(Publicado originalmente emSeg, 15 de Dezembro de 2008 15:25)
Artigo de FC Leite Filho
Agora que a poeira está baixando e os vôos retomam aos poucos a (quase) normalidade, sinto-me premido a procurar alguma luz para a crise de 30 de março, que culminou na paralização dos aeroportos, determinada pela rebelião dos controladores, incluindo militares (sargentos da Aeronáutica).
Como se pode ver agora, nada havia do ranço ou de fumaça do golpe militar que se chegou a propalar, em função de comparações precipitadas com o movimento militar de 31 de março de 1964, que derrubou o Presidente João Goulart.
A não ser pela coincidência de datas, afinal era um 30 de março, véspera do 43o. aniversário do golpe, o episódio deste 30 de março de 2007, como vai aos poucos se delineando, nada tem a ver com o que é comumente conhecido com o estopim de 64: a decisão do Presidente Goulart de revogar a ordem do ministro da Marinha, almirante Sílvio Motta, de prender os marinheiros revoltados naquela ocasião.
Uma interpretação simplista dos fatos levou à conviccão, quase generalizada, de que Goulart caiu cinco dias depois (a revolta dos marinheiros ocorreu enrtre 25 e 26 de março), porque havia, com seu gesto de anistiar os revoltosos, quebrado a hierarquia militar. Pronto, foi o bastate para dizer que Lula, por ter evitado a prisão dos controladores no dia 30 de março de 2007, havia desatado uma baita crise militar, e por isso estaria à beira da deposição.
Só mesmo o tempo é capaz de repor as coisas e de chamar à razão os raciocínios apressados. Vejamos por parte, qundo houve a revolta dos marinheiros, o Brasil vivia um ambiente altamente golpista.
Era insuflado por uma gigantesca conjunção de forças. De um lado, a CIA, que tinha conseguido infiltrar cinco mil de seus agentes no país e uma derrama de dólares para financiar a subversão, e a Embaixada Americana, tendo o embaixador Lincoln Gordon como o comandante informal da conspirata; e de outro, a grande imprensa, os militares, as elites e os políticos conservadores.
Poucos dias antes da revolta dos marinheiros, Jango, como era apelidado o Presidente, tinha sido advertido por um grupo de parlamentares governistas, com penetraçãona área militar, à frente o deputado Neiva Moreira, do Maranhão, de que pelo menos 160 comandos regionais e locais das três armas já tinham se comprometido com o golpe.
Daí se deduz que Jango, ao desconsiderar a ordem de seu ministro da Marinha não estava apenas quebrando a hierarquia, mas apelando aos marinheiros para defender o governo constitucional, ameaçado pelo golpe, que já estava na rua. Se ele tivesse mantido a ordem do Almirante Sílvio Motta, teria perdido o apoio dos marinheiros e ficaria prisioneiro dos golpistas, inclusive do próprio Motta, que depois se revelou um dos articuladores dpo movimento de 64.
Era tal o avanço do golpe que Leonel Brizola (ele tinha participado daquela última revolta dos marinheiros, no Sindicato dos Metalúrgicos, juntamente com o marinheiro João Cândido, herói da Revolta de 1910), decidiu abandonar o Rio de Janeiro. E foi procurar articular a resistência no Rio Grande do Sul. Neste seu Estado natal, ele tinha liderado a vitoriosa Campanha da Legalidade, pela qual empossou o então Vice-Presiente João Goulart no Palácio do Planalto, onde o cargo de Presidente da República estava vago por causa da renúncia do Presidente Jânio Quadros. Mas lá os gaúchos tinham também aderido em massa ao golpe e o regime caiu na longa noite da ditadura, que foi de 1964 a 1975.
Agora, eu pergunto, o que isso tem a ver com o episódio dos controladores de vôo? Lula estava no auge de sua popularidade e naquela noite ia encontrar-se com o Presidente dos Estados Unidos, George Bush, onde, digaos assim, funcionou a central do golpe de 64.
É verdade que, ao saber do impasse que provocaria a prisão dos controladores militares – uma paro interminável abrangendo todos os aeroportos, aí sim gerando um caos incontrolável -, Lula optou pela negociação, o que restabeleceu a retomada e o controle dos vôos.
Não sem antes, porém, o negociador do governo, o miistro Planejamento Paulo Bernardo, perguntou ao ministro brigadeiro Juniti Saito se, com a prisão dos grevistas, assegurando a intocabilidade da hierarquia militar, a Aeronáutica estava em condições de restabelcer os vôos e a ordem nos aeroportos. O brigadeiro respndeu que não.
Lula, como chefe de Estado e comandante-em-chefe das Forças Armadas, teria outra alternativa que não a do caos verdadeiro, pois estava diante do colapso de nossa malha aérea? Mas ele foi acusado de ter quebrado a hierarquia e por isso instalado a indisciplina militar, como o fizera Jango.
Não faltou quem previsse o levantamento dos quartéis e a marcha dos tanques para Brasília. De fato, alguns golpistas incondicionais, militares e civis, de todos os quilates, resolveram botar sua cabeça de fora, a começar do famoso Clube Militar, tradicional sustentáculo de nossas assonadas, desde o início da REpública, em 1889.
Um cientista político alvoroçou-se em decretar que o Brasil estava em plena República Sindicalista, uma alusão ao regime de Perón (1946-1955) na Argentina. Jornalistas e colunistas dos mais bem informados desencavaram proclamações dos militares sediciosos de 64 para calçar suas afirmativas de que o Brasil estava em pleno descalabro administrativo. Por último, um núcleo da melhor cepa de nossa political science saiu para declarar a existência de um novo apagão, o apagão de autoridade.
Mas no meio de tanta histeria houve vozes mais sensatas que apelaram à razão, uma delas a de Teresa Cruvinel, principal colunista político de O Globo (só para assinante, quando afirmou emsua coluna de 05/04/07: “Aos protagonistas do episódio, do Presidente da República aos sargentos, cabe tirar lições do episódio. Nele, o Presidente Lula executou uma de suas mais bruscas manoabras de reposicionamento político. Mas também a Aeronáutica fez valer o ditado: Em porta arrombada, cadeado nela’. Está fazendo agora tudo o que não fêz em seis meses de crise no setor”.