.
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[…] envolve a dona do Clarin, Hernestina Herrera de Noble, acusada de ter adotado duas crianças, Marcela e Felipe, hoje com 33 anos, depois de sequestradas pelos militares de seus pais, então prisioneiros […]