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Crítica do filme “A Criação”

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Por Reynaldo Domingos Ferreira

O Charles Darwin retratado em Criação, de Jon Amiel, não é a figura que se idealiza pela leitura de seus relatos de viagem a bordo do veleiro H.M.S. Beagle, no qual deu a volta ao mundo, visitando até o Brasil. Mesmo assim, o filme, sem também avançar nas suas teorias sobre a evolução das espécies, consegue seduzir o público pelo toque de sensibilidade, na entonação de thriller psicológico, com que expõe o conflito familiar vivido pelo cientista, enquanto escrevia, anos mais tarde (1859), sua obra máxima: A Origem das Espécies.

O roteiro, de John Collee, é baseado na obra Annies´s Box, do ambientalista Randal Keynes, tataraneto de Darwin, e que tem também parentesco com o economista John Maynard Keynes. Por sua argumentação, se afigura a imagem de Darwin (Paul Bettany) aos quarenta anos, deprimido pela morte da filha Annie (Martha West), que, desde pequena, encantava o pai – mais do que seus nove irmãos – por seu extraordinário interesse por plantas e animais. Após o seu desaparecimento, aos dez anos, o naturalista acredita ser possível ainda conversar com ela, criando uma obsessão em torno dessa ideia, que o afasta cada vez mais da mulher Emma (Jennifer Collins), exímia pianista e muito religiosa.

Quando a ação se inicia, chegam à Down House, casa de campo em que habita a família, dois entusiastas dos estudos até então realizados por Darwin – Thomas Huxley (Toby Jones) e Joseph Hooker (Benedict Cumberbatch) -, que o incitam a concluí-los e a escrever um livro sobre o tema. Eles afirmam que, após a publicação da obra, a ciência se isolaria da religião, pois, os ensinamentos bíblicos ficariam superados. O biólogo Huxlei, com entusiasmo, lhe diz: – Você matou Deus!... É pronta a reação de Darwin não tanto pelo temor a Deus, mas pelo receio de desagradar a Emma, com quem já vinha tendo atritos, nesse terreno, à causa da educação dos filhos, submetidos por ela a rígidos castigos impostos pelo Reverendo Innes (Jeremy Northam).

Além da questão religiosa – à qual Darwin esboça a primeira reação ao deixar a igreja para não ouvir insinuações do Reverendo Innes a seu respeito no sermão durante a missa -, o casal amargava sentimento de culpa pelo parentesco que havia entre ambos. Para agravar ainda mais a situação, quando Annie adoece, Darwin decide levá-la a uma estação de águas, determinando que Emma permaneça em casa para tomar conta das demais crianças. Isso iria fazer com que ele, também doente, necessitando dos mesmos tratamentos dados à filha, assistisse a ela se findar, sozinho, numa hospedaria. O trauma que ele sofre, portanto, é muito forte.

O mérito de Amiel é o de não deixar que, em nenhum momento, esse conflito familiar descambe para o melodrama ou, pior, para que as visões que Darwin tem da filha morta assumam uma indesejada característica de terror ou contestatória no plano religioso. Em sua linguagem, na acertada tonalidade de suspense, essas visões não passam de manifestações de seu ego contrariado por não poder se expressar livremente. Há uma advertência, nesse sentido, feita pelo naturalista Parslow (Jim Carter) que o atende. Em outras palavras, a sua covardia moral o enlouquece. Tanto assim que a partir do momento em que ele se propõe a escrever o livro para que Emma decida se deve ser publicado ou destruído, as coisas começam a mudar.

Para conseguir isso, em termos de mise-en-scene, Amiel não só contou com as soberbas atuações de Paul Bettany e de Jennifer Collins – casados na vida real -, como também se apoiou, em várias sequências, nos temas musicais, criados especialmente para a película por Christopher Young e, em um Estudo (Vento de Inverno), de Frédéric Chopin. A sua narrativa é assim lúcida e serena, baseada numa composição de planos que explora, com habilidade, as interpretações de Bettany e de Collins captadas através de magníficos closes, como aquele que focaliza a reação de Darwin ao ser despertado para o fato de que ele matara Deus ou senão o excluíra em suas experiências científicas, ou como o que fixa o rosto de Emma a dizer, no desespero, ao marido: – Deixe a nossa filha morta na sepultura!… Ela agora merece o descanso.

REYNALDO DOMINGOS FERREIRA

ROTEIRO, Brasília, Revista

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FICHA TÉCNICA

CRIAÇÃO

CREATION

Reino Unido/2009

Duração – 108 minutos

Direção – Jon Amiel

Roteiro – John Collee com base no livro Annies´s Box, de Randal Keynes

Produção – Jeremy Thomas

Fotografia – Jess Hall

Música Original – Christopher Young

Edição – Melanie Oliver

Elenco – Paul Bettany (Charles Darwin), Jennifer Collins (Emma Darwin), Martha West (Annie Darwin), Jeremy Northam (Rev. Innes), Toby Jones (Thomas Huxley), Benedict Cumberbatch (Joseph Hooker), Jim Carter (Parslow).

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