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Brasil vai dizer, em Quito, se entra no Banco do Sul

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(Publicado originalmente em Seg, 15 de Dezembro de 2008 15:32)

Artigo de FC Leite Filho
Realiza-se quinta-feira, depois de amanhã, em Quito, a conferência de ministros da Fazenda , para definir suas posições quanto ao Banco do Sul, organismo já fundado por um protocolo assinado pela Argentina, Venezuela e Bolívia. O Brasil, que estará representado pelo ministro Guido Mantega, deverá ainda manter uma posição de não engajamento, mas de apoio à iniciativa. Nos últimos encontros com o Presidente Néstor Kirchner, em Buenos Aires, na sexta-feira, 27/4, o Presidente Lula teria dado essas coordenadas.
Com relação a esses encontros, os jornais brasileiros, ao contrário dos argentinos e chilenos, deram pouco destaque àquela visita de Lula ao Chile e à Argentina, mas creio que o evento poderá ter marcado um ponto importante na integração latino-americana. A integração vista aqui não como figura de retórica ou de uma meta sempre almejada e cada vez mais distante, como mostra a história dos últimos cem anos, neste particular. E sim como algo palpável, de resultados concretos, como o intercâmbio direto, e sem intermediário, de energia, matéria prima e dinheiro barato para o nosso desenvolvimento.
No que a viagem de nosso Presidente avançou neste rumo? Eu diria que ela serviu para sedimentar, além de reafirmar, as últimas ações, sempre tortuosas mas nunca frustradas, à frente das quais está a criação do Banco do Sul, uma espécie de FMI sem a tutela dos Estados Unidos e das multinacionais. Poder-se-á alegar que Lula continua, de público, muito vago, se não tergiversante, no apoio do Brasil, tão essencial, à proposta.
A julgar , porém,, pelos informes obtidos pela mídia argentina junto à Casa Rosada (o Palácio de La Moneda, da Presidente Michelle Bachelet, entra aqui figurativamente, mais como Pilatos no credo, dada a importância relativa do Chile no processo, e de seu comprometimento excessivo com a Casa Branca de George Bush), pode-se dizer que o Presidente avançou na decisão de sustentar a posição favorável à concretização do Banco d Sul, entidade aliás já posta em marcha por um protocolo assinado pela Argentina, Venezuela e Bolívia.
É verdade que, na Cúpula Energética Sul-Americana, realizada na Ilha de Margarita, Venezuela, em 15 de abril, Lula pareceu, ou pelo menos foi essa a impressão passada pela mídia, ter implodido, não só o Banco, como todos as outras propostas integracionistas, como a Oppep do Gás, o Gasoduto do Sul e a Petrosul. Lula estava mal-humorado porque havia um sentimento latente de Kirchner, Hugo Chávez e Evo Morales, contra seu programa de biocombustíveis. Ele também acabava de retornar de uma viagem a Camp David, nas cercanias de Washington, para um segundo encontro com o Presidente Bush, em menos de um mês.
Mas, como ficou demonstrado depois, Lula não implodiu nada. Ele fez questão de fazer esta viagem ao Chile e a Argentina, justamente, para demonstrar seus bons propósitos para com aquelas propostas. Como se sabe, além do encontro de trabalho de Lula com o Presidente Néstor Kirchner, na residência oficial de Olivos, na última sexta-feira, 27/04, em que ficou acertada uma série de ações conjuntas, inclusive a decisão de só fazer negócios por ambos os países, através de moeda local (peso e real) e não mais do dólar. Lula assegurou, igualmente, a presença do Brasil na reunião de Quito, na próxima quinta-feira, três de maio.
Nesta ocasião, Guido Mantega, juntamente os ministros da Fazenda da região, vai, exatamente, procurar definir as bases de funcionamento do novo banco.
É verdade que a posição brasileira continuará aparentemente de observação, dada a complexidade do tema e das pressões dos grandes oligopólios, que querem, a todo custo, torpedear a participação brasileira, e com isso, a própria viabilidade do empreendimento.
Nossa posição , dada a dimensão continental, para não falar da situação altamente estratégica e geopolítica do Brasil, é muito delicada e requer todo o cuidado e habilidade possíveis.
Por outro lado, se o Brasil se curvar a essas pressões, sobretudo dos Estados Unidos e das grandes potências, ficará de fora de um empreendimento essencial para a sua autonomia e desenvolvimento. O país ficaria então isolado e totalmente à mercê da predação internacional. ao passo que seus vizinhos estarão abrigados no Banco do Sul, na Oppep do Gás, na Petrosul e no Grande Gasoduto, que levará gás farto da Venezuela e da Bolívia até à Patagônia.
No que se refere apenas ao Banco do Sul, a proposta mais bombardeada pelas pressões sobre o Brasil, é importante assinalar que, ao fazer uso das reservas internacionais (só o Brasil, a Argentina e a Venezuela, juntos, representariam cerca de 200 bilhões de dólares), esta nova agência financeira, sem a ganância de lucros e as condições escorchantes do FMI, do Banco Mundial e do BID, estaria apta a fazer deslanchar aqueles grandes projetos do continente, enunciados acima.
Mas é justamente no uso das reservas (na base de 10% para cada país) que está o grande nó da questão. As grandes potências e os oligopólios financeiros não admitem que os governos façam uso delas, porque as consideram um instrumento de garantia para os seus negócios. “Reserva só pode ser usada em questões de crise”, costumam assinalar seus porta-vozes, aludindo aos ataques especulativos, geralmente de origem externa, quando obrigam os países periféricos, como foi o caso do Brasil, México, Argentina e os países do Sudeste Asiático, no final da década de 1990. Naquela época, o Brasil teve de despender mais de 40 bilhões de dólares de suas reservas para conter apenas um dos três ou quatro ataques à sua moeda, em menos de cinco anos.
Como as pressões desses setores são avassaladores, a ponto de derrubarem governos, como se viu muitas vezes no passado não muito distante, a solução requer e justifica atitudes prudentes e hábeis, por parte do Brasil. Para não ir muito longe, recorde-se que a última tentativa de integração latina, foi abatida por um golpe da direita brasileira perpetrada exatamente no governo nacionalista de Getúlio Vargas.
Isto ocorreu , em 1953, quando o Presidente da Argentina, general Juan Domingo Perón, depois de muitas e difíceis gestões, acertara (secretamente) com o presidente do Brasil, Getúlio Vargas, e do Chile, o também general e nacionalista Carlos Ibáñez, a ressurreição do Pacto Argentina, Brasil e Chile, o antigo Pacto ABC, que funcionou no início do século, sob a inspiração do Braão do Rio Branco, para deflagrar uma política de integração sul-americana.
No Itamaraty , era chanceler João Neves da Fontoura, gaúcho como Getúlio e de quem até fora companheiro na Revolução de 30. Só que Fontoura era, naquele momento, presidente da Ultragás, subsidiária da americana Standard Oil e, como tal, defensor intransigente dos interesses americanos. Ele tinha sido nomeado por Getúlio, que também havia designado o alto empresário paulista Horácio Láfer para o ministério da Fazenda, numa estratégia visando a não desagradar os Estados Unidos e os militares brasileiros, francamente americanófilos, em sua maioria.
Como se sabe, Getúlio tinha sido derrubado em 1945, depois de ter passado 15 anos no poder como ditador, época em que fez a CLT, a Vale do Rio Doce, a CSN e modernizou o Estado brasileiro, justamente pelos nossos militares, a mando dos americanos. Ele tinha voltado ao poder na eleição de 1950, montado numa campanha nacionalista, quando obteve 47,5% dos votos.
Quando Perón, numa visita a Ibáñez, no Chile, com o propósito de encaminhar o novo Pacto ABC, anuncia o propósito de Vargas, do Brasil, de integrá-lo, o chanceler Neves da Fontoura, emite nota oficial desmentindo e desautorizando Perón. O chanceler teria agido por conta própria, mas o fato é que Getúlio se sentiu impotente para demiti-lo (o que só o fez seis meses depois) e, por causa disso, o Pacto acabou indo para o espaço.
As coisas eram difíceis na época. Perón, por exemplo, nunca conseguiu falar diretamente com Getúlio (só se comunicava com ele através do então embaixador Batista Luzardo e de João Goulart e Leonel Brizola, seus pombos-correios). Sempre encontrou séria resistência do Presidente brasileiro, que alegava temer a reação dos militares, como sempre ligados aos Estados Unidos. No Brasil, a mídia toda era anti-peronista e sempre denunciava o que chamava de “República Sindicalista”, o programa popular argentino da época que beneficiava os trabalhadores, a ponto de oferecer-lhes um dos salários-mínimos mais elevados do mundo e ampla assistência social.
O presidente Perón , que seria deposto em 1955 (um ano depois do suicídio de Vargas, ao resistir a outra quartelada patrocinada pelos americanos), por um golpe militar com o apoio dos Estados Unidos e da Inglaterra, se queixou muitas vezes da posição brasileira.
Nas várias entrevistas que teve com o embaixador Batista Luzardo, um amigo pessoal e gaúcho como Getúlio Vargas, (contadas no livro “Luzardo, O Último Caudilho”, de Glauco Carneiro, Editora Nova Fronteira, 1978), Perón costumava dizer:
“Com a força que tenho em meu país, posso muito bem reparar as falhas que têm havido na comunicação com o Brasil. É por isso que quero conversar com Vargas, o maior estadista da América Latina, e com ele poderemos remover toda essa incompreensão nas análises dos problemas de hoje e de amanhã. Não tem mais razão de ser que estejamos repetindo, na América, as velhas diferenças ibéricas de Portugal e Espanha”.
Juan Domingo Perón ainda insistia: “Temos é de nos defender das desgraças do mundo. Já houve duas guerras e a terceira virá. Temos de negociar, dar o exemplo. Desde que Brasil e Argentina se entendam, a América terá dado um passo extraordinário para que o continente seja uma obra comum”.
Segundo Batista Luzardo, Perón ainda se manifestava receoso quanto à Amazônia: “É um perigo para vocês (brasileiros) deixarem aquele imenso território sem população e sem ocupação econômica”dizia ele. “O Brasil tem que tomar o interesse de supostas organizações científicas internacionais – interessadas em “estudar” a Amazônia – como uma preparação de assalto imperialista”.
Getúlio Vargas, porém, não teve este tête-a-tête, que Perón tanto desejava e acabou defnestrado por aquelas mesmas forças que derrubariam Perón um ano depois. Que a história ilumine o Brasil nesta nova e, agora mais abalizada empreitada, de unir este grande hemisfério, rico por possuir as maiores jazidas de petróleo, gás, petróleo, água, alimentos e matéria prima de todo o mundo.

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