Um articulista com coluna no Estadão e no Globo o chamou de “o Bolivar de Garanhuns”. Editoriais e notícias maldosas já pipocam nos jornalões e tudo indica que vem aí uma saraivada de críticas e impropérios ao ex-presidente Luîs Inácio da Silva. Seu crime: visitar a Venezuela de Chávez, Cuba de Fidel e a Nicarágua de Daniel Ortega, os três bêtes-noirs do continente. Lula estaria disposto a passar cinco dias, cruzando a Venezuela de braços com seu odiado presidente. Já se imagina o carnaval que Hugo Chávez vai fazer e a reação apoplética de Washington e seus fiéis seguidores latino-americanos.
Agora, que está solto e livre das discrições impostas pelo cargo quando presidente, Lula vai ter oportunidade saborear in loco a simpatia e popularidade que desfruta não apenas naqueles países – ele deve também passar por El Salvador -, mas em toda o restante da América Latina. Na Argentina, onde ele deverá fazer campanha para a reeleição da presidenta Cristina Kirchner, por exemplo, Lula é considerado o presidente brasileiro com maior prestígio em praticamente todas as fileiras – esquerda, centro direita.
O pano de fundo da viagem não está claro, mas tudo indica que ele vai dar um recado: o de que sua política de integração com os hermanos terá continuidade no governo Dilma, ainda que este se mostre tímido nesta etapa inicial, a ponto de os adversários já considerarem uma reviravolta que conduziria à antiga política de atrelamento aos Estados Unidos e Europa. Lula, igualmente, receberá novos apelos dos presidentes para assumir a secretaria-geral da Unasul – União das Nações Sul-Americanas -, uma cria, aliás do antigo líder metalúrgico, ainda que as intrigas insistam em atribuir sua paternidade às maquinações do tenente-coronel venezuelano.
O cargo, como se sabe, está vago desde a morte do ex-presidente Néstor Kirchner, que morreu subitamente em 27 de outubro de 2010, quando implementava importante trabalho de estruturação do organismo, que, aos poucos está superando a OEA – Organização Americanos -, com sede em Washington, e avançando na solução de conflitos regionais e na aproximação definitiva dos países que formam este subcontinente. Lula vinha resistindo aos apelos para assumir, aparentemente como uma forma de deixar claro que não está brigando por cargo, mas dificilmente poderá declinar se a missão lhe for imposta pela unanimidade dos 12 países, como tudo faz crer.
Por falar em Unasul, é preciso atentar para a última bolada de documentos revelados pelo site Wikileaks e que atestam a posição traiçoeira dos antigos governos da Colômbia, Chile e Paraguai, quando tentaram solapar os esforços dos presidentes brasileiro e venezuelano pela integração. Segundo matéria publicada no site do Estadão, o Wikileaks mostra documento da embaixada americana, em que o ex-presidente colombiano Álvaro Uribe, teria dito à embaixada norte-americana em Bogotá: “Lula se esforça para construir uma aliança antiamericana na América Latina”.
Sob o título “Diplomacia de Lula irritou sul-americanos”, o Estadão relata: “Telegramas secretos da diplomacia americana revelam que, sob o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, países sul-americanos se incomodaram com a liderança brasileira e chegaram a pedir a Washington que “contivesse” as ambições do Brasil na região. Os despachos foram divulgados pelo grupo WikiLeaks. Entre os que solicitaram à diplomacia americana que atuasse contra o aumento da influência do Brasil estão Colômbia, Chile e Paraguai”.
Um trecho do embaixador Dan Johnson no Paraguai, compromete a então ministra de relações exteriores, Leila Rachid: “Rachid afirmou que o Brasil teve uma ‘grande disputa’ com vários chanceleres (da América do Sul), incluindo a ministra colombiana (Carolina) Barco e o chileno (Ignacio) Walker, quando Amorim (Celso, chanceler de Lula) pediu que eles reduzissem as objeções que tinham sobre o Sudão e o processo de paz no Oriente Médio”, descreve o embaixador americano.
Leila Rachid diteria dito ainda ao embaixador norte-americano, que gostaria de falar com a secretária de Estado dos EUA, Condoleezza Rice, sobre “preocupações em relação à política externa e comercial do Brasil”. “Ela (Rachid) estava preocupada com as ambições do Brasil de se tornar uma voz de liderança na região e pediu que os EUA se posicionassem para conter o Brasil.” como se verifica, Lula terá muito com que divertir não apenas com as intrigas diplomáticas, mas particularmente, com as conquistas obtidas pela sua política de aproximação com os vizinhos, sem a qual, o Brasil estaria até hoje no buraco da crise financeira mundial, como ocorre com muitos países europeus e os próprios Estados Unidos.